N/A: Crepúsculo não me pertence.

Olá! Essa fic faz parte do Projeto One-Shot Oculta, um amigo oculto entre autoras do fandom de Crepúsculo. Confira as regras e todas as participantes na página bit (ponto) ly (barra) POSOffnet

Você também encontra o link diretamente no meu perfil, na aba de Favorite Authors. Essa fanfic é dedicada à minha amiga oculta Lou!

Lou, meu chuchuzinho, perdão por postar na madrugada, mas cada palavra foi pensada com todo o carinho do universo, espero que você goste!


Acordo com o som mais do que conhecido e odiado do despertador. Mais um dia que seria exatamente igual a todos os outros desde o começo do fim do mundo: levantar, lavar o rosto, tentar fazer ioga, tomar café da manhã, trabalhar, almoçar, trabalhar, ver alguma série boba, tomar banho, dormir. Tudo isso confinada no cada vez mais claustrofóbico apartamento na Republican Street.

Quando eu o aluguei não pensava que ele era tão pequeno, mas também não imaginava ter que passar mais de um ano sem poder sair de casa, ainda mais trabalhando com um portal focado em lifestyle e o meu setor específico: viagens.

A essa altura parecia já ter esgotado todas as possibilidades; dicas de livros para "viajar sem sair do lugar", locais que forneciam tours virtuais - e nessa manhã a enxaqueca motivada pelo estresse já dava sinais de que daria as caras. Só faltava essa, quando ainda tinha a planilha de gastos do setor para fechar.

Já estava na segunda caneca de café do dia quando ouço o som da notificação de mensagem pelo computador. Rolo os olhos ao ver que vinha de Alice, já prevendo que provavelmente seria mais um dos oitocentos vídeos engraçadinhos que ela achava no TikTok. Bingo. Deveria ter algum tipo de aposta online com os comportamentos dela, seria dinheiro fácil, eu penso enquanto abro a conversa.

Só que dessa vez o vídeo é acompanhado de muitas exclamações e um "sério, bellinha, para tudo o que está fazendo e vê isso aqui e me agradece depois por trazer a salvação do seu ano".

Finalmente abro o vídeo e me deparo com um homem com um tom de cabelo bem peculiar, puxado para o cobre, em frente a um casarão amarelo que me parece ligeiramente familiar. O vídeo não tem nenhuma das músicas mais populares do aplicativo, apenas o vento e a voz do narrador contando a história não só do casarão, mas do parque em que ele está inserido. Durante os breves dois minutos fico hipnotizada pela forma do ruivo contar toda a história do local, desde o seu início, assim como toda a região de Seattle, como terra indígena, a cidade-palco de luta pelos direitos da população afro-americana durante e pós-Segunda Guerra. Uau.

Quando a logo do aplicativo aparece marcando o final do vídeo meus dedos automaticamente levam para a tela de chamada, mas não antes de favoritar o post.

— Alice, eu realmente gostaria de entender como funciona o seu algoritmo pra ir de teorias da conspiração sobre a realeza britânica a bebês provando limão e agora esse guia turístico de Seattle

— Bella Bellinha - ela começa - eles sabem me entregar conteúdo que vai me fazer ficar com os olhos grudados na tela, seja de vergonha alheia, fofura ou tesão. Vai me dizer agora que você conseguiu reparar em alguma coisa além do quão gato o cara era? Não, nem me responde porque eu já sei a resposta "Ai, Alice, você me mandou já sabendo que eu ia me interessar pelo conteúdo, não precisa forçar meus pobres ovários além do meu cérebro"

— Na verdade eu ia perguntar: cadê o perfil desse cara? Fui abrir para investigar e está tudo no nome de um tal de Jasper.

Ouço o suspiro de Alice antes de ela responder

— Então, aparentemente o Jasper é primo do Edward, que é o guia gato, e nosso querido guia não tem ne-nhu-ma rede social. Sim, como sobrevive, do que se alimenta? Não sei nem se ele sabe de fato o quão famoso ele está ficando, mas isso não importa. Você tem que conseguir falar com ele, Bells! Seria um baita ar novo pra revista.

— Fica tranquila, Allie — falei já rindo com o tom de impaciência na voz dela — antes de tudo vou olhar os números deles, mesmo que não seja algo astronômico, tendo uma alta taxa de interação do público acho que já basta como argumento. E você sabe bem demais que qualquer coisa eu peço ajuda ao Demetri e ele encontra até a cor da cueca que esses caras usaram ontem — falei citando um dos caras do TI da empresa e que apoiava sempre que a gente precisava descobrir alguma coisa mais, digamos, pessoal.

— Por favor me lembre de sempre ser simpática com esse tal de Demétrio aí quando a gente conseguir se ver melhor, só de pensar nele com raiva lendo as nossas mensagens a minha pressão cai — nem ela aguentou a risada no final. O cérebro da Alice era definitivamente algo a ser estudado.

