Disclaimer: Crepúsculo não me pertence, mas todo esse enredo sim. Respeitem!

Olá! Essa fic faz parte do Projeto One-shot Oculta, um amigo oculto entre autoras do fandom de Crepúsculo. Confira as regras e todas as participantes na página bit (ponto) ly (barra) POSOffnet. Você também encontra o link diretamente no meu perfil, na aba de Favorite Authors, assim como todas as inspirações, referências, fotos e playlist da fanfic.

Essa short-fic é dedicada à minha amiga oculta Melie. Escrevi com muito carinho por 3 meses sem parar. A ideia já veio desde o sorteio, quando bati o olho no incrível e intrigante Combo 1 (a música August, da Taylor Swift e a imagem do Farol de Neist Point, Escócia). Espero que goste!

Obrigada à Dandara por betar/comentar/me aturar, à Taty Perry pela pré-leitura, e Friida pelos conselhos com o plot!

Nos vemos lá embaixo...


Capítulo 1

Rosa negra


Não consigo parar de pensar em você…

Eu li novamente a mensagem. Não que precisasse. As linhas pretas na telinha iluminada já haviam queimado minhas retinas.

As reticências eram o que me matavam. Coisas vagas escondiam-se naqueles três pontinhos, e eu odiava com paixão e ansiedade tudo que tivesse o status em aberto.

Menos ele.

Suspirei, largando o celular e checando mentalmente o que faltava. Calcinhas, ok. Escovas de dentes, ok. Roupas frescas, ok. Nada. A não ser que já estivessem vendendo coragem na Galerie Lafayette. Porra, eu pagaria fortunas. Tudo estava em ordem – fora eu mesma e a bagunça que tinha virado meu quarto.

O universo sacou que eu precisava de um empurrãozinho, e minha campainha tocou, me fazendo arrastar os chinelos até ela. A casa estava um forno, eu fui me abanando. Verão era bom só de vez em quando.

— Pois não? — falei, a cara metida na frestinha. Era um entregador, mas eu não havia pedido nada.

— Encomenda pra Bells Swan. Sem remetente.

Meu coração foi ao esôfago e voltou enquanto eu abria a porta, toda eletrizada. Só uma pessoa me chamava assim. Fez de propósito.

— Obrigada.

O garoto saiu feliz com a gorjeta de cinco euros, me deixando ali agarrada ao saco de papel não muito grande. Eram cookies e um cordão de ouro numa organza cor de vinho. Havia um bilhete, pelo menos:

"Cookies pro trem (não lembro se você é de enjoar, acho que não). No saquinho vinho é a parte de um presente. Pra receber o resto, você precisa vir até a Escócia. Comprei sua passagem, veja seu e-mail.

Não faz desfeita, vai.

E."

Era como se ele tivesse lido meus pensamentos de fuga. Chegava a dar raiva.

Ele sabia, sempre, tudo o que passava na minha cabeça. Porque éramos parecidos. Porque nossos olhos viram as mesmas dores e as mesmas alegrias. Porque nossos corpos se entendiam como nenhum outro.

Ele sabia, principalmente, porque sentia-se tão culpado quanto eu.

Mas há quase dois anos continuávamos naquela dança circular, rodeando uma imensa fogueira, a música no último volume impedindo que jamais falássemos sobre as brasas chamuscando nossas pernas.

Machuca quando eu te toco? — ele me perguntou um dia. Faz tempo, nem lembro em que lugar da França estávamos.

Quê? — eu ri, claro. O que suas mãos faziam comigo era o oposto disso.

Quando você me toca, dá uma agonia. Não é ruim, não. Machucar foi a palavra errada, desculpa. Digo… um formigar. Um calorzinho. É esquisito.

Eu sei como é. — E passei minha mão em suas costas nuas como as minhas. Vi a pele se arrepiar, minha cabeça deitada nos meus joelhos recolhidos. — Queima, né? Um rastro...

Como faz isso parar?

Não faz.

Então? Eu queimo por você, e você por mim? — Eu sorri um pouco enquanto sacudia a cabeça confirmando. Ele resmungou no travesseiro. — Cafona. Parece livrinho erótico de banca.

Eu gosto — Encolhi os ombros em defesa.

De queimar?

Dos livrinhos.

É claro que você gosta. — Sua risada rouca tomou o quarto, enquanto ele virava e me pegava de um jeito para começar tudo de novo. Me jogando na cama e se alojando entre minhas pernas, ele sentiu meu apreço pelo seu corpo. Riu, beijando meu pescoço. — Você não cansa, não, garota?

Com você, nunca…

Meu peito acelerava quando ele me beijava, e eu sempre me perguntava se era assim também para ele. Se nossas semelhanças não eram apenas na forma de trepar ou nas opiniões sobre os filmes do Tarantino.

Eu achava que sim, eu não era tão ingênua. Meu coração desejava, também, mas perguntar em voz alta e clara tornaria tudo muito mais real.

Parte de mim, diante dele, diante dessa confusão em que nós nos metemos, ainda parecia demais com a garotinha assustada que ele, Seth e Rosie tinham que defender do bullying na escola. Eu odiava.

Podia implicar com as reticências, mas eu mesma não movia um dedo. A covardia atava minhas mãos, então só me restava deixar arder – eu, minha pele e aquela nossa fogueira.

O celular piscou me chamando atenção, e larguei o pacote na minha mesa. O suor escorria nas minhas costas. O cliente havia adorado nosso último projeto, e eu não precisaria mais voltar até setembro, minha chefe avisava na mensagem.

Um mês de férias só era possível porque ela era uma arquiteta milionária que podia se dar ao luxo de fechar o pequeno escritório e viajar para a costa francesa. Eu devia comemorar, mas agora nem a desculpa do trabalho eu tinha mais. Escapar estava ficando cada vez mais complicado.

Escapar, talvez, nunca nem tivesse sido uma opção.

O que a gente faz agora? — foi assim que eu introduzi o assunto, dois verões atrás. Na nossa última noite juntos, eu fingia calma secando meu cabelo na cama.

Como assim?

Depois de amanhã… Você vai embora, né? Eu não vou conseguir voltar ao normal e fingir que nada aconteceu. Sou fraca pra isso.

Ele me sorriu, vindo beijar a ponta do meu nariz porque percebeu o quanto eu surtava por dentro.

Eu também não quero fingir, e nunca te pediria isso. Mas não sei o que fazer também.

Amizade colorida? — Minha sugestão foi recebida com uma careta, e ele riu mordendo o lábio. Eu quis arrancar aquela toalha da cintura dele.

Não estamos meio velhos pra isso, não?

Sei lá, talvez. Eu só não quero um relacionamento à distância, não nasci pra isso. Desculpa.

Eu também não. — Sua mão acariciou meu queixo, me analisando com olhos bem vivos. — Posso mandar a real? Você sabe que eu não gosto de mentir. — Isso era verdade. Já omitir, nisso nós dois viramos mestres.

Por favor.

Eu não tô pronto pra ter nada sério agora, estou com vários jobs nos próximos meses, preciso trabalhar. Não seria justo comigo, nem com você. Preciso de liberdade pra focar em mim sem culpa. Não quero ser babaca.

Meu estômago doeu, mas deixei para lá. Devia ser um sinal. Mesmo assim, peguei sua mão.

Eu sei, eu te entendo totalmente. Então… Vamos só deixar rolar. Não quero te prender, nem quero ficar presa também. Sem compromisso. Pode ser?

Dizer aquilo foi falha minha, mas na época eu ainda não havia aprendido que odiava coisas em aberto. Provavelmente, foi o desespero de não perder a amizade. Não sei se ele reparou ou não, mas acabou concordando.

Foi assim. Tão fácil, como tudo era na teoria com Edward Cullen.

Na prática, minha convicção contra relacionamentos à distância foi dilacerando-se aos pouquinhos. Com cada mensagem fofa, cesta de café da manhã enviada do outro lado do mundo, ligação de madrugada enquanto eu fechava algum trabalho.

Ficar com outras pessoas virou fenômeno raro – não sei o que houve, de repente não havia parisienses interessantes o bastante para mim.

Sua presença na minha vida tornou-se areia movediça, me dragando para dentro, devagarinho, sem volta. Só percebi que estava até o pescoço quando ele apareceu aqui no ano novo, há oito meses.

Saiu de um set no Cairo apenas para me dar um beijo, porque eu brinquei que não teria ninguém para beijar à meia-noite. Edward era rico, morava em aviões e dormia sobre milhas, então para ele aquele gesto talvez não fosse tão grande, mas para mim foi imenso.

Meus olhos foram sugados novamente para as mensagens antigas.

[Edward]
Queria te falar um negócio, mas não sei como dizer sem soar mto brega

Foi em 20 de setembro de 2017, três meses após a primeira noite. Seu nome era um dos únicos sem sobrenome nos meus contatos. Além dele, só Rosalie. Ambos eram únicos na minha vida de tantas formas, até me doía pensar.

[Bella]

Eu não ligo pra isso. Fala o que quiser, ué

[Edward]

Não consigo parar de pensar em você…

Li, mais uma dentre as mil vezes só hoje.

A sensação era sempre a mesma, um frio na barriga delicioso que eu nunca pensei em sentir logo com ele me falando coisas assim. E ainda bem que eu estava sozinha da primeira vez, ninguém para ver minha cara de idiota lendo essa merda.

Sério. Como responder a isso às onze da noite de uma quarta-feira?

[Bella]
Bem ou mal?

[Edward]
Muito bem. Tem algum motivo pra eu pensar mal?

[Bella]
Vc que sabe hahaha

[Edward}
Saudades

[Bella]
Saudades tb :(
Mas tava pensando o que, fala?

[Edward]
Pensando como eu queria ir num cinema com vc, dps sentar no bar, tomar umas e rir qdo você começar a xingar sua chefe

[Bella]
Só trocaria cerveja por vinho, prefiro no outono
Seria o dia perfeito mesmo

[Edward]
Sim
Porém
Editei o final pq na minha cabeça vc termina nua e o resto da frase é bem pornográfico

[Bella]
Nossa hahahahah Então tá
Eu tbm tava pensando em vc
Desse jeitinho mesmo :)

Mentira. Antes disso, eu estava pensando no trabalho da pós, dois dias sentada no computador, sem banho. Mas ele não precisava saber.

[Bella]
Onde vc tá agora?

[Edward]
Na cama...

[Bella]
HAHAHAHA
Digo, que cidade

(eu não curto websexo, dsclp por rir)

[Edward]
(Td bem. Eu tentei! rs)
Madrid, terminando de gravar amanhã
Depois uma semana de folga até Barcelona

[Bella]
Então vem me ver…

Lembro de tremer, totalmente fora da minha zona de conforto. E fui uma grande mentirosa quanto a não curtir websexo— eu só não estava preparada, ainda. Ele veio me ver, é claro. Ficamos quase três dias sem sair do quarto, e o resto era história.

Entre jobs e brechas, ele vinha me roubar de Paris e fugíamos pelo interior quando eu tinha tempo. Vivíamos plenamente nossa pequena aventura amorosa de juventude, dois corpos anônimos escondidos do mundo, muita história para contar.

Minha expectativa era que fôssemos uma comédia romântica da Netflix cheia de clichês, mas nossa realidade ameaçava socar um drama do Almodóvar na minha cara.

[Bella]
Posso levar alguém, pelo menos?

Eu lia agora nossas últimas mensagens, ontem à noite, quando seu convite surgiu do nada.

[Bella]
Você vai ficar enfurnado no set por horas. Nada a ver eu ficar rodando pela Escócia sozinha.

[Edward]
Homem ou mulher?

[Bella]
Faz diferença?

[Edward]
Calma. Como assim? hahahah Não é o que vc ta pensando
Preciso saber pra arranjar um lugar pra pessoa, tenho amigos com vagas
No meu apê só tem 1 quarto

[Bella]
Td bem :)
É a Céline, lembra? Minha amiga da pós que ta morando comigo

Eu disfarçava tão bem, até quase me enganava.

Não é que ele estivesse errado de não se importar com quem eu viajaria. Ele não era meu, nunca foi. Nem eu dele. Era parte do nosso acordo, e Edward era um homem de palavra. Eu tanto odiava quanto admirava isso nele.

— Olha o que eu achei lá fora! — Até tremeliquei na cama com a interrupção.

— Que susto, Céline.

— Desculpa, querida — Minha amiga vinha da rua, entrou no meu quarto com um buquê de rosas brancas.

Eu queria gritar.

— Ah, não-não-não — choraminguei, sacudindo a mão. — Leva isso pra lá, por favor. — O buquê veio parar no meu colo mesmo assim.

— Ué, por quê? Não se recusa flor, olha que coisa mais linda. Abre o cartão aí.

— É dele, eu nem preciso olhar. — Não mencionei o nome dele porque ela já sabia. Nos últimos dias tudo que saía da minha boca era Edward, não sei como ainda me aguentava.

E eu que costumava zombar de mulheres monotemáticas sobre problemas com homens. Era só o começo do meu karma.

Céline sentou-se na pontinha da cama com certo desdém de quem odiava bagunça, prendendo o longo cabelo loiro. Eu estava jogada sobre casacos, braço tapando os olhos para esquecer que existia.

— Homens são tão desesperados quando querem trepar, mandam até flores estando a mil quilômetros longe. Incrível. — Sua voz era puro cinismo, mas eu a olhei, aflita. — Já decidiu o que vai fazer a respeito?

— Não. Hein, você acha mesmo que ele só quer que eu vá pelo sexo?

— É possível, mas só você sabe responder. O que acha?

— Acho que não, quando ele vem pra cá a gente faz muita coisa, passeia. Mas sei lá. Ele ainda é homem, né? — Minha perna nervosa balançava a cama. — Ai, eu não quero ir, Céline.

— Sério? Sua mala já até está pronta, só falta fechar. Quem não quer ir não faz mala...

— É que eu sou fraca. E agora soube que ele comprou minha passagem pra Londres. Vou ter um troço.

— Você já sabe o que eu acho — suspirou.

— Repete até grudar na minha cabeça, por favor.

— Você fica nessa de esperar, levando com a barriga. Cancela seus planos pelo cara, vive em função da próxima vez, mesmo sem saber se vai ter uma próxima… Essa situação chegou no limite, daqui pra frente só vai piorar se continuar assim. Algo precisa mudar, alguém tem que tomar uma atitude.

— Sempre que penso em uma atitude, eu sinto um corvo bicando minhas costas. E aí desisto. Você acha que eu devo ir?

— O que o seu coração tá dizendo?

— Meu coração tá dizendo que eu tenho mais é que me foder mesmo porque eu só faço merda.

— Ei! Parou, hein? Tá parecendo um bebezão, uma mulher de quase 25 anos. Isso nem é seu estilo.

Meus braços voltaram aos olhos.

— Tenho direito de choramingar agora, estou com medo.

— Olha pra cá... — ela pediu e eu obedeci a contragosto. — Você sabe que eu não vou muito com a cara do sujeito, porque esse tipo de arranjo de vocês sempre acaba beneficiando muito mais os homens, mas acho que ficar aqui vai ser pior. Isso precisa ser resolvido. Então minha opinião é que você deve ir pra Escócia, sim.

— Mas meu peito tá tão apertado... Não faço ideia do que vai acontecer dessa vez, vai ser bem diferente do que estamos acostumados.

— Bom. No pior dos cenários, você vai ter mais um verão de diversão casual, e a gente toma um porre quando você voltar. Ou isso, ou você conclui que ele é o amor da sua vida, e vocês seguem daí.

Meu coração latejava na cabeça. Pânico, completo pânico.

— Edward não é o amor da minha vida. Edward é o problema da minha vida.

— Bella… Essas duas coisas habitam o mesmo universo, desculpa furar tua bolha.

— Só existe essa opção? Me recuso. Ele vai me destruir.

— Só se você deixar. Perdão pelo clichê, mas você é a protagonista da sua vida, tome as rédeas e aja como uma, porra. No fim, você tem muito mais a perder do que ele nessa relação, lembre desse detalhe.

— Como se eu pudesse esquecer.

— Para com isso. O que está feito, está feito e as coisas mudam, vocês todos mudaram, cresceram… Não há nenhum crime aqui. — Ela alisou minha mão. — Ai, amiga, se perdoa logo, se liberta. Eu quero te ver brilhando e feliz como te conheci.

Aquilo doeu como ferida arrancada.

Não foi por mal, ela só conhecia uma versão francesa de Isabella, tão diferente. Paris ainda parecia um sonho, mesmo após três anos, e eu tendia a agir de acordo, ignorando a realidade que me esperava em casa quando eu acordasse.

— Eu passei tanto tempo sendo triste, acho que nem aprendi a ser feliz de verdade depois de adulta. Tem tutorial na internet pra isso?

— Você é engraçada, Isabella — ela sorriu, levantando-se. — Você vai de trem, né? Que horas sai?

— Depois de amanhã, sete da manhã.

— Se quiser, escondo dois despertadores pela casa pra você não perder a hora. — Ela me deu um beijo na testa e saiu, me largando sozinha com as flores e minhas decisões.

A areia movediça estava em lenta ação, e tudo iria me engolir viva. A saudade, ele, minha cabeça e o peso das minhas escolhas. Eu estava tão cansada, mas relutar era fútil: eu sempre perdia, mesmo.

Quando joguei a toalha, devo ter ficado uns dez segundos sem respirar.

Fui no escuro, correndo contra o tempo de me arrepender. O que me fez pegar o celular, abrir o e-mail e checar os dados da passagem foi o mesmo que me fez começar isso tudo: agir primeiro, pensar depois.

Não era prudente, eu já estava velha para a filosofia "só se vive uma vez", mas ao menos Edward me entendia, por isso estávamos aqui hoje. Se pudesse sonhar alto, esperava que Rosalie nos entendesse também, um dia. Tínhamos bons motivos.

Depois de Seth, afinal, nunca mais fomos os mesmos.

.

.

Chovia em Londres, para variar. Nem parecia verão, o primeiro dia de agosto.

De braços cruzados num canto da estação, a visão que tive três horas após sair de Paris me fez abrir um sorriso que senti no corpo todo.

Suas longas pernas em jeans escuro, a mala aos tropeços. Ele vinha apressado. De testa franzida sob os óculos de grau, fazia um biquinho de irritação, cabelo recém-lavado e moletom preto. Tinha uma bateria no meu peito e fagulhas no estômago. Era sempre assim.

— Meia hora atrasado na terra da Rainha — debochei, apagando meu cigarro na lixeira. — Isso deve dar uns cinco meses de cana, se prepara.

— Teu cu, Swan. — Ele fez um sinal de V, o dedo médio dos ingleses, e eu gargalhei, já temendo o fim do verão. Cada encontro significava uma despedida dolorosa em breve e me matava.

— Nossa, é assim que você recepciona sua amiga que acordou às cinco da manhã pra te visitar?

— Ah, caralho. Perdi o ônibus e fiquei sem bateria, acredita? — Edward me alcançou, e seu abraço de urso fez meus pés saírem do chão. Retribuí sorrindo. — Mil desculpas — ele arranjou um jeito de dizer enquanto beijava meu ombro.

— Imaginei, tudo bem.

— Então, oi...

— Oi. Que saudade.

— Muita. Demais.

Eu o apertei, e ele me apertou mais. Meu nariz enfurnado em seu pescoço relembrava seu cheirinho. Só não beijei porque ele não precisava de uma marca de batom vermelho às dez da manhã, mesmo já acostumado.

O abraço demorou-se de um jeito que só era comum nas despedidas. Ele não queria soltar, e eu amava, mas meu corpo começou a se incomodar depois de um tempo.

— Vai me abraçar até ficar esquisto mesmo?

— Ahm?

— É que eu tô meio sem ar.

— Ah, foi mal — riu sem jeito, me largando.

Na sua boca dei apenas alguns selinhos. Assim fazíamos em lugares mais óbvios, conscientes de nossos conhecidos em comum da California que sempre visitavam a Europa. Era nosso acordo não-verbal de proteção, e minha adrenalina subia toda vez lembrando disso. Agora, então, principalmente.

Tive que respirar fundo, me acalmei limpando o rubor do meu batom nele, e peguei o embrulho do chão.

— Segura.

— Que isso? Você tá me dando as próprias flores que eu te dei?

— Não, trouxe pra eu poder aproveitar meu presente. Céline foi pra Vienna, eu não queria deixar murchar na casa vazia nem jogar fora. — Eu pus a mochila nas costas. — Acho um pecado jogar flores fora, sabe? Elas morreram por mim. E são muito lindas, obrigada.

Nem parecia que eu queria trucidá-las anteontem. Era o efeito Edward. Começamos a andar, puxando nossas malas. Ele levava o meu buquê dentro do pote de água que eu inventei de trazer.

— E aí, comeu os cookies?

— Aham. Estavam ótimos, obrigada também. Não sei o que fiz pra merecer tanto mimo… Foi só pra me convencer a vir?

— Também.

— Que sorrisinho besta é esse?

— Nada. É que eu adoro quando meus subornos funcionam.

— Ah tá. Então já deve ter cadastro na floricultura. Haja buquê pra subornar a mulherada, hein — eu ri, ou algo parecido com isso.

Mas ele não.

— Você é a única, Bells...

Você é a única o quê? A única doida que preciso subornar pra ficar comigo? A única que recebe flores e mimos?

Apesar das dúvidas que infestaram meu cérebro e secaram minha boca, tentei focar em como sua cabeça sacudia para o chão. Foda-se tudo. Consegui quebrar o clima em apenas cinco minutos, um recorde. Não que fosse a primeira vez.

Tossi disfarçando na mesma hora em que sua mão pegou a minha. Um avanço?

— E esse cordão, hein? — indaguei. — Cadê a outra parte do presente que você prometeu?

— Você trouxe? — Eu tirei o colar de dentro do meu suéter preto na mesma hora para mostrá-lo. Era trançado e quase fino. Comprido, repousava entre meus seios, a ponta terminando sobre minha tatuagem pequena de rosa negra. — Ok, agora espera até a Escócia.

— Por que tanto mistério?

— Vai valer a pena. Confia.

— E meu carro?

— Não pude comprar, a loja da Ferrari tava fechada.

— Tudo bem, eu me contento com um Porsche.

Ele riu, mas avisou que conseguiu alugar uma ótima BMW em Edimburgo. Tinha sido o meu único requisito ao aceitar o convite, poder dirigir até as cidades onde ele queria me levar. Eu amava.

— Tem certeza que sabe dirigir na mão inglesa?

— Passei quinze dias em Dublin com Céline visitando Marianne. Confia.

Matamos a hora de espera do nosso trem tomando um brunch num Café ali perto.

Lado a lado, colados, embora meu instinto fosse subir em seu colo. A saudade física não cessava, ainda mais com Edward me tocando toda hora. Mão no meu joelho, dedos entranhando meu cabelo com a desculpa de que havia uma peninha. Quando ele cheirava meu cocuruto, eu ia ao céu e voltava.

— Como foi o comercial? — Eu mastigava uma salsicha do típico desjejum inglês. — Era de quê?

— Roupas de treino. Nike. Foi bem legal, eu dirigi.

— Mentira?! Você não me contou.

— Esqueci. Foi meio surpresa pra mim também, o diretor cancelou horas antes.

— Você é sortudo demais, nunca vi. E que dia voltam as gravações em Edimburgo? — Era uma série épica badalada que eu via de vez em quando, Edward estava fixo como assistente de direção de fotografia.

— Em duas semanas. Aí gravamos lá por cinco dias, depois vamos pra Inverness, uma cidadezinha no norte.

— Então esse é o itinerário que você não quis me mandar?

— Mais ou menos. Tem algumas surpresas pelo caminho.

— Espero que você lembre que surpresas fazem meu cabelo cair.

— Só coisa boa, prometo. Nenhum fio ameaçado.

Surgiu a vontade de pedir que ele me levasse no set um dia, mas não consegui abrir minha boca, tomada pelo medo de ser intrometida e abusar do nível de liberdade que tínhamos. Eu não saberia nem dizer bem qual era, para ser sincera. Os limites entre nós eram turvos desde o início.

— Então eu vou ter a honra da sua companhia por duas semanas inteiras?

— Vai até encher o saco de mim.

— Provavelmente. — Ele riu e me empurrou com o ombro, e eu continuei. — Sem trabalho, sem nada, sério?

— Ah, eu vou te dar bastante trabalho, sim — falou no meu ouvido com voz de locutor, prendendo o riso. Quando vi seu sorriso sacana, me juntei à risada por achar graça e por não ter uma resposta boa o bastante, a não ser "tomara".

Queria que fosse sempre assim: leve, bobo. Mas eu ainda não sabia como rir sem medo de achar que atingi minha cota de alegria do dia.

— Que foi? — Ele me notou quieta, um tempo depois.

Já arrastávamos nossas malas pela estação, o trem prestes a partir. Meus olhos seguiam no chão a linha amarela onde eu andava com minhas botas pretas que engraxei antes de vir. Brilhavam.

— Nada… — suspirei. — Mentira. É que bateu uma bad… Eu já tô sentindo saudade mesmo ainda estando aqui. Isso é normal?

— Se não for, então somos duas anomalias.

Eu tive que encará-lo.

Acho que por ver sua honestidade, não resisti em deitar minha cabeça em seu ombro, abraçando a cintura. Ele entendeu que eu queria seu braço me aninhando, e assim caminhamos a passos iguais. Seu calor me fez um bem danado.

— Pronta? — Ele estendeu a mão, me ajudando a subir os degraus no trem. Cruzaríamos a Inglaterra até Edimburgo em quatro horas e meia.

Ter madrugado me fez sonolenta no meu assento da janela, mas me recusei a fechar os olhos. Cada segundo ao seu lado era precioso, eu queria sorver todos até a última gota. Virar seu rosto para beijá-lo de verdade foi a primeira coisa que fiz quando começamos a mover.

Sua boca tinha o gosto do gengibre que ele me ensinou a mastigar – isso quando não eram cravos-da-índia. Ele tinha muitos tipos de beijos no repertório, mas o de agora era o meu favorito. Viciante, lento e provocador, me fazendo ansiar pelo próximo movimento.

Quando Edward acariciava minha nuca enquanto mordiscava meu lábio inferior em público, eu me sentia uma devassa. Adorava.

Eu custei a soltá-lo dessa vez, porém foi preciso.

— Droga — sussurrei. — Temos plateia…

— Ahm?

Ele olhou para o garotinho no banco da frente que não parava de nos vigiar. Ao mesmo tempo, os três mostraram a língua, a única forma madura de lidar com aquilo, logicamente.

No fim da nossa gargalhada, Edward mudou de assunto.

— E a pós? Tá acabando já, né?

— Aham. Mas não quero nem lembrar que existe, porque depois das férias começo meu projeto final. No mínimo quatro meses sem dormir.

— Pra variar... Como eu vou ficar quando você terminar de estudar, hein? Ninguém online pra me dar bom dia às três da manhã quando eu estiver indo ou voltando do trabalho, vai ser dureza.

— Fica tranquilo, já percebi que arquiteto não dorme mesmo trabalhando. A não ser que você seja a dona da empresa, aí pode jogar tudo nas costas dos estagiários, dormir bela e acordar num spa em dia de semana.

— Eu confio no seu potencial pra ser dona. Daqui a vinte anos, você dorme direito — ele riu. — E já sabe o que fazer depois que acabar?

— Não pensei ainda. Se eu achar um bom mestrado por aqui, eu faço, talvez.

— E se não?

— Se não, eu vou ter que voltar pra casa. Meu visto de estudante tá acabando, se eu parar de estudar, só posso ficar lá com visto permanente, e aí só conseguindo um trabalho fixo de verdade...

Edward assentiu a cabeça, calado. Ambos sabíamos que minha volta seria nosso adeus. Ele amava demais essa vida de pular pela Europa a cada seis meses, não conseguia vê-lo voltando à California tão cedo.

Eu não podia nem culpá-lo. Nossas vidas eram outras aqui, especiais dentro de outro universo e prioridades.

Ficamos em silêncio numa melancolia fodida, e para despistar a vontade de chorar, peguei meu caderno e canetas. Ele ficou no iPad. Tentei me inspirar na paisagem, mas quando vi, já tinha segurado seu braço sobre o encosto e puxado a manga do moletom.

Edward me olhou, leve sorriso e olhos brilhando que eu tinha suspeitas de serem lágrimas retidas, mas não quis pensar nisso.

Ele conhecia o ritual, me ajudou relaxando o corpo na cadeira, ofereceu-se para mim. De repente, Billy Joel começou a cantar no meu ouvido esquerdo me mandando parar de me apressar. Um fone compartilhado, e sua pele como tela à disposição, nós passamos a próxima hora apenas existindo na companhia do outro.

Ele chegou em Edimburgo com uma árvore cheia de galhos secos e raízes mescladas às veias do antebraço, e eu com a lombar doendo de tanto me entortar. Valeu a pena ao ver seu sorriso aprovando meu trabalho, no entanto.

Quando saímos do Uber na rua dele, havia uma obra com uma placa grande escrita Cullen Property, eu não entendi nada. Acho que notou meus olhos alargados.

— Não, não é do meu pai — explicou do nada, tirando as malas do carro. — São outros Cullens empreiteiros.

— Eu já ia perguntar. Que ironia, né?

— Pois é. Devem ser meus parentes distantes.

Ele me guiou ao prédio, seu apartamento ficava num quatro andares de tijolos pintados. Enquanto ele procurava a chave certa da portaria, eu parei boquiaberta, olhando para cima com um sorriso bobo e meu buquê idiota nas mãos.

— É rosa! — Não escondi meu entusiasmo.

— Sim?

— Edward mora numa casinha rosa!

— Você é esquisita.

— Eu amo achar prédios coloridos por esses lados, é tão raro. Isso é rosa típico de Marrakech no Marrocos, sabia? É lindo.

— Bom, o proprietário é mesmo imigrante marroquino. Agora faz sentido.

Ele carregou minha mala para dentro, o apartamento ficava no último andar, um quarto e sala com uma escada caracol preta que levava a um terraço privado. Sua bicicleta estava ali na porta.

— Eu diria "não repara a bagunça", mas lembrei que fiz faxina antes de ir pra Londres.

— Por que eu não consigo te visualizar fazendo uma faxina sozinho?

— Porque nada do meu histórico está ao meu favor — murmurou, abrindo a porta.

A decoração era simples e elegante, perfeita para um morador quase passageiro. As inutilidades que ele gostava de comprar, a geladeira repleta de fotos e as artes nas paredes eram tudo que me diziam que Edward Cullen vivia ali. Isso, e o fato da casa ter o seu cheiro, mesmo com sua ausência há dois dias.

Quando foi a última vez que estive num lugar só dele assim?

Eu caminhei para deixar as coisas no seu quarto, a nova morada das minhas rosas brancas. Ele ia na frente dando instruções sobre a casa, e eu tentava prestar atenção. Mas o senso de realidade seguia me devastando silenciosamente a cada passo nosso sobre a madeira antiga.

Edward tinha feito espaço na sua agenda e na sua cama para mim. Queria que eu conhecesse seus amigos e colegas de trabalho, me queria no seu cotidiano pela primeira vez. Estava sendo real demais.

Demorou tanto, mas eu também não sei se estava pronta antes. Se é que eu estava agora.

— Tá tudo bem? — Beijou minha cabeça, sentando-se ao meu lado no sofá de couro preto. Nem reparei que eu havia sentado. Apontei a samambaia semi-morta na janela.

— Tem que molhar.

— Tô sabendo.

— Posso tomar um banho?

— Claro. Já coloquei toalha limpa e um sabonete lá na pia.

— Obrigada. — Me levantei. — Tô cansada, acho que vou dormir um pouco antes de irmos pro pub, pode ser?

— Pode, claro. A casa é sua, Bella — ele disse, e esperou só eu virar para pegar meu braço. — Ei, você não respondeu minha primeira pergunta…

— Tô bem, só cansada. Tá tudo bem, prometo.

Estava.

Estaria, porque passei a ocupar a mente escolhendo o que vestir mais tarde sob o chuveiro.

Eu ficava bem quando não pensava em mais nada. Ficava melhor ainda quando apenas focava nele, na experiência de estar com ele no presente. Vivemos os últimos anos assim, eu poderia continuar mais um tempo até minhas decisões tomarem alguma forma.

Apaguei por umas duas horas depois do banho quente e demorado.

Quando acordei, me enfiei num vestido-camisola de seda champanhe, meus colares, anéis e meu cardigã preto, ignorando a dúvida se eu destoaria de alguma forma do grupo. De meias, fui para a sala carregando a nécessaire. Edward assistia com atenção aos créditos de um filme, porque ele era desses.

— Comendo pipoca com colher? — Cheguei por trás pegando um punhado delas, e escorreguei no sofá.

— Qual o problema?

— Você é esquisito.

— Essa fala é minha.

— Me processe. Já tô quase pronta, tá? Só vou dar uma ajeitada na cara e botar o sapato.

— Tá bom, vou me arrumar — ele desligou a TV e levantou, mas fez um bate-volta. Veio fungar meu pescoço. — Hmm, tá tão cheirosa. — E me deixou lá com cheiro de pipoca e arrepios inconvenientes.

Meu sorriso perdurou por um tempinho. Ter atenção de alguém especial era um vício, tão doce de arder a garganta.

Mas a sede sempre vinha.

Aprendi logo que sorrir acabava rápido longe dele, e ficar sozinha em seu apartamento era um risco para essa gata aqui que já havia morrido pela curiosidade muitas vezes. Quando me peguei, a porta da geladeira já estava diante de mim, aquele tesouro de vida em forma de fotografias.

Minhas retinas desavergonhadas primeiro focaram nas fotos com mulheres, as que achei mais bonitas que eu. Nem sei se ele penduraria a foto de algum casinho, mas as duas comigo ali não me deixaram muito segura. Se tinha comigo, podia ter com as outras, não?

A investigação não concluiu nada que escondesse intimidades. O restante olhei apenas de relance, a maioria narrava momentos divertidos que eu só entenderia se ele me contasse. Saí antes que eu me afundasse nas paranoias e tivesse a ideia de revirar seu lixo.

Digna de pena. Credo. Quando foi que eu virei isso?

Edward demorou um pouco. Gostava de se arrumar, pentear, perfumar, ficar bonito para mim. Eu apreciava tanto isso nele, talvez um dia dissesse. Ele apareceu sem óculos, devia ter colocado as lentes. Me achou sentada no chão com os cotovelos na mesinha, fazendo caretas para meu celular.

— Vamos tirar uma foto — chamei, apesar da minha cara ser puro cansaço e preguiça de me maquiar.

Ele encaixou-se atrás de mim, as mãos enlaçando minha cintura. O calor que sempre dava quando ele aproximava-se da minha nuca apontou meus mamilos para o horizonte.

Eu parecia adolescente. Mirar a lente só em nossos rostos foi a solução.

— Sorrindo ou blasé conceitual? — perguntou, a cabeça pendendo para o lado, ajeitando o cabelo.

— Sei lá. Faz cara de Edward.

— Como é cara de Edward?

— Irritantemente gostoso do caralho. — Ele soltou a gargalhada que eu esperava, e aproveitei para bater algumas selfies nossas, que me fizeram sorrir facilmente quando fomos analisá-las.

Eu tentava, mas acho que nunca me acostumaria com seu rosto. Pertencia às grandes telas, eu já tinha dito várias vezes, inclusive, mas ele insistia que ficar por trás das câmeras era mais divertido.

Também insistia que nem era tão bonito assim, e ficou dias implicando comigo da primeira vez que falei o óbvio sobre sua beleza, quando eu tinha 14 anos e ele, 18. Eu quis morrer. Não havia buraco grande o suficiente onde eu pudesse me esconder com minha boca.

— Curti. Me manda essa — apontou uma específica, impedindo meu dedo de deslizar.

— Ah, essa não, eu tô o cão.

— Nem se você quisesse ficaria feia, Bella. Manda.

— Eu sem batom e descabelada igual boneca velha de creche em dia das crianças.

— Que auto-insulto mais bizarramente específico é esse?

— Sério, é a noiva do Chucky de ressaca.

— Tá gata, para.

— Só fala isso porque quer me comer.

— Porra, como adivinhou?!

— Babaca! — exclamei rindo com ele e lhe dando uma cotovelada, antes de ser agarrada para trás, o celular sumindo da minha mão.

Só mesmo Edward para me fazer rolar num tapete mal lavado enquanto atacava meu pescoço e colo de beijos. Só ele para me fazer esquecer do mundo por uns segundos, rindo sem peso e culpa.

Eu o odiava. De verdade, odiava.

Senti sua energia baixando quando parou por cima de mim, seus olhos me queimando. Abri os meus e ajeitei sua sobrancelha descabelada pós-ataque, aguardando o que ele tinha para me dizer.

— Você sabe que eu te elogiaria mesmo sem querer te comer, né?

— Para de falar isso, é esquisito.

— Foi você que começou — implicou. Me ver rolar os olhos o fez ficar sóbrio novamente. — Tô falando sério.

— Sim, eu sei…

— Você realmente se acha feia sem maquiagem?

— Feia, não. Só sem graça.

— Hm. É justo... Mas não consigo entender, quando eu te olho é o oposto de sem graça. — Na sua pausa, eu parei de respirar. Ele vasculhava meu rosto. — Eu só queria que você visse o que eu vejo…

— Então me mostra.

Nem sei para quê disse aquilo, já me arrependi de falar no meio, minha voz morrendo.

Mas ele ficou de joelhos, um de cada lado do meu corpo, inclinando-se sobre mim. Seus dedos afastaram o cabelo dos meus olhos para começar a beijar minha testa, têmpora, bochechas. Tão lento e cuidadoso, eu queria chorar. Era perigoso. Ele era.

Edward adorava fazer essas coisas, me deixar toda derretida. Havia rapidinho conhecido meus pontos fracos, sabia como quebrá-los. Eu também aprendi alguns dele, carinho não faltava entre nós, nunca.

Ainda assim, era perigoso. Dentro da nossa bolha onde silêncios e olhares tinham voz, a entrega era fácil, e mais ainda deixar que sensações virassem sentimentos. Quando chegávamos nesse ponto quase sem volta dessa montanha-russa sem proteção, o alerta na minha cabeça enlouquecia.

Segurei seu cabelo, de repente, calando com um beijo forte qualquer coisa que me arrependesse mais tarde. Também abracei-o com minhas pernas, não me importaria de foder no chão empoeirado, se esse fosse o preço.

Sua língua mal encostou na minha, porém, e ele começou a rir baixinho.

Esperto demais.

— Quê? — perguntei, arfando e flexionando meus dedos no cabelo macio da sua nuca. Edward afastou-se, erguendo o torso.

— Você me pediu pra te mostrar, para de fugir.

Eu nem pude perguntar que porra ele estava falando, porque logo pôs o celular no meu campo de visão, mostrando a foto que fez enquanto me enchia de dengo.

Fiz uma careta, meu rosto ficando quente. Não por ser feia, pelo contrário. Mas porque ali estava o meu medo. Era o reflexo de uma mulher perdidamente apaixonada, sorrindo com cara de idiota. E se eu dava tanta bandeira assim, algum comentário já tinha sido feito.

Não comigo, porém.

— Além de gata pra caralho, ainda é muito fotogênica, não tem nada que me convença do contrário — comentou, passando as outras fotos que ele sabia enquadrar sempre à perfeição, treinado em anos de cursos caríssimos de Cinema.

— Essa não vale. Tô de olhos fechados, nem dá pra me ver direito. Olhos são cinquenta por cento da beleza de um rosto.

— De acordo com quem?

— Pesquisa do Instituto Isabella de Pesquisas. — Completamente em pânico por vários motivos, eu o vi mexendo no compartilhamento das fotos, enviando para si mesmo no Whatsapp. Quase arranquei o aparelho da sua mão. — Ok, já se divertiu tirando foto minha sem consentimento. Mas não posta, não, tá?

— Não vou postar, calma. Se quiser eu apago… Mas ficaram tão bonitas.

— Não precisa apagar, só não posta.

Com uma pausa, ele me observou, até sua testa franzir do nada.

— Seria muito ruim se eu postasse?

— Você sabe que sim — disse, empurrando-o de leve para poder levantar. Meu pensamento já havia corrido, apavorado, para outro canto. — Será que o pessoal já chegou lá? Tô morrendo de fome, queria ir logo.

Mesmo sentado no chão, ombros caídos com ar de quem ainda tinha muito a dizer, ele entendeu o tom de finalidade na minha voz. Assentiu a cabeça, me estendendo a mão para uma ajuda completamente desnecessária.

— Devem ter chegado sim. Vamos…

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Sábado, 04 de outubro, 2008

Pasadena, California

19h

A aniversariante nem havia aparecido ainda. Devia estar passando a décima camada de babyliss. Eu fugi de lá depois da quinta.

Numa mesa afastada, Edward e eu víamos o pessoal chegar. Estávamos cansados depois de ajudar a arrumar a casa, colada à minha, a tarde toda. Ele não gostava muito do povo do ensino médio, percebi pelos cumprimentos sem energia.

— Seus amigos vem? — pergunto.

— Só Jared, Sam e Paul, mas não contam, né. Fora eu, acho que ela só conhece eles do último ano.

— Duvido, Rose conhece todo mundo daquela escola.

— Tá desenhando o que aí? — Ele se aproxima. Eu me retraio.

— Só uns exercícios que a professora passou.

— Que tédio. — Seus dedos tamborilam. Nunca vi garoto tão inquieto. — Conta uma novidade aí.

Era engraçado. Edward adorava fofocar comigo, eu tenho bons ouvidos. Só que ele nunca usava o termo correto, fofoca é "coisa de mulherzinha".

— Cara. Eu acho que o Paul é gay. Falaram no banheiro do ginásio... — digo.

— Mas isso é óbvio. Conta outra.

— Minha tia disse que seu pai vai fazer uma doação grande pro curso de Engenharia da UCLA, é verdade?

Ele para e expira forte o ar, cruzando os braços. A mesa balança por causa da sua perna.

— Ridículo. Já tô cansado de falar que eu não vou, e ele fica fazendo essas merdas. Eu reprovei em Cálculo ano passado, ele acha que eu vou conseguir terminar Engenharia?

— Mano, seu pai já foi legal deixando você ficar com a gente na escola pública. Não reclama.

— Só deixou porque minha mãe insistiu que eu tivesse contato com o mundo real, sei lá que porra isso significa. Eles são hipócritas demais, eu não quero ser assim. Só quero vaga se eu mandar bem nas provas de admissão, não por causa de grana.

— Eu queria que meu pai tivesse dinheiro pra isso. Seria mais fácil do que estudar.

— Tsc, não pensa nisso agora, não. Aproveita seu oitavo ano em paz. Você é bebê ainda.

— Ah tá, falou o adultão, né.

— Eu tenho quase dezoito.

— Você literalmente acabou de fazer aniversário há quatro meses.

— Quatro a menos, só oito pela frente. Depois, liberdade. — Ele dá de ombros, e eu reviro os olhos. — Cara, tô pensando em fazer uma tatuagem no meu aniversário...

— Quer que eu faça agora pra você ver como ficaria? — Ofereço no impulso, e só depois começo a rezar para ele não perceber que eu já tinha pensado nisso mais de cinco vezes.

Ele hesita um pouco, porém acaba assentindo a cabeça.

— Pode ser. Queria tipo uma caveira de boné escrito L.A. do Dodgers.

— Ih, mano, desiste.

— Por quê?

— Você não é tão cool pra ter tatuagem de caveira.

— Teu cu, Swan — ele ri, chuta meu tênis, e eu me sinto meio mal, mas não falo nada. Pelo chute e pela mentira. Ele era cool sim, podia ter qualquer tatuagem que quisesse, eu que era boba.

— Vou fazer, mas você tem que ficar bem parado, tá? Senão borra.

— Beleza. Vou tentar.

Minha cadeira vai para perto dele, e começo a desenhar acima da dobra do cotovelo, sua camiseta branca enrolada no ombro.

É estranho, e eu me dou um tempo para me acostumar. Minhas mãos sentem a pele quente, macia. Minha imaginação voa um pouco pensando como seria desenhar uma constelação usando as pintinhas do seu bíceps como base. Ele cheira tão bem.

Meu coração palpita feito louco, e, envergonhada, torço para ele não reparar nas minhas mãos suadas. Eu não entendo nada, não é como se nunca tivéssemos ficado próximos antes ou nos abraçado.

Sua voz baixa me traz de volta.

— Você já fez isso em alguém? — ele pergunta, mas não consigo responder. Nego com a cabeça. — Você leva jeito.

— Obrigada. — Minha voz quase não sai, e nós ficamos em silêncio por infinitos minutos, ouvindo o burburinho da festa aumentar.

Seu olhar me prende no lugar, eu sinto em mim, mas não o encaro. Viro estátua. Até que vejo sua pele arrepiando.

Tenho o impulso de perguntar se ele está com frio, mas ao encontrar seus olhos, eles estão mais verdes do que eu lembrava, cílios mais longos. Hoje ele veio sem óculos. Suas sobrancelhas cheias franzem sutilmente. Eu quase paro de colorir o boné da caveirinha.

Quando foi que meu amigo ficou tão lindo assim? Suprimo um suspiro, apavorada de ser pega.

Nem precisava.

Sua atenção já tinha sido sugada para algo atrás de mim, eu noto como sua coluna fica mais ereta. Viro a cabeça rapidamente e a vejo de longe. Ao contrário de mim, ela jamais saberia o que era estar fora das listas de meninas mais bonitas da escola.

Uma Angel da Victoria's Secrets mirim, ela gostava de saia curta e crucifixos prateados. Mas, pensando bem, quando fomos comprar vestidos em L.A., um cara abordou Rosalie dizendo que poderia transformá-la numa estrela. Talvez a passarela fosse seu lugar mesmo, se a Medicina não desse jeito.

O garoto estava de queixo caído, vejo seus dentes perfeitos brilhando na boca entreaberta. Sortudo do caramba, tirou o aparelho há um mês, o meu ainda doía. Eu aperto seu braço um pouquinho, antes que ele babe.

— Sua namorada vai ficar com ciúmes, hein.

— Ahm? — Quando me encara, está perdido.

— Nada não.

Volto a finalizar sua tattoo fake. Uns segundos depois, ouço seu pigarro e aguardo.

— Eu terminei com a Lauren.

Ok, isso não era o que eu esperava.

— Putz…

— Pois é.

— Você nem parece triste.

— É, tô de boa. A gente continuou amigo.

— Então você não vai ficar puto se eu disser: putz, até que enfim! Garota mais chata e metidinha.

— Ah para, eu gostava dela.

Você gostava de ficar pegando na bunda dela atrás do shopping, era o que eu queria dizer, mas mordo minha língua.

— Quando foi?

— Semana passada, na escola.

Eu ia implicar dizendo que ele nem me contou nada, mas a gente não tinha esse tipo de papo. Tipo, nunca. Ele gostava mais que eu fosse sua dupla no GTA e de dividir frango frito quando íamos assistir jogo do Lakers com meu pai.

Eu gostava, também. Às vezes, mais do que isso. Eu só não sabia o que era, ainda, o nome daquela pontada que eu sentia na boca do estômago quando ele gargalhava de alguma piada minha.

— Pronto — aviso ao terminar a coisa mais igualmente fácil e difícil que já desenhei, e ele sorri ao analisar.

— Foda, parece de verdade mesmo, o traço é perfeitinho. Você é boa pra caralho nisso, Bella.

— Nem ficou tão bom, podia ser bem melhor, na verdade. Mas obrigada. — Eu sorrio, torcendo para ele entender que meu sorriso significava uma gratidão maior do que eu conseguia falar.

Perda de tempo.

Seu olhar voa mais uma vez para a pista de dança, e eu vejo Rose entrar na casa pela porta da cozinha. A energia nervosa dele já me agoniava.

— Vou pegar um refri, quer? — ele me surpreende com a pergunta, mas seus olhos mal me tocam.

— Quero uma Coca. Valeu.

— Já volto. — Edward sai numa linha reta, quase correndo por onde Rosalie passara. Vejo que tira o boné para ajeitar os cabelos, e me perco um pouco pensando se seria esquisito pedir para mexer neles.

Fico com sede. Meu refrigerante nunca chega.


N/A: Você já teve um caso com seu melhor amigo? Conta pra mim no comentário aqui embaixo!

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Até o próximo (ainda hoje, daqui a pouco)!