AMOR EM 3 UA
Meio - ...toda forma...
Sé que no importa que se vaya el primer beso
Si aún nos queda una vida
Y aunque tú no me lo pidas
Voy a hacerte una canción que te emocione
El primer y último día
Atenção passageiros do trem 378 da Companhia Costeira com destino a Kawa: próxima parada, Konoha. O trem permanecerá na plataforma por dez minutos para embarque e desembarque. Por favor, verifiquem seus pertences e...
O anúncio significava que o trem chegaria em cinco minutos ao próximo destino. Isso era uma das coisas que não mudara desde que Uchiha Sasuke dera as costas aquele lugar vinte anos atrás.
Tivera muitas chances de voltar: ao terminar a faculdade, ao terminar a pós-graduação, ao sair do seu primeiro emprego para empreender, ao desistir do seu empreendimento fracassado, ao pedir demissão do segundo emprego por uma oferta melhor, no ano sabático em que decidira viajar para se encontrar e só se perdera, ao perceber pela milésima vez que dinheiro e aquela carreira talvez não fossem o que estava buscando quando deixara Konoha aos 18 anos, ao ouvir Naruto terminar suas chamadas com 'faça o que tem que fazer, teme, estarei aqui'.
E só voltara porque não tinha alternativa.
A oferta de Orochimaru fora boa, fora excelente, fora suspeitosamente irreal. Sasuke era experiente, ele deveria ter percebido a verdade por trás da verdade daquela montanha-russa que só parecia ir para cima, porque assim os ocupantes do carrinho não viam que quando ela finalmente despencasse, não tinha cinto de segurança, não tinha freios, não tinha sequer trilhos.
Aquela não era uma chance que tivera para voltar a Konoha, era sua única – última – opção.
O despencar de Orochimaru levara a todos aqueles nos cargos de liderança junto com ele para o precipício: a empresa foi autuada por todas as fraudes e falcatruas existentes, o jurídico e o financeiro inteiro foram presos, o laboratório foi fechado e todo o material, confiscado; Sasuke passou três dias na cadeia antes que Itachi conseguisse um habeas corpus, mas talvez tivesse sido melhor ser preso e servir o tempo da pena sem dar as caras do que toda a dor de cabeça provocada pela imprensa, pelas difamações, pelos interrogatórios intermináveis, pela papelada, por ver todo o seu dinheiro sendo congelado e depois escoando para pagar os processos; Orochimaru foragido, Kabuto tentara tirar a própria vida para acabar em coma no hospital, Juugo precisara ser institucionalizado, Karin e Suigetsu sequer tinham apelado e aceitaram a condenação, e esses foram apenas alguns poucos afetados, seus colegas mais próximos.
A pena de Sasuke foi leve pelo crime de confiar demais, mas ele era apenas diretor da área de segurança tecnológica voltada para a operação, não era diretamente ligado ao administrativo, e suas assinaturas nos protocolos que utilizaram para autorizar a movimentação indevida do dinheiro foram comprovadas como sendo falsificações.
O sentenciaram ao pagamento de uma multa para a qual precisou vender o apartamento, os dois carros e liquidar a maioria de seus investimentos para angariar caixa, e a oito meses de serviço comunitário que serviu a contragosto, mas sem reclamar, porque afinal sua burrice e demérito não eram culpa das pessoas em situação de rua a quem servia sopa todas as noites no refeitório comunitário do centro da cidade.
Pelos oito meses de serviço, não podia procurar emprego e precisava passar as noites em um albergue especial – nome social de um penitenciária de baixa segurança – junto com todos os outros réus cumprindo aquele tipo de sentença. Não voltar para passar a noite ou faltar ao serviço implicava em revisão da sentença e possível aumento da pena.
No último dia, Itachi foi encontra-lo na saída com uma mala e uma passagem de trem. Seu irmão tocou sua testa com o indicador e o médio e Sasuke, sentindo-se com cinco anos de novo e precisando de um abraço, não protestou a retirada forçada que lhe era proposta. Sentia-se em cacos, embora antes também tivesse dificuldades de se sentir inteiro.
Atenção passageiros do trem 378 da Companhia Costeira com destino a Kawa: estamos na parada Konoha. O trem permanecerá na plataforma por dez...
Sasuke desencostou-se do vidro da porta, aguardou-a se abrir e desceu para a plataforma rústica. Sentiu-se estranho por um momento ao olhar em volta. Exceto pela nova cor das vigas e bancos de madeira, que mudara de um marrom horroroso para um amarelo pior ainda, tudo estava exatamente igual, e o sentimento nostálgico colidiu com a esperança de que as coisas tivessem progredido. Não tinham.
Os anos, os problemas e o cansaço pesaram em suas costas finalmente, seus ombros caíram, seu olhar baixou até ver os pés vestidos em puídos All Star laranja, os jeans estavam rasgados nos dois joelhos devido ao uso e não por uma escolha estilística, camisa de flanela com um botão errado onde o usuário tentara cobrir a camiseta de baixo que estava suja de molho, mãos grossas, calejadas, pele bronzeada de sol, cabelos queimados. Como vinte anos atrás, ali estava a presença solar de seu melhor amigo.
Uzumaki Naruto havia se despedido dele naquela plataforma numa manhã enregelada de abril com um enorme sorriso e o recebia de volta num entardecer sombrio de início de outubro com o mesmo sorriso, embora levemente emoldurado por marcas de expressão e pés-de-galinha.
- Yo, Sasuke!
- Naruto.
Vê-lo foi... Um alívio.
Naruto era seu oposto em tudo: decidido, firme, inabalável, inteiro. Sentira inveja dele, sentia inveja dele. Jamais conseguira imitar aquela personalidade, mas tentara por bem pouco tempo. Compreendia Shikamaru em nível celular quando dizia que o loiro era a criatura mais problemática e cansativa a existir. Ele ainda assim era seu oposto igual, admirava-o e odiava-o sem que a balança pendesse mais para qualquer um dos lados, e esse era seu jeito enviesado, vesgo, de amá-lo.
E era amado do mesmo jeito torto.
O trem não precisava ficar parado por dez minutos naquela plataforma, porque já não tinha mais ninguém para embarcar ou desembarcar. Konoha nunca fora e nem se tornara uma cidade grande nos últimos vinte anos. Era raro que as pessoas a deixassem, mais raro ainda que voltassem e um verdadeiro milagre que chegassem.
Naruto se aproximou com os braços abertos para um abraço que Sasuke não se atreveu a recusar, deixou que o loiro o envolvesse sem realmente retribuir. Eles eram quase da mesma altura desde sempre. Sua cabeça pendeu e foi descansar no ombro de Naruto. Um irmão cuidara dele quando decidira ir embora e o outro o esperara voltar.
As pessoas subestimam o quanto são capazes de suportar sozinhos.
Antes que o trem deixasse a plataforma a luz acima deles piscou e apagou. Naruto deu tapinhas reconfortantes nas costas de Sasuke antes de olhar para a lâmpada apagada e estalar a língua.
- O orçamento para a manutenção da estação, sabia que estava esquecendo alguma coisa. – Sasuke levantou a cabeça do ombro do amigo, o cabelo escondendo a marca vermelha que ficara em sua testa pela pressão. Naruto apertou seu ombro uma última vez e pegou a mala, ativando a alça para que pudesse usar as rodinhas. – Shikamaru ainda é um gênio, mas a cada dia que passa fica mais difícil lembrar de tudo que se tem pra fazer por aqui.
- Hn – Sasuke respondeu sem responder.
Naruto pousou a mão na cabeça do moreno, o cabelo da parte de trás perdera o efeito arrepiado de quando Sasuke era mais novo e o mantinha mais curto. O melhor amigo o acariciou uma, duas vezes, e sentiu que Sasuke relaxou um pouco mais, sentindo-se em nada como o home de 38 anos, ex-presidiário, falido, depressivo, estoico que era. O loiro desceu a mão para o ombro do Uchiha e apertou levemente para movê-lo.
- Vamos, Gaara preparou o quarto de hóspedes pra você.
- Naruto. – O loiro, que já tinha dado alguns passos em direção à saída, parou e virou-se. – Uma bebida cairia bem.
Naruto sorriu, compreensivo, e assentiu.
A estação ficava um pouco afastada do resto da cidade, mas a distância ainda podia ser vencida à pé. De um lado, por onde o sol descia para sumir atrás da linha do horizonte, havia campos de trigo altos, parte da plantação já derrubada para a colheita; do outro, por onde a noite subia, floresta densa, negra, imperturbada.
Quando criança, ele e Naruto frequentemente brincavam entre as árvores daquele lado da cidade, sempre voltando para casa antes do anoitecer, mas nenhum dos dois jamais tivera medo da floresta, já que a casa de Sasuke ficava bem no meio dela.
Respirou fundo deixando que o cheiro de solo úmido o trouxesse de volta a Konoha, de corpo, alma e memórias.
Itachi dissera que a casa ainda estava lá, se Sasuke tivesse interesse em ficar nela, embora não a visitasse havia mais de dez anos. Talvez precisasse tampar algumas goteiras do telhado, espalhar ratoeiras e espanar décadas de teias de aranhas; precisaria religar a energia elétrica, e o serviço de água e esgoto, e torcer para que nada estivesse vazando, corroído ou os dois por dentro das paredes. Sasuke não estava ansiando pelo trabalho que ficar na antiga Mansão Uchiha implicava. Por enquanto, podia ficar bem contente no quarto de hóspedes que Naruto e Gaara tinham-lhe oferecido pelo tempo que precisasse.
- ...branca com vigas coral é a casa de Ino e Chouji, eles terminaram de construir e se mudaram no verão. – O moreno saiu de seus pensamento e percebeu que Naruto devia estar falando há algum tempo, apontando para pontos da cidade no horizonte como se o moreno pudesse ver exatamente o que ele estava mostrando. – E finalmente conseguimos construir a horta e a estufa na escola, dá pra ver um pedaço daqui.
A estação ficava numa colina e a vila, num vale, assim as pessoas conseguiam ver a cidade toda da estação de trem. Àquela hora, as luzes dos postes e das casas começavam a acender, tornando a vista bonita o suficiente para um cartão postal.
- Se precisar de ajuda para construir, reconstruir ou reformar qualquer coisa, vai encontrar muitas pessoas dispostas aqui.
Quando fora embora daquele lugar, Sasuke estava determinado a queimar toda a estrutura que o mantivera preso ali para que nunca mais conseguisse voltar. Agora percebia que seus alicerces eram de concreto e o fogo apenas os deixara cobertos com uma camada de fuligem. Uma limpeza profunda era necessária, mas ainda mantinham-se inabaláveis e firmemente fincados fundo naquele solo.
Porque amar es mucho más que enamorarse
Y el amor es más que dar, hay que quedarse
Aunque las primeras veces se nos van
As pessoas cumprimentavam Naruto, independente da presença sombria e cabisbaixa de Sasuke às costas do loiro, porque do contrário era o próprio Uzumaki que puxava assunto com os passantes ou oferecia informações, lembrava datas e pequenos acontecimentos, favores e negócios, as atividades usuais de um extrovertido que ajudava a comunidade não só porque esse era seu trabalho como prefeito e líder, mas porque genuinamente se importava com todas aquelas pessoas.
Nem sempre fora assim, mas havia décadas de memórias entre uma coisa e outra, e nem Naruto nem aquela vila era de ficar remoendo o passado.
A praça no centro tinha as árvores bem podadas, enfeitadas o ano inteiro com lanternas de papel e luzinhas como vagalumes entre os galhos, mais um ponto turístico digno de cartão postal. Do outro lado, o letreiro luminoso do Sombra, bar da família Nara, acendeu-se. Do lado direito as mesas do restaurante de massas de Chouji estavam montadas até na calçada, vasinhos de flores sobre toalhas de mesa quadriculadas; do esquerdo, apenas iluminação da vitrine sobre os livros em destaque – na semana? No mês? Sasuke não saberia dizer. Pitoresco.
Naruto segurou a porta aberta para que Sasuke passasse. Eles eram os primeiros no bar, que parecia deserto de funcionários também. O ambiente fora preservado como nas memórias de Sasuke, embora só tivesse entrado ali correndo, de passagem, procurando por Shikamaru para brincadeiras, depois tarefas escolares. O comprido balcão com bancos altos se estendia por toda a parte esquerda, um espelho ao fundo das prateleiras repletas de garrafas de bebidas para que desse a impressão de ser ainda maior e mais repleto, uma porta saloon ao final do balcão levando para a cozinha e para o estoque; à direita, mesas quadradas de quatro lugares em fileiras, uma mesa de bilhar de veludo vermelho com as bolas limitadas pelo triângulo, tacos no suporte montado na parede, um minúsculo tablado que comportava uma banda pequena, naquele momento palco apenas para uma meia-bateria, e a entrada do banheiro unissex.
Antes que entrassem Naruto lhe confidenciou que Shikaku falecera no ano anterior. Shikamaru ficou bastante abalado com a perda abrupta do pai, que estava bem de saúde até não estar mais. Sasuke aquiesceu, sem intenções de trazer o assunto à tona. Se o loiro não tivesse dito nada, o Uchiha teria notado na sútil atualização que o local sofrera: duas grandes TVs de tela plana em cantos estratégicos do bar; era uma mudança que o menino gênio sugeria ao pai desde pequeno, porque bêbados, enquanto distraídos, principalmente com programas esportivos, não se sentiam compelidos a brigar. Shikaku nunca acatou, mas a estratégia estava se provando efetiva.
- Shika? – Naruto chamou o amigo, direcionando Sasuke para um dos bancos altos no meio do balcão, a mala deixada entre um banco e outro, enquanto chamava o dono e vice-prefeito.
O moreno depositou o corpo no banco como se fosse um saco de ossos. Não deveria estar cansado, a viagem de trem fora confortável, mas sentia-se exausto. Levantou a cabeça quando ouviu as portas saloon rangerem, mas quem saiu por elas não foi Shikamaru.
- Yo, Hinata.
- Naruto-kun.
A pessoa que surgiu era uma mulher por volta da idade deles, se as rugas de sorriso ao redor dos olhos e da boca fossem algum indício. E que olhos. Sasuke jamais vira olhos como aqueles, com aquele brilho, contornados por uma maquiagem leve apenas para suavizar as linhas, não escondê-las, e destacar a beleza, com um batom claro nos lábios. Ela tinha os cabelos presos num coque propositalmente frouxo e desajeitado, do jeito que parecia ter dado algum trabalho para ficar naquele estado de desalinho, combinando com uma blusa preta de mangas compridas e gola alta, shorts de couro caramelo curtos por cima de meia-calça também preta; sob as roupas, dava para reparar em sua estatura baixa, seios fartos, quadris volumosos, assim como uma barriga levemente proeminente, uma cintura outrora fina, braços que se espalhavam, coxas que se roçavam a ponto de assar.
O escrutínio de Sasuke foi tão detalhado que parecia que ela tinha demorado cinco minutos para chegar até eles, quando não poderia ter sido mais que cinco segundos.
Por 38 anos, nunca acreditou que fosse verdade ou mesmo que fosse possível; e se era possível, nunca acreditou que aconteceria com ele, mas lá estava: Uchiha Sasuke se apaixonou à primeira vista por aquela mulher a quem seu melhor amigo chamou de Hinata.
- Oi, teme.
Naruto estalou os dedos em frente a seu rosto e foi o fim abrupto do transe para Sasuke. Não só tinha escrutinizado Hinata por inteira, mas sua mente vagara, sem sua permissão, e conjurara imagens dos dois juntos, acordando, enrolados em lençóis brancos de propagandas e filmes, passeando por pradarias, cozinhando juntos em uma cozinha rústica com vista para um quintal nevado, sentados num sofá, cada um lendo um livro, compartilhando da presença, fazendo amor e fodendo, conhecendo-se, brigando, reconciliando-se, discutindo, fazendo amizade, amando-se.
As imagens o pegaram com a força, o cheiro e a nostalgia de memórias.
De um lugar onde não havia o tempo a passar.
De um futuro possível.
De uma realidade alternativa.
De um desejo adormecido.
De uma vida já vivida.
- Tá tudo bem, Sasuke?
- Está. – O Uchiha voltou à realidade, zonzo. Piscou várias vezes para tentar se situar no presente, olhos cerúleos e perolados observando-o igualmente preocupados. – Só estou cansado.
- Tem certeza que quer beber alguma coisa?
Honestamente, perdera a vontade de se embriagar o suficiente para dormir o sono sem sonhos que planejara, mas recusar significaria que Naruto ia querer leva-lo para casa e isso o faria perder Hinata logo depois de encontra-la.
- Quero – respondeu, simplesmente. – Cerveja preta.
Se Naruto achou estranho sua escolha de bebida, não comentou, apenas virou-se para Hinata:
- Hinata-chan, uma cerveja preta e um chopp, por favor.
- Vão querer petiscos para acompanhar?
- Tofu frito e tempurá de alga nori.
- Uhum.
Ela tinha dentes bonitos, retos e brancos, bem cuidados. Hinata parecia o tipo de pessoa que passava fio dental todos os dias, conforme as recomendações dos dentistas. As unhas estavam cortadas curtas, uma base fazia com que brilhassem um pouco enquanto ela anotava o pedido numa das folhas do bloco. O risque risque da caneta provocava arrepios no cérebro dele.
- Sasuke-san.
Era a primeira vez que ela o chamava pelo nome? Quase perdera, distraído como estava em olhar as mãos dela.
- Uhn? – Olhos ônix subiram para os perolados e Hinata sorriu, larga e genuinamente, um brilho divertido o encontrou.
- É um prazer conhece-lo. – Ela destacou a folha do bloco com um movimento praticado. – Meu nome é Hinata, se precisar de mais alguma coisa.
E se foi para buscar as bebidas e os aperitivos.
- Pare de babar.
- Quê?
- Dá pra ver você secando a Hinata desde o outro lado da rua.
- Eu não estava... – Sasuke se interrompeu. Naruto o encarava com uma sobrancelha levantada, o queixo na mão flexionada sobre o balcão. De que adiantaria mentir? – Hinata... Ela não é daqui.
- Não. – O Uzumaki coçou a barba por fazer, pensativo. – Ela veio pra cá tem uns onze, doze anos.
- Fazer o quê? – Ainda era difícil para o Uchiha conceber que pessoas podiam, voluntariamente, escolher estar e ficar em Konoha.
- Pergunte a ela você mesmo, assim já tem uma desculpa pra puxar assunto ao invés de ficar olhando pra ela como quem ganhou na loteria e teve uma síncope com a notícia.
Sasuke sequer tentou discutir, sabia que o amigo tinha razão. Perceber que Hinata era atraente não fora nem um pouco difícil; querê-la, menos ainda. Fazer alguma coisa sobre isso também não precisava ser. Já estava velho demais para se importar com joguinhos de sedução. E pelas palavras de Naruto, não foi difícil deduzir que ela não teria nenhum impedimento a seus avanços.
Saiu do banco alto do balcão e deixou Naruto sorrindo sozinho. Foi até o banheiro, cheirou a camisa que usava, confirmando que ainda estava bem em relação ao desodorante, embora um pouco amarrotado. Não tinha barba por fazer, porque demorava cerca de uma semana sem passar a lâmina de barbear para que lhe aparecesse um único pelo na cara, mesmo com quase 40 anos. Cogitou passar uma água no cabelo e coloca-lo para trás, mas por experiências anteriores sabia que isso apenas lhe proporcionaria frizz indesejado.
Voltou para o lado do loiro no momento em que Hinata colocava os petiscos no balcão, seguidos pelas bebidas apoiadas em descansos de copo de acrílico. Sasuke foi rápido o suficiente para colocar sua mão por cima da dela enquanto Hinata terminava de pousar o caneco de cerveja preta. Os olhos claros subiram para os dele acompanhados de um pequeno sorriso. Ela não tentou recolher a mão imediatamente.
- Hinata! Quatro chopps aqui, por favor! – O chamado a sobressaltou, tirando-a do mundinho que seus olhares tinham criado. Um mundinho de manhãs friorentas, camas bagunçadas, sexo lento, orgasmos intensos.
- Saindo – a garçonete respondeu tirando sua mão de sob a de Sasuke lentamente. Quando se viu solta, apressou-se a pegar mais canecos para atender ao pedido das pessoas que tinham entrado no bar enquanto o Uchiha estava no banheiro.
Naruto riu e tomou um gole de seu chopp que deixou espuma em seu bigode. Sasuke o cutucou nas costelas o melhor que pode na distância entre os bancos.
- O que aconteceu com você? – perguntou o loiro, ainda com um sorriso no rosto. – Não que seja ruim, mas eu nunca te vi flertando tão descaradamente antes.
Sasuke tomou um gole de sua cerveja preta, refletindo. Geralmente não precisava de muito para conseguir uma transa, sua aparência ainda era responsável por fazer 90% do trabalho de seduzir parceiras e não descuidara do corpo mesmo enquanto estava cumprindo sua sentença. Na verdade, o trabalho manual ajudara a tonificar os músculos emaciados pelos dias – e algumas noites – no escritório e de pouco tempo para academia.
Mas de fato era a primeira vez que estava decidido a ser escolhido por uma pessoa também. Fazer com que ela o desejasse da mesmo forma que a estava desejando.
O que acontecera com ele?
Deu de ombros.
- Só gostei dela. – Sasuke fez a cerveja rodar na caneca.
Con el tiempo no podremos conservarlo todo
Sé que cambiaremos de algún modo
Cuando se terminen las primeras veces
Estava mais frio do que deveria pelo fato de se encontrar em uma cama, sob as cobertas, em um quarto com todas as quatro paredes em pé e as janelas fechadas, então Sasuke puxou a fonte de calor a seu lado para mais perto. Hinata foi, amolecida, deixando que o homem a encoxasse e colocando as solas de seus pés contra as canelas dele. Dava para sentir que estavam gelados mesmo através da camada de meias de flanela. Respirou os cabelos dela com cheiro de shampoo, algum perfume doce e cerveja, lembrando-se da noite anterior.
Sasuke ficou sentado no bar até que o movimento aumentou, depois até que Naruto foi embora, deixando-o com um aperto no ombro e um sorriso, até que o movimento caísse, até que Shikamaru aparecesse, o cumprimentasse com um nada educado levantar de sobrancelha, olhasse para Hinata e fosse embora, suspirando, até que todos os copos estivessem limpos, todas as cadeiras estivessem sobre as mesas, todo o chão tivesse sido varrido e esfregado. Ficou sentado até que Hinata se aproximou, colocou uma mão em sua coxa e se inclinou para beijá-lo pela primeira vez como se fosse algo que fizesse desde sempre na penumbra de um bar vazio de uma cidade sonolenta e esquecida do interior.
Ambos coraram de leve, mas não como a vermelhidão das primeira vezes.
- E agora?
- Agora, nada – ela deu de ombros. – Gostei de você como você gostou de mim e isso basta para ficarmos juntos.
Sasuke imaginara que deveria ter algo mais mágico quando duas pessoas que se gostavam ficavam juntas, especialmente pela primeira vez, mesmo que já não fosse mais a primeira vez de nenhum dos dois. Suspirou e sentiu-se aliviado de novo, abraçando a magia de que merecia que as coisas pudessem ser simples. Fácil, tão fácil, incrível, dolorosa e magnificamente fácil, e Sasuke saboreou a facilidade dos lábios dela.
Deixaram o bar na Vespa de Hinata que tinha apenas um capacete vintage – "tudo parte da aesthetic" – e subiram de novo a colina por uma estrada recentemente pavimentada e curiosamente familiar, emoldurada dos dois lados por floresta.
Pararam em frente ao casarão com o exterior em péssimo estado de conservação. Hinata deixou a motocicleta em uma cabana ao lado, única coisa que parecia nova em comparação, construída em madeira e pintada de branco com telhado e batentes em verde musgo fosco. A única luz acesa era a da varanda da frente.
Ela estava morando na antiga casa dos Uchiha.
- Você mora aqui?
- Sim, há anos. – Ela subiu as escadas da frente. Sasuke a seguiu, quase sem acreditar, mas sentindo nada de mais. Abandonara aquele lugar há muito mais tempo do que ela o estava habitando. – Entrei com processo de posse por usucapião.
- Hn. – A porta rangeu quando ela a abriu.
- O renovação do interior já está quase pronta, mas há limitações para o que consigo fazer sozinha, então está levando mais tempo do que tinha planejado.
- Você que está reformando?
- Sim, o que eu consigo. Muitas pessoas da vila me ajudam.
A casa por dentro parecia outra: o verniz fora todo lixado e camadas novas de tinta cobriam as paredes, o chão de madeira brilhava, havia móveis e decorações que Sasuke nunca tinha visto, assim como entradas e corredores. Ela refizera parte da estrutura interna, movendo pórticos e quartos. Num canto estavam os instrumentos típicos usados em reformas: tintas, pinceis, madeiras e montes de plástico.
Sasuke não tinha nenhum interesse em voltar àquele lugar específico em seu retorno a Konoha, muito menos em reforma-lo, mas ao ver o que Hinata fizera sozinha, sentiu-se bem, revigorado, contente.
Com passos largos, Sasuke alcançou Hinata, que tinha adentrado a casa acendendo luzes pelo caminho e agora estava na cozinha – completamente diferente, cheia de plantas, armários em madeira de cerejeira envernizada, metais pretos, decorada, aconchegante, mas elegante – e a prensou contra o batente – sem portas, conceito aberto.
Beijou-a, de novo, como se fizesse aquilo desde sempre.
- Quero você. – Sasuke não se lembrava da última vez que sentira uma vontade intensa como aquela, talvez a última vez fora a vontade que sentira em deixar aquele lugar.
Hinata sorriu de novo como se soubesse de algo que Sasuke desconhecia.
- Tudo bem.
E devolveu o beijo como se fizesse aquilo desde sempre.
Cuando las mariposas tímidas no vuelen
Cuando tú me das un beso, yo sé que habrá más que darnos
Porque el amor es más que química y las leyes de la física
Prometen que aquí vamos a quedarnos
Sasuke e Hinata iniciaram um romance – um relacionamento – de forma muito simples.
Sasuke sempre fora uma pessoa prática e Hinata conseguira se livrar de suas complicações quando se mudara para a vila de Konoha.
Eles não eram mais tão jovens, suas famílias eram desconhecidas entre si e pelo mundo, não havia fama nem casamentos arranjados, não havia relacionamentos do passado assombrando-os, nenhuma guerra, doença, transtornos – além dos comuns aos seres humanos – e, sendo adultos, relativamente equilibrados, conseguiam conversar sobre quaisquer outros empecilhos.
Hinata estar ocupando, reformando e tentando a posse de sua casa de infância não perturbava Sasuke de uma forma que tornaria sua história um dramalhão.
Sasuke contara a ela sobre o tombo ladeira abaixo que sua carreira e sua vida tinham tomado antes que Itachi o fizesse voltar para Konoha e Hinata contou a ele a inquietação intensa que sentia no lugar onde se encontrava e a necessidade de fugir e fugir, mais de si mesma do que de quaisquer outros, até finalmente se encontrar em Konoha.
Ambos tinham suas construções e desconstruções, suas reformas, suas mudanças, seus alicerces, suas pedras, alguns tijolos, muitos e muitos buracos, na mente e no coração. Como todos no mundo inteiro, eles dois eram e seriam, para sempre, constantes renovações.
Eram o clichê pouco usado na literatura de almas gêmeas que se encontram já do lado de lá do crescente dos anos. Suas vivências e experiências, inseguranças, tinham sido todas trabalhadas o suficiente para que atingissem um patamar de relativa monotonia em seus sentimentos.
Havia pouquíssimas primeiras vezes restando enquanto indivíduos, mas infinitas primeiras vezes ao escolherem ficar juntos.
- Achei que você trabalhasse como garçonete no Sombra.
Hinata construiu um escritório aberto, luminoso e aconchegante, nos fundos da casa, onde uma vez existira a sala de estar dos Uchiha com uma televisão enorme sempre ligada em algum canal de notícias que o Sasuke menino nunca podia mudar, então se contentava, quando estava ali, em sentar nos bancos estofados que beiravam as enormes janelas e encarar as árvores que circundavam a casa. Ficava imaginando todo tipo de criaturas vagando entre os troncos e arbustos, e quando o fazia sempre ia dormir com medo.
Ela estava sentada em uma bonita cadeira giratória em frente a uma grande mesa de trabalho com um monitor enorme, canetas coloridas e amostras de tecido espalhadas tanto pela mesa quando pelas poltronas de aparência confortável que compunham o ambiente. Era um lugar, assim como a cozinha, cheio de plantas, folhagens e trepadeiras, feito todo em madeira de cerejeira e tinta branca. Na divisão do ambiente, amarrado à viga central do teto, um balanço de corda, separando o escritório da agora sala de estar e biblioteca – antiga sala de jantar dos Uchiha.
- Hum? – Os olhos perolados se ergueram do enorme iPad apoiado nos joelhos dobrados contra o corpo. A caneta parou os movimentos e Hinata sorriu, finalmente captando o que ele disse. – Não, só ajudo Shikamaru-kun às vezes.
- Estilista? – Sasuke não olhava para ela, preferindo investigar as amostras de tecido.
- Ah, eu não diria isso... – Hinata corou e coçou a cabeça com a caneta eletrônica, incerta. – Eu desenho algumas peças e bolsas para marcas menores, de vez em quando algumas estampas...
Sasuke balançou a cabeça em concordância. Tudo o que sabia sobre estilo estava limitado a boas marcas de ternos e roupas esportivas para usar nos clubes que frequentava em sua vida passada.
Por tudo que ela fizera na casa e pela qualidade dos materiais presentes sobre a mesa e nos organizadores, ousava supor que não eram marcas tão pequenas quanto ela estava querendo fazer parecer – Sasuke não entendeu bem o motivo dela querer diminuir o próprio trabalho, fosse autodepreciação ou receio de revelar demais ao homem com quem estava dormindo há apenas duas semanas.
Ao se aproximar o suficiente dela, Sasuke estendeu-lhe a caneca de café que trouxera. Hinata baixou as pernas e deixou o aparelho que segurava sobre a mesa, aceitando a oferta da bebida fumegante. Era apenas a terceira ou quarta vez que Sasuke ficava responsável em passar o café, mas já aprendera a gostar mais do jeito como ele o fazia, forte e doce.
- Tem alguma coisa urgente? Precisa trabalhar nisso hoje?
Era uma quinta de manhã. Tinham voltado cedo do Sombra na noite anterior, porque o único motivo para os moradores de cidades pequenas frequentarem bares às quartas-feiras eram os campeonatos esportivos, mas os jogos terminavam até as 22h, o que queria dizer que os funcionários conseguiam ir para casa antes da meia-noite.
- Não, só semana que vem.
O homem se inclinou, apoiando seu corpo com as mãos nos braços da cadeira dela, emoldurando-a. O nariz dele foi parar na têmpora esquerda dela, inalando o shampoo e o calor da pele, antes de vocalizar em alto e bom som para que não houvesse dúvidas sobre seus interesses e intenções:
- Vamos comer alguma coisa, porque depois eu adoraria que você passasse o dia se revezando entre sentar na minha cara e no meu pau até não conseguir mais falar.
Hinata não se lembrava da última vez que ficara molhada tão rápido. Certamente estava acontecendo em abundância desde que conhecera o Uchiha.
Corou e sorriu. Antigamente teria corado e desmaiado.
Relanceou para a ereção bastante visível contra o tecido da calça de moletom cinza imaginando-o dentro de si. Sua intimidade se contraiu gostosamente, interessada. Deu-lhe um beijo casto na bochecha antes de empurrar-lhe pelos antebraços para que pudesse se por em pé.
- Então vamos logo, parece que teremos um dia cheio.
Y al final (ya se van)
Ya se van
Aunque las primeras veces se nos van
Itachi foi visitar Sasuke em Konoha três meses depois.
- Ele não... Mora aqui...
O mais velho dos Uchiha repetiu as palavras de Naruto lentamente como se tivessem sido ditas em uma língua estrangeira da qual tinha pouco domínio.
Enviara Sasuke a Konoha para ficar com Naruto e Gaara, porque sabia que isso faria bem a ele, já que Naruto era uma constante sólida para seu irmão mais novo. E como agora Sasuke se recusava a usar um celular, as notícias que recebia a partir do prefeito da vila era o único modo de Itachi se manter a par do que o outro fazia.
Mas o Uzumaki falhara em lhe contar que seu irmão não estava habitando o mesmo teto que ele há pelo menos dois meses.
- E onde mais ele poderia morar?
- Ahn... – Naruto coçou a bochecha com o indicador. Gaara, a seu lado, parecia muito divertido, apesar de a expressão não revelar nada do tipo.
- Ele está morando na sua casa, Itachi-san – respondeu o ruivo.
- Na minha casa?
Itachi notou que estava segurando a xícara de chá frouxamente enquanto processava as informações e apertou levemente os dedos contra a cerâmica.
Sasuke estava morando na casa Uchiha.
A que ficava no meio da floresta de exploração que era o antigo ramo da família.
A que já não era habitada há pelo menos quinze anos.
A que estava em processo de mudança de posse por usucapião.
A que seria entregue à nova dona, porque o processo fora favorável a ela.
A que já tinha uma pessoa morando lá, uma vez que essa pessoa ganhara o processo de posse por usucapião.
Itachi estava surpreso. Não surpreso como ficara ao receber a ligação de Sasuke da delegacia solicitando sua presença e serviços como advogado porque fora preso em uma operação policial anticorrupção corporativa acusado de sonegação e fraude. Ainda assim, bastante surpreso.
- Na casa... Na casa onde Hinata-san vive?
Gaara bebericou o chá de sua própria xícara sem entender exatamente por que o Uchiha mais velho estava tendo tanta dificuldade em compreender o que estavam lhe dizendo e por que Naruto parecia que queria se enfiar em um buraco: Sasuke estava morando com Hinata na casa da floresta. Qual era o problema?
- Huh – Itachi resmungou, levantando as sobrancelhas por um segundo e sorrindo levemente contra a borda da xícara. – É um tanto...
- Maluco? – ofereceu Naruto.
- Inesperado.
Itachi devolveu a xícara vazia para o pires em cima da mesinha de centro ao lado dos papeis do processo de cessão da casa à sua nova dona. Viera visitar Sasuke, primeiramente, e também entregar em mãos a nova escritura. A casa era uma herança, sim, mas o processo também fora simples e sólido: Hinata habitara a casa por mais de dez anos, Itachi não a queria, Sasuke muito menos e já havia vendido sua parte a Itachi anos antes quando tentara empreender, de forma que passa-la para a frente por um quantia simbólica foi muito simples.
As coisas que giravam em torno de Hyuuga Hinata pareciam ser todas muito simples e fáceis, de fato.
- Tem certeza que não quer que eu vá com você, Itachi-san? – Naruto ofereceu pela terceira vez.
- Não, está tudo bem, Naruto-kun – Itachi respondeu com um pequeno sorriso. O dia estava nublado e fresco, ideal para uma caminhada. – Gostaria de andar sozinho um pouco.
Naruto assentiu e ficou observando as costas de Itachi se afastarem da entrada de sua casa.
O caminho até o antigo casarão fora asfaltado e sinalizado, o que ajudava bastante os pedestres, e ainda era suficientemente familiar para Itachi. As árvores eram as mesmas, as marcações nas cercas, as plantações, até os pequenos altares para os espíritos da floresta. Apenas, é claro, mais velhos.
- Nii-san!
O chamado, familiar e estranho, fez-lhe interromper o passo.
Sasuke não o chamava assim há anos.
Quando se virou, quase não reconheceu seu irmão mais novo no homem que vinha a seu encontro montado em uma bicicleta velha. Fisicamente, não tinha nada diferente em Sasuke; não mudara o corte de cabelo, não ganhara nem perdera peso, não tinha deixado crescer uma barba, não tatuou a cara. Ele nem sequer mudou a expressão ao ver Itachi na estrada, apenas pedalou mais alguns metros, parou a bicicleta ao lado do irmão e desmontou com uma perna de cada lado do cano central. Não sorria por fora, mas seus olhos e todo o seu ser vibravam com alguma coisa que Itachi não conseguiu nomear.
- O que está fazendo aqui, nii-san?
- Vim ver como você está – respondeu o mais velho. – Entre outras coisas.
Sasuke desmontou da bicicleta. A cesta na frente estava cheia com sacolas de compras retornáveis. Atrás, amarrada a garupa, uma caixa de frutas e verduras.
- Voltando das compras?
- Hn.
Eles se puseram a andar terminando de subir a trilha. No topo da colina podiam ver os dois pilares que ladeavam a entrada, agora sem portão. Atravessaram em silêncio solene como se estivessem adentrando pela primeira vez uma alta corte em um mundo de fantasia.
- Estive com Naruto e Gaara mais cedo. Foi quando me disseram que você não estava morando com eles.
- Hn – Sasuke concordou. – Por isso você estava a caminho da casa.
- Isso, e porque preciso entregar a escritura e documento da cessão por usocapião para a nova dona.
- Hinata vai poder ficar com a casa?
- Hinata, é?
Ambos pararam de andar com a menção do nome da mulher. Sasuke encarava Itachi e Itachi o encarava de volta, ambos tentando ler os sentimentos por trás da máscara de indiferença que tentavam manter.
Desistindo, não porque sentia que tivesse perdido alguma coisa, mas porque não fazia sentido e nem havia motivo para esconder qualquer coisa de Itachi, o mais novo deu de ombros, assentiu e recomeçou a andar empurrando a bicicleta velha que rangeu antes de voltar a rodar.
Itachi sorriu e o seguiu.
- Estamos juntos – Sasuke explicou quando o irmão colocou-se ao seu lado de novo na trilha. – Hinata e eu.
- Acho que entendi essa parte, irmãozinho.
- Por que não me disse que a casa estava ocupada e sob o risco de ser perdida?
- Você já tinha vendido sua parte para mim e não queria ouvir falar em Konoha, não achei que se importaria.
- Tem razão – cedeu Sasuke e Itachi sorriu pequeno.
- O que você tem feito por aqui?
- O que tiver para fazer – Sasuke soava satisfeito, o que era melhor do que resignado. – Ajudo Hinata com a casa e Naruto com assuntos da cidade. O velho Sarutobi precisava de alguém para ajudar com o galinheiro, Ino precisava de ajuda com o sistema contábil da floricultura e tem muitos pais que precisam que alguém ajude os filhos deles com a lição de casa.
- Você, cuidando de crianças?
- Não são minhas crianças, o que torna mais fácil.
A casa se assomou diante deles, decrépita por fora, aesthetic de filme de bruxas para crianças. Itachi parou, mas Sasuke continuou andando, até que percebeu que os passos do mais velho emudeceram sobre as folhas mortas.
- Nostálgico? – perguntou Sasuke.
- Impossível não ser.
O mais novo dos Uchiha balançou a cabeça em concordância. Deixou Itachi ali por alguns minutos enquanto ia até a cabana ao lado da casa para guardar a bicicleta. Apoiou as alças das sacolas nos ombros e pegou a caixa com as duas mãos dirigindo-se para a entrada principal da casa.
- Nii-san?
Itachi tirou os olhos da casa para focar em seu irmão que quase não parecia seu irmão. Não. Parecia, sim. Parecia o menino cheio de imaginação que brincava de faz de conta com Naruto pelo bosque; parecia o jovem ambicioso que queria mais para sua vida; parecia o homem empreendedor que queria estar no topo do mundo. Parecia o irmão de quem se esquecera que podia existir.
- Sasuke-kun, você lembrou de comprar batatas para o curry?
A porta da frente se abriu e Hinata saiu por ela já falando com Sasuke. O homem não sorriu, mas sua postura relaxou. Entregou uma das sacolas para ela inspecionar sem qualquer comentário e Hinata sorriu luminoso quando avistou as batatas. Em seguida, Itachi.
- Quem é?
- Meu irmão.
- E você não vai convidá-lo para entrar?
- A casa é dele – Sasuke respondeu, mas era óbvio que a estava provocando. – Ou melhor, agora é sua.
- Hinata-san. – Itachi se adiantou alguns passos, cumprimentando-a com uma breve mesura, a qual Hinata respondeu do mesmo modo. – Vim para lhe entregar a nova escritura pessoalmente.
Hinata assentiu e sorriu, dando alguns passos para encontrar Itachi. Ele levantou a pasta fazendo menção de querer entregar-lhe os papeis imediatamente, mas a mulher o interrompeu.
- Fique para jantar – ela convidou.
- Já está ficando tarde...
- Justamente porque está ficando tarde, não adianta correr agora.
O sorriso de Hinata, seu jeito calmo e sincero, era refrescante. Itachi se sentiu revigorado e conseguiu compreender um pouco melhor o que era que estava diferente em Sasuke. Sabia e entendia que mulheres não tinham qualquer dever ou responsabilidade em serem "portos seguros" e "psicólogas" de homens, mas soube naquele momento como uma pessoa como Hinata podia fazer bem a alguém como Sasuke.
Itachi assentiu, sem precisar de mais encorajamento.
- Já comeu o curry que Sasuke-kun faz, Itachi-san?
- Não em muito tempo.
Sasuke já não estava mais esperando por eles na porta, tendo entrado para guardar as compras. Sendo inverno, a noite caia rápido, apesar de ainda faltar algum tempo para o horário do jantar.
- Fico feliz que tenha tido o trabalho de vir pessoalmente, Itachi-san. – Hinata se abaixou para pegar a sacola de compras com as batatas que deixara na varanda. – E que ainda esteja cuidando dele.
- Você também.
Hinata não respondeu, mas balançou a cabeça uma vez para indicar que tinha ouvido. Entrou na casa e foi direto para a cozinha, deixando o mais velho na entrada para observar as modificações que fizera na casa que uma vez fora o lar de infância dele. Sorriu, porque Sasuke fazia a mesma coisa, com o mesmo olhar nebuloso.
Itachi respirou fundo. Não tinha mais o cheiro opressor da casa de antigamente. Ouviu as vozes de Sasuke e Hinata abafadas na cozinha falando sobre o prato e os ingredientes, sobre guardar as compras, sobre alguma coisa que tinham para fazer no dia seguinte. Sasuke riu e o barulho de rolha sendo retirada de uma garrafa de vinho tirou o mais velho do transe em que se colocara.
Uchiha Itachi não morava ali – não há uns vinte e cinco anos –, tudo estava diferente, nada o remetia à infância exceto a arquitetura geral e os arredores, porque dentro não sobrara um único resquício de móvel ou papel de parede de antigamente. Entrou, observou, sentiu como se fosse a primeira vez.
Caminhou até a entrada da cozinha e uma sensação morna o atingiu quando viu Sasuke arregaçar as mangas do suéter para lavar as batatas e as cenouras e Hinata recebe-lo com uma taça de vinho tinto. Uchiha Itachi não morava ali e sentiu-se em casa.
Y el amor que perdura no es siempre igual
Porque un amor siempre igual nunca dura por siempre
O frio de meio de março já não sabia se fazia cair neve tardia ou chuva precoce, mas o vento tinha certeza de soprar o mais gelado que conseguia e as folhagens verdes não queriam ouvir falar em aparecer. Sasuke tinha conseguido limpar a chaminé da única sala da casa que tinha lareira, então era onde se encontravam, esparramados sobre o tapete entre cobertas e almofadas.
- Aqui. – Sasuke voltou da cozinha com o chocolate quente. Ele não gostava de coisas tão doces, então havia chá em sua própria xícara. – Está quente.
- Uhum, obrigada. – Hinata sentou com as pernas cruzadas o mais perto que conseguiu do fogo crepitante. Sasuke se colocou ao lado e um pouco para trás dela, uma coberta nas costas, outra no colo, uma almofada para apoiar o cotovelo e começou a soprar o chá como ela já estava fazendo com o chocolate.
Não fazia sequer meio ano.
- Eu amo você.
Sasuke parou com a xícara a meio caminho da boca. Hinata estava de costas para ele, sentada mais a frente na fajuta cama de cobertores que tinham criado há várias semanas e que sempre diziam que iam desfazer, mas aí acordavam meio travados das costas e decidiam que podiam deixar pra lavar aquelas cobertas quando a temperatura esquentasse mais um pouco – omitindo propositalmente da mente o fato de que tinham uma secadora.
- Eu amo você. – Veio a frase repetida, sem hesitação. Hinata estava fazendo questão que ele entendesse o que tinha ouvido. Ela se virou de leve, apenas o suficiente para que seus olhos se encontrassem. Estava corada e era difícil de perceber com o laranja do fogo, mas Sasuke sabia, via no brilho dos olhos marejados, no leve tremor das mãos que seguravam a caneca. – Isso talvez mude ou talvez acabe, não sei, mas aqui, hoje... Amo você, Sasuke.
Hinata secou os olhos com a barra da manga do moletom que vestia, virou-se de volta para olhar o fogo e bebericou mais do chocolate quente.
Não foi uma confissão, uma declaração, um desabafo.
Foi...
Inevitável.
Sasuke sabia.
Entendia.
Ele estava acometido pela mesma inevitabilidade.
Sasuke deixou a xícara de lado para se aproximar de Hinata e puxá-la para seu colo o mais delicadamente possível. A posição ficou desajeitada, mas era o suficiente para apaziguar a necessidade de contato produzida pelas palavras dela.
- Aqui e hoje, também amo você. – Sasuke sentiu Hinata estremecer de leve. – E espero que isso mude para que eu te ame amanhã... E daqui um ano... E ontem... E no próximo minuto... – Sasuke pontuou as pausas com beijos no ombro de Hinata, no pescoço, no maxilar, na orelha. – Isso basta para ficarmos juntos.
Hinata se virou para ele, já não tinha lágrimas nos olhos. Assentiu, beijou-lhe o nariz, ficou feliz em dar e receber aquele amor mutante, quer durasse para sempre, quer durasse apenas até o tempo abrir.
Amor na idade madura, amor descomplicado, estória indulgente e é isso.