De toda forma, a ideia que ela deu era ótima. Nada melhor para aproximar novos públicos do que conversar com essas novas redes sociais. Mesmo que a pessoa em foco não tenha nem um twitter que fosse, mas o primo tinha e ele teria que bastar no momento.

Dando mais um gole no café, agora já morno, abri o perfil de Jasper Hale enquanto o programa de edição começava a rodar de fundo.

"Olá, Jasper! Tudo bom? Aqui é a Isabella Swan, do portal New Moon Feed. A gente poderia conversar um instantinho?"

Começo então a preparar o pitch para apresentar para a gestão. Deveria ser algo simples, que não exigisse muito do orçamento e que pudesse visualizar resultados rápidos.

O vídeo do cara ruivo continuava na minha mente.

Os cafés, museus e parques estavam reabrindo lentamente na cidade, e muitas pessoas ainda não se sentiam seguras ou não tinham dinheiro para fazerem passeios de longa distância, então por que não conhecer melhor o próprio lugar que morava?

Uma lista com um top 3 lugares imperdíveis de Seattle, mas que fugissem do completamente óbvio.

Comecei então a listar tudo que seria necessário para que o projeto rodasse.

Poderia tentar entrar em contato com o departamento de turismo da cidade, já seria uma forma de angariar recursos para o projeto, não que ele fosse sair muito caro.

E o mais importante, garantir que o homem do vídeo participasse. Ainda pensando nisso escuto o som suave de nova notificação do celular. Jasper havia não só respondido como mandado o número de telefone do primo, que eu salvei imediatamente e passei a elaborar um textinho apresentando a revista e a ideia e como ele poderia contribuir para o projeto.

No final das contas o texto foi realmente necessário. Obrigada eu do passado por sempre pensar em todos os cenários possíveis. Edward inicialmente estava bem relutante por conta de toda a exposição que poderia ganhar e por ter que criar um perfil próprio nas redes sociais, mas após eu esmiuçar os números que o primo dele estava fazendo na plataforma de vídeos, e que dependendo esse pequeno projeto poderia se desenvolver para requerir uma bolsa no mestrado, ele finalmente entendeu que o estrago já estava feito, agora era o momento de colher o que fosse possível de positivo com essa pequena fama.

Depois do aceite de Edward tudo começou a fluir. Enquanto a revista cobriria os gastos com alimentação nos locais que não consegui contrato de permuta, a prefeitura cobriria os gastos com transporte e também com o valor da consultoria prestada por Edward, já que fortaleceria o turismo e comércio local. E por fim, Edward criou contas que nessas primeiras semanas seriam privadas para ele aprender a mexer, mas que depois da produção de conteúdo o mundo poderia conhecer.


O primeiro passeio na verdade seria um grande combo de pontos turísticos pelo bairro de Ballard, que era um pouco distante da minha casa, mas qualquer motivo para mudança de ares era válido, ainda mais sem ter que precisar olhar pro mesmo quarteirão que eu costumava caminhar dando voltas e voltas quando ficava a beira de um surto.

Suspirei enquanto olhava os carros passando e chequei mais uma vez as informações da placa do carro do Edward, ignorando totalmente quando ele especificou o modelo. Como se eu fosse saber o que era um Volvo C30…

Finalmente um carro prata parou a poucos metros da entrada do prédio e pude ouvir o som das portas destravando antes de entrar e ser assaltada por um perfume intenso, mas sem ser forte demais.

— Bom dia, Isabella! — o homem ruivo na direção disse imediatamente me entregando uma caixinha de papel que até então não havia reparado na correria de entrar no carro.

— Hum, olá, Edward, realmente, Starbucks? — perguntei já sentindo a boca encher de água com a visão dos muffins e donuts, além dos copos já posicionados no compartimento certo do veículo. Tudo bem que o café era um marco de Seattle, mas nada incomum ou inusitado.

— Encare como uma despedida já que nas próximas semanas vamos evitá-lo como o vampiro evita o alho. – ele respondeu piscando. Bem, de perto ele não parecia ser tão tímido quanto no telefone.

— Oookay — tentei falar enquanto dava uma mordida em um dos muffins. Delícia — Nossa primeira parada será no Ballard Bell, certo?

— Isso mesmo, de lá eu pensei em só filmar um trechinho do Ballard Farmer's Market, já que ele é mais conhecido, mas para ilustrar a questão do toque diferente aos domingos.

— Opa opa — já falei o interrompendo — guarde essa explicação para quando estivermos gravando. Aliás, como você começou mesmo com essa coisa de guia turístico?

— Era uma grande brincadeira entre Jasper, a irmã dele, Rosalie, e eu. Eles sempre apontaram o quanto eu lembrava de fatos históricos aleatórios, e agora com o mestrado em gestão pública eu passei a me encantar mais e mais pelos detalhes de Seattle, ou região de Seattle, se contarmos para onde estamos indo agora. — ele suspirou se refreando quando notou meu olhar de quem sabia que ele soltaria dados que era melhor pro vídeo — Enfim, jamais esperava que duas milhões de pessoas fossem se interessar em me ver só falando, sem fazer dancinha nem nada, mas se bem que se eu dançasse teria era visualizações negativas — terminou rindo.

Durante o resto do caminho ele contou sobre os comentários que já tinha conseguido ler, muitos, para a vergonha dele, de pessoas querendo saber se ele daria um tour privado na cama dele, mas também de pessoas da cidade agradecendo pelas dicas, e outras de cidades vizinhas já se planejando para conhecer quando se sentissem seguras para viajar.

Graças ao pouco movimento conseguimos estacionar com facilidade, e já aproveitei para tirar uma foto para postar no instagram. Assim que cliquei em publicar, vi Edward se posicionando na frente do monumento, já encaixando o microfone lapela que a produção — no caso, eu — havia comprado para melhorar a qualidade de áudio dos vídeos.

— Pronto? — perguntei já abrindo o app da câmera e ligando o cronômetro no smartwatch. O vídeo com certeza sairia um pouco mais longo, mas a edição final deveria ficar em 2 minutos, ou 120 segundos, o tempo máximo que o TikTok permitia que tivesse.

Para ser sincera, as primeiras tentativas não ficaram boas. Na terceira tentativa eu já tinha gravado que Ballard era inicialmente uma cidade autônoma com presença forte escandinava e que até hoje carregava um certo ar de independência, com suas peculiaridades e símbolos, como o sino à nossa frente. Edward ainda estava um pouco tenso, com certeza acostumado a só filmar com os primos, e não como algo a trabalho, mas com o passar dos minutos entre goles de café e conversas triviais, ele foi se soltando.

— E assim, aos domingos às 10 horas da manhã e 3 horas da tarde, o sino toca por um minuto inteiro, anunciando os horários de abertura e fechamento da feira local. — e parecendo que tudo fora cronometrado, o sino começou a tocar.

Passamos brevemente pela feira, que, assim como Edward havia dito, tinha acabado de abrir, para fazermos pequenos takes para inserir ao longo da edição do vídeo, e acabei não resistindo e comprando um saquinho com trufas que o vendedor disse ser com chocolate orgânico, e tendo opções veganas, que eu peguei também para provar, e, caso me sentisse generosa, dar para Alice.

Estava já no segundo bombom, esse de chocolate com caramelo e sal marinho de maçã defumada. O nome era imenso, e o sabor também, não consegui disfarçar totalmente o leve gemido que soltei.

Ouço um pigarro do meu lado e lembro que Edward estava presenciando toda a minha experiência quase orgásmica com o chocolate.

— Podemos ir pro próximo lugar, Bella? E a menos que você queira ter um pico de açúcar, diminua a quantidade de trufas porque o restaurante de hoje tem como especialidade sorvete — ele falou com a voz um pouco rouca.

Minha mente só conseguia focar na palavra sorvete. Jesus, eu tinha certeza que ia sair dessas semanas tendo que tomar injeção de insulina, mas de forma alguma que eu ia negar comer tanta coisa boa.

A nossa próxima parada foi o Salty Dog Studio, e decidimos fazer o trajeto a pé, pois a sorveteria que iríamos no final era ao lado de onde estacionamos o carro. De acordo com Edward, era pouca coisa, algo em torno de 1 quilômetro de distância e realmente quando comecei a achar que estávamos perdidos me deparei com o que parecia entre uma casa muito antiga e um galpão.

— Se você não me apontasse eu diria que era mais um daqueles depósitos de acumuladores, olha essas cadeiras jogadas do lado de fora — eu disse já um pouco tensa, aquele lugar exalava sessão alergia.

— Vamos lá, é charme. Se tem famoso que gosta de sofá velho rasgado, isso aqui é um detalhe.

No final nós dois estávamos certos. Como o espaço havia sido feito pensado para artesãos, parecia que cada canto era preenchido com todos os tipos de materiais possíveis e imagináveis para fazer esculturas, pratos, quadros e o que mais desse na telha dos profissionais, o que dava um ar caótico — e poeirento — para o lugar. Eu tentava filmar algumas partes que achava que seriam mais interessantes, e Edward tinha um olhar excelente para detalhes que eu não conseguia pescar, como uma tela inacabada em um canto da sala.

A caminhada dentro do estúdio corria rápido, embalada pelo ritmo na voz do homem que agora já se sentia confortável até para brincar com a minha rinite. Pff.

— Agora chegamos na parte preferida de muitos: a exposição e a lojinha! — eu virei a câmera mirando uma coleção de pratos de cerâmica. Realmente foi minha parte favorita, ver os itens já acabados e prontos para decorar lares mundo afora me deu várias ideias, e acabei tirando algumas fotos para mandar para minha mãe.

— Sua mãe gosta de artesanato? — Edward perguntou, aproximando-se de mim.

— Ela ama, na verdade, já fez alguns cursos de escultura em argila, pintura — a saudade respingava no meu tom de voz. Já tinha alguns meses que eu não via meus pais.

— Tem muito tempo que você não a vê? — Parecia que ele lia meus pensamentos agora.

— Sim, desde o começo da pandemia, praticamente. Ela e meu pai moram relativamente perto, em Forks, mas comigo sem carro e meu pai tendo problemas cardíacos preferi ficar sozinha, — fiz uma pausa para estabilizar a respiração e continuei, agora com um sorriso no rosto — mas agora que estamos vacinados, planejo visitá-los mês que vem pro meu aniversário.

Edward riu também antes de responder

— Então vai ser um baita aniversário! Guarda um pedaço de bolo pra mim.

— Vou pensar no seu caso, se você se comportar direitinho essas semanas, quem sabe? — respondi provocativamente no que ele voltou a rir.

O caminho de volta para a sorveteria foi mais rápido, já me sentindo mais familiar com a região e dessa vez consegui encontrar a fachada do restaurante e playcenter logo de cara.

O interior não era grande, algumas poucas mesas estavam espalhadas pelo salão, e isso porque todo o resto era tomado por cores vibrantes, uma vitrine enorme mostrando o cardápio de sorvetes do dia e uma coleção de fliperamas trazendo toda a sensação dos anos 1980 de volta. Paraíso. Minha animação era tanta que praticamente apressei Edward a gravar tudo que tinha pra gravar para que, finalmente, pudesse provar alguns daqueles sabores que eram um mix de infância com completo desconhecimento.

Acabei por escolher os mais diferentes: blue moon, que ninguém até hoje sabe a receita exata, só que é uma mistura de doce com azedinho e felicidade; mexican chocolate que era um chocolate com pimenta que aquecia o corpo ao mesmo tempo que refrescava; e por fim, o nana nilla wafer que levava banana e um biscoito de baunilha simplesmente divino.

Já Edward decidiu entrar no modo 10 anos de idade com os dois pés, pedindo o sabor bolo de aniversário, que vinha com confeitos e tudo, e o de ube, uma planta filipina que deixava o sorvete roxo naturalmente.

Quando os nossos copos chegaram tão arrumados não resisti a vontade de registrar e entregando o celular para Edward, pedi:

— Faz um boomerang meu com os sorvetes?

Vi o semblante do homem à minha frente se frisar como se não tivesse entendido o que eu havia acabado de falar.

— Edward? Boomerang, aquela fotinha animada de alguns segundos — as bochechas dele começaram a ficar vermelhas e antes que eu pudesse explicar mais ele me interrompeu.

— Jasper só me mostrou o TikTok porque achou que não seria necessário no momento abrir mais nada.

— Pois bem, Jasper estava errado. Agora vem aqui pro lado que eu te mostro como que faz, a gente testa, se não der certo eu tiro a foto só dos sorvetes sem mim, pode ser?

Foi engraçado ouvir os resmungos e as caretas que ele fazia enquanto eu mostrava a várias funcionalidades dentro do aplicativo, parecendo um autêntico vovô tendo contato com alta tecnologia.

Já deixando o filtro escolhido e a forma de foto já selecionada pra boomerang, deixei Edward tomar conta da direção. Espertamente ele fez contagem regressiva para que eu soubesse quando poderia me movimentar. O começo me pegou piscando, mas acabei por salvar porque era uma recordação que eu gostaria de manter daquele dia que estava tão bom.

Após isso pudemos focar em devorar nossos copinhos de sorvete, que acabaram rápido demais e logo estávamos no carro voltando para casa, o caminho preenchido por conversa leve sobre os últimos acontecimentos no mundo, os planos para as próximas semanas e a rádio tocando baixinho de fundo.

Quando já estava a um quarteirão de casa perguntei com a curiosidade falando mais alto:

— Você mora aqui perto, Edward?

Ele pareceu um pouco desconcertado com a pergunta, mas respondeu

— Mais ou menos, eu moro em Lower Queen Anne com o Jas, para ficar mais perto dos nossos pais, mas garantindo que é perto do centro e sem pagar um rim por isso.

Quando ia perguntar sobre a família o carro parou. Estava em casa.

— Bem, até a próxima semana então — falei sem saber se dava um abraço de despedida.

Sentindo a minha hesitação, Edward se antecipou e me deu um abraço desengonçado de lado.

— Pode deixar que a gente vai conversando durante a semana, o aplicativo de mensagens eu sei usar — ele disse piscando, o que me fez rir. Boomer.

— Então até daqui a pouco, Edward! Se cuida!

Assim que cheguei em casa fui correndo tomar banho, a sensação de estar suja de rua me acompanhando até o momento que liguei o chuveiro.

Quando já estava checando os e-mails do dia e conectando o celular no computador, penso em ligar para Alice para contar sobre o dia e vejo que ela já estava me ligando. Timing perfeito.

— Fala, vidente. Qual é a boa do dia? — Já digo rindo.

— Quem tem que me dizer é você! Como foram os passeios? Como é o Edward? Ele é mais bonito pessoalmente? Ele é alto? Ele te tratou bem? — A voz de Alice ficava mais alta e mais ofegante a cada pergunta que ela disparava.

— Calma, Allie, uma pergunta de cada vez — ouvi ela respirando fundo pelo telefone — mas vamos lá: os lugares foram incríveis, me sentia numa mistura de excursão escolar com date, acho que os vídeos ficaram muito bons e mal consigo esperar pela próxima semana — fiz uma pausa — se bem que o Edward disse que eu não preciso esperar pela próxima semana para falar com ele — falei o final em tom de confissão.

— AI. MEU. DEUS. Ele está tão na sua! — Definitivamente Alice estava gritando — Mas que bom saber que foi bom, o que vocês fizeram?

Passei a resumir, ou nem tão resumido assim, o dia enquanto arrumava a casa, tentando aproveitar o tempo de ligação para agilizar as tarefas domésticas que não exigiam minha atenção total, assim conseguia focar em minha amiga esmiuçando cada frase trocada entre eu e Edward. Assim que a chamada acabou, sentei novamente na escrivaninha a tempo de chegar mais um e-mail. E vamos de trabalho.


Os dias passaram rápido, alternando entre ajustes em outros projetos, reuniões, visitas de Alice — que ainda conseguiu comer algumas das trufas que eu havia comprado na feira — e mensagens com Edward. Essa última parte já estava se tornando um dos meus momentos favoritos do dia porque pude conhecer cada vez mais sobre o homem por detrás do vídeo. O que era apaixonado pela família e, depois que a mãe sofreu um infarto, passou a morar a um bairro de distância. O que passava sufoco aprendendo a mexer nas redes sociais, o que sempre rendia piadas da minha parte. O que queria mudar o mundo, começando pela própria cidade — que ele clamava sempre com muito orgulho por ter nascido e crescido em Seattle. O que gostava de livros de ficção científica, assistir séries e ir ao cinema sozinho para que nem Jasper nem Emmett, marido de Rosalie, criticassem sua escolha de um chileno legendado ao invés do último lançamento de ação.

Parecia que nós já éramos amigos de longa data.

Quando vi já era domingo de novo e o agora quase-familiar volvo prata parava na minha porta.

Dessa vez com um abraço mais coordenado, cumprimentei o homem que estava no volante.

— Oi! É estranho eu dizer que acho estranho te perguntar como foi a semana porque na verdade eu sei como foi sua semana? — eu disse completamente bagunçada mentalmente após o assalto do cheiro dele concentrado no carro depois de sete dias longe.

Ele riu enquanto dava partida no carro.

— Na verdade faz total sentido. Agora, se prepare que nosso primeiro ponto de parada será animal.


— Sério, Edward, peixe? — Eu falei torcendo o nariz. Tudo bem, Seattle é uma cidade portuária, tem sua relação com o salmão, mas visitar um museu de peixes parecia demais.

— Só confia, Bella! Você consegue fazer isso? — ele então me olhou intensamente com aqueles malditos olhos verdes. Droga, isso era totalmente injusto. — Além do mais, a proposta é pontos turísticos inusitados, não é?

O Museu Burke de Ictiologia na verdade fica dentro do — só — Museu Burke, que já é impressionante por si mesmo. A sessão focada nos peixinhos, ou peixões, tinha mais de 1 milhão de espécies. Essa quantidade tinha um preço, que era a parte estética. Uma sessão que destaca algumas espécies da região era bonita, ou melhor, instagramável, mas toda uma outra parte eram estantes e estantes de peixes dentro de potes que pareciam de palmito em conserva. Só de imaginar o cheiro meu estômago embrulhou de leve.

— Por favor, não vamos demorar aqui senão não vou ter estômago pro restaurante daqui a pouco.

Tranquilovski, pega a câmera aí que a gente agiliza e vamos pro próximo que eu tenho certeza que você vai amar — ele pareceu refletir sobre algo antes de voltar a falar — vamos começar.

Graças ao bom deus ele me escutou e o vídeo foi gravado de uma vez só, ele só aprofundando sobre os principais lugares de onde esses peixes vinham, e sobre as pesquisas que o museu realizava e percebi que algumas crianças que passavam por lá também o encaravam, admiradas. Vai com calma aí, útero. E pra piorar meu cérebro concordava, um cara feliz por estar cercado de crianças tinha um certo poder. Todavia, meu estômago falou mais alto do que todos e percebendo meu rosto acinzentado, Edward me pegou pela mão e andamos até a saída rapidamente, antes que o pior acontecesse.

— Acho melhor então a gente deixar o restaurante por último até sua barriga se acalmar — ele disse passando a mão levemente pela minha testa, afastando o cabelo que estava grudado com um fino suor.

— Concordo plenamente — praticamente sussurrei enquanto ele parecia buscar algo no porta-luvas.

Ao ver o que parecia ser uma caixinha fiquei vermelha, parecia demais aquelas caixas econômicas de preservativos. Sentindo meu olhar, Edward tentou descobrir o que exatamente eu encarava com uma expressão tão envergonhada e, ao perceber, enrubesceu também.

— Não é isso não! É com máscara descartável, olha! — ele pegou a caixa e trouxe até o meu colo — eu compro essas que vem com 50 unidades no aliexpress e deixo já no porta-luvas para facilitar o entra e sai do carro — terminou falando rapidamente.

Comecei a rir de nervoso pela situação.

— Desculpa, a curiosidade falou mais alto, a alma de maria fifi não me larga — respirei fundo, o que ajudou a controlar a risada e o estômago — agora o que você estava procurando mesmo?

— Ah, era garrafa d'água. Não está gelada, mas já é alguma coisa.

Aceitei de bom grado e fiquei brincando com a tampinha enquanto terminava de beber.

Assim que terminei com a garrafa, Edward, ao invés de ligar o carro, destrancou as portas.

— Agora que eu arruinei tudo, o que a gente faz? — perguntei chateada comigo mesma. Eu realmente detestava peixe.

— Fica tranquila que está tudo no horário, na verdade será ainda melhor que a caminhada até o próximo lugar vai te revigorar. Já consegue ficar em pé de boas?

Sinceramente com ele tão próximo de mim era um pouco mais difícil para o meu equilíbrio, mas dando mais uma respiração profunda acionei a alavanca que abria a porta do carona e saí do carro.

Fizemos o breve trajeto em um silêncio confortável, enquanto eu ainda observava se estava de fato melhor, a brisa morna do começo do verão ajudando a me acalmar. Eu ainda não conseguia compreender como depois de praticamente um ano enclausurada contando somente com ligações com família e alguns amigos — no caso 90% das vezes, Alice — eu me sentia tão confortável em estar do lado de outra pessoa. Deve ser a carentena, mas se bem que eu não estaria confortável, e sim só com tesão. Como é difícil a vida da mulher solteira. Suspirei, o que fez com que Edward me encarasse.

— Está tudo bem, só estou pensando na vida.

— Então está no clima certo para a nossa próxima parada — a última palavra combinando com a nossa entrada na University of Washington.

A nossa "parada", como Edward chamou, era uma instalação enorme em uma das galerias de arte da universidade. Pelo menos de fora passava uma impressão de uma grande lâmpada, ou um desses abajures dos anos 1960, mas não de uma forma estranha, mas sim aconchegante com um tom alaranjado.

Pegando na mão do meu parceiro de projeto, acelerei o passo para entrar logo naquela quase nave espacial, me convencendo que o coração acelerado era pela animação com o passeio.

— Foca no pôr-do-sol, olha essa vista, Seattle tem isso.

Ri de leve com a tentativa dele de me tranquilizar, ainda que o coração batesse rápido com o calor que ele transmitia ao meu lado. O que está acontecendo? Só conseguia gritar internamente. Depois de tanto tempo vendo os dias passarem pela janela do quarto, era estranho estar em um espaço que também era fechado, mas que transmitia tanta paz que era como estar no céu, que no momento tinha tons entre o rosa e o laranja com o final de mais uma tarde.

— Oi, galera, esse é pra quem curte um ASMR — Edward começou a falar sussurrando, o que fez com que os pêlos do meu braço se arrepiarem — estamos dentro de um espaço da UWashington que é perfeito para quem procura uma pausa no meio da correria seja do dia a dia, seja dos planejamentos intensos de turistas — a voz soando risonha nesse final — o que quer que seja, esse espaço é o lugar para somente sentir, ou pelo menos a proposta do artista que criou essa instalação, James Turrell, é: tudo que nós precisamos às vezes é sentar com nosso próprio pedaço de céu.

O artista estava certíssimo, ele só não contava que o céu teria um Edward para competir a minha atenção.

Ficamos por lá por mais alguns minutos, absorvendo a paz que o ambiente transmitia. Fiquei imaginando uma sessão de meditação ali. Eles devem fazer algo do tipo, o espaço praticamente implora por umas atividades dessas, pensei, e fiz uma nota mental para olhar a programação quando chegasse em casa.

Quando passamos pelo portão de saída da universidade já estava praticamente escurecendo, e senti Edward ficar mais próximo de mim em uma posição protetiva. Dessa vez o silêncio foi mais tenso, mas em menos de dez minutos já estávamos de volta ao Museu Burke, onde ficava o restaurante que iríamos jantar, o Off the Rez. Ele era um dos que eu havia conseguido fechar a permuta, então assim que demos nossos nomes na entrada já nos apontaram a mesa separada.

O local tinha pé direito alto, o que dava uma sensação maior de amplitude para o ambiente, e a decoração era minimalista, se utilizando bastante de madeiras mais leves e um leve toque industrial, resgatando um pouco da vibe de cafeteria de Seattle.

Por estar dirigindo, Edward pediu um refrigerante e em solidariedade decidi pedir um também, que foi prontamente trazido pela garçonete. Como tanto eu quanto Edward já havíamos olhado o menu em casa, conseguimos pedir sem muita hesitação, tendo uma pausa para filmar também o menu, algo que o público sempre pede nas avaliações de restaurantes.

— Então… — Edward começou a dizer.

— Então… — dei força para ele continuar. Ele pareceu mudar de pergunta no meio do pensamento.

— Como você decidiu que queria trabalhar nessa área como jornalista de lifestyle? Ou sempre quis ser jornalista pra qualquer área que fosse?

Não era a primeira vez que me perguntavam isso, mas não esperava que fosse essa a questão que ele queria de fato trazer, mas respondi de qualquer forma.

— Eu sempre gostei de escrever e de viajar. O sonho inicialmente era ser uma dessas correspondentes internacionais que aparecem no alto de um telhado italiano para contar alguma dessas fofocas diplomáticas. Eu ainda não desisti totalmente, mas vejo que é um caminho muito mais longo a ser trilhado do que a Bella de quinze anos achava que seria. Então a área de lifestyle conciliou bem as necessidades para mim, pelo menos por agora. Querendo ou não eu tenho um emprego fixo, que garante que eu faça alguns cursos de especialização, e me divirto no caminho. E você, como que escolheu política pública mesmo? É um curso bem específico.

— Depois que minha mãe teve um infarto e eu olhei a conta do hospital. Mesmo meu pai sendo médico e nossa família nunca ter passado por problemas financeiros, eu me assustei com o valor. Como que saúde pode ser algo tão caro? Então comecei a puxar algumas cadeiras ainda na faculdade que pudessem me ajudar com essa dúvida. Aí descobri que é tanta, mas tanta coisa por trás, que só mexendo com o Estado com E maiúsculo que isso pode mudar. Saúde deveria ser de acesso universal, e não só para quem tem cinquenta mil dólares para desembolsar em caso de uma emergência.

E envolve tanta coisa, desde esses casos grandes até o simples fato da gente ter tomado a vacina gratuitamente. Isso é política pública. E é isso que eu quero estudar e ajudar a melhorar — os olhos dele brilhavam quando terminou de falar.

— Uau. Então o Tiktok vai ser só um hobby? Porque com o tanto de views que você pega dá pra praticamente viver daquilo sabendo explorar.

— O tiktok vai ser mais que um hobby, será uma forma de atingir e conscientizar um público enorme através de coisas simples, como esses pratos — com essa deixa a garçonete chegou com os pratos principais, que Edward utilizou para filmar e explicar o tipo de comida servida no restaurante. Tradicional nativo-americana. O objetivo do Off the Rez era realmente trazer a comida da reserva indígena para o mundo, e eles faziam isso lindamente.

Assim que Edward terminou de falar eu ataquei o prato na minha frente, a fome mostrando suas garras completamente. O meu era os tradicionais tacos com carne de bisão desfiada com queijo, alface e cebola vermelha em conserva, além de um creminho que eu não sabia descrever além de delícia.

O resto do jantar passou tranquilamente, com Edward contando alguns dos causos do mestrado e eu contando principalmente as fofocas do trabalho, além de histórias com Alice, no que Edward confessou que a essa altura já tinha o número de Jasper e eles passavam o dia trocando vídeos do tiktok, e com isso rimos durante um bom tempo.

A volta foi preenchida com conversa e risadas, assim como a semana no geral, até o fatídico sonho.

Quinta-feira à noite e achava que seria mais uma noite normal, fiz minha rotina de cuidados com a pele como de costume e me deitei. E foi aí que surgiu o problema.

No sonho Edward aparecia na janela do meu apartamento com uma camisa com os primeiros botões abertos e parecia que só era nisso que meu olhar conseguia focar. Eu o permitia entrar e com ele entrava um vento gelado, me fazendo perceber a minha própria nudez. A partir disso ele, que sempre falava tanto, estava completamente mudo. E eu tinha muitas ideias de como utilizar aquela boca.


Depois do sonho decidi que deveria queimar aquele tanto de energia acumulada de alguma forma, e nada melhor do que fazer uma bela faxina. Enquanto na caixinha de música tocava as melhores do emo-rock eu terminava de dar a última passada de pano no chão, que se encontrava escorregadio de tão polido. No que eu cantava Misery Business com todo o meu fôlego ouvi o barulho do telefone tremendo. Só havia deixado a notificação habilitada para pouquíssimas pessoas, então corri para olhar de quem era a mensagem.

Edward.

"Boa tarde, Bella! Tudo bem? O Cafe Racer reabriu, o que tem o museu de arte ruim, e a nova localização é pertinho do seu apartamento, topa um café comigo mais tarde?"

Eu já havia ouvido falar sobre essa cafeteria, mas ela não estava inclusa no nosso itinerário. Estaria Edward me chamando para um encontro?

"Hmm, ela não estava prevista no nosso cronograma, eles por um acaso entraram em contato com você?"

Dois minutos se passaram até que ele respondesse

"Não, só queria sair, sem pressão de trabalho e queria ver você"

Minha primeira reação foi tirar print e encaminhar para Alice que só respondeu com um "PELO AMOR DE TODAS AS DEUSAS SAI LOGO COM O BOFE" tudo exatamente em maiúscula no que quase me deixou surda mentalmente.

"Pode ser daqui a meia hora então? Vou só jogar água no corpo por conta da faxina e pronto."

"Meia hora então, até já"

Saí correndo pro banheiro, quase rendendo um tombo por conta do piso limpo, e entrei direto no chuveiro. No último momento decidi checar se seria necessário bater a gilette no box. Por via das dúvidas…

Já com o fiel vestido azul marinho que ficava bonito no corpo e um salto não tão alto porque eu me conhecia bem demais para arriscar minha saúde dessa forma, não precisei esperar nem um minuto para que o agora completamente familiar carro prata parasse na minha frente.

— Boa tarde, quase noite, Edward! — Falei já dando um beijo na bochecha, fazendo com que ele ficasse levemente vermelho e pigarreasse antes de me dar boa noite também.

Chegando ao restaurante vi que havia feito a escolha certa de roupa para o ambiente, que tinha um ar despojado, mas sem ser simples, cada detalhe claramente pensado e com vários artigos vintages.

No segundo piso ficava o OBAMA, ou "Museu de Artes Oficial de Artes Feias" que agregava pinturas tão ridículas que eu sentia minha barriga doer de tanto rir. Tinha uma parede inteira dedicada a versões de Jesus que faria a senhorinha restauradora se sentir orgulhosa do trabalho que fez.

No tempo das mensagens Edward havia conseguido as reservas para nós dois, então pudemos ficar em uma mesa no próprio segundo andar. A comida era bem clássica de cafés da região, o que realmente se destacava era a decoração e a música ambiente com artistas locais, no que a garçonete contou ao trazer as bebidas que era na verdade a rádio que o próprio restaurante fundou.

— Então… — eu comecei

— Então… — ele me estimulou a continuar.

— Já estava com saudades? Confesso que fiquei surpresa com a ligação — decidi soltar a verdade logo. Nós ainda tínhamos um final de semana para gravar, e não queria nenhuma tensão pairando — não que tenha sido uma ideia ruim, de forma alguma — completei antes que ele achasse que eu estava declinando dele.

— Pra ser bem sincero, sim. É diferente estar com você do que com os meus primos ou com os meus pais, o tempo passa diferente, sabe? E rolando o feed do instagram — ele riu quando ergui as sobrancelhas em surpresa. Edward e instagram. O que estava acontecendo? — achei um post daqui anunciando a reabertura e achei que tinha tudo a ver com nós dois, quer dizer, com o que estamos fazendo — ele se corrigiu rapidamente o que me fez abrir um sorriso — e decidi chamar.

Passamos a conversar sobre as nossas famílias, eu contando um pouco mais sobre Renée e Charlie, e ele sobre Esme e Carlisle, assim como foi a criação tão próxima dos primos, e eu sobre Alice sendo minha amiga desde a primeira infância. Eu entendia totalmente o que ele quis dizer antes. Quando estávamos juntos o tempo, a conversa, o ar, pareciam diferentes.

Quando a noite já parecia chegar ao fim e o carro parou novamente na frente do meu prédio decidi tomar um pouco de coragem, e acho que Edward teve o mesmo pensamento, saindo do carro junto comigo e, no que eu me virei surpresa, ele se aproximou ainda mais, mas ainda esperando que eu desse o próximo passo. Sempre um cavalheiro. Foi a última coisa que eu pensei antes de selar meus lábios nos dele.

O beijo começou lento, tímido, com cada um tentando conhecer o outro, mas com o passar do tempo a intensidade guardada e que já era nutrida nessas últimas semanas dando o tom de sofreguidão.

Com um último selinho, Edward se afastou ligeiramente, completamente ofegante.

— Acho que isso vale como um beijo de boa noite?

— Se você acha que esse foi meu beijo de boa noite você ainda não viu nada — e com isso voltei a beijá-lo, até sentir que estava sendo observada pelos vizinhos e entrar a contragosto no prédio. Domingo nunca pareceu tão longe.


— Existe uma grande diferença entre bravura e insanidade — eu disse tentando respirar mais profundamente. Nem que as vacas voassem e os anjos dissessem amém que eu olharia para baixo.

— Pode me dar sua mão, Bella, só vou soltar quando a gente descer, tá bom? — ele disse já com a mão direita tocando a minha suavemente .

Edward teve a ideia brilhante da gente gravar uma parte do vídeo de cima do gigante de Fremont, a primeira atração do dia. Ele só não contava que o topo era a alguns muitos metros do chão, e não tinha nada que desse uma maior segurança. Eu me recusava a morrer de uma forma tão ridícula e antes de sentar nesse macho. Respirei fundo mais uma vez. Me abaixando devagar, consegui sentar e utilizei ambas as mãos para me firmar em um dos ombros de cimento do gigante.

O Fremont Troll não era exatamente desconhecido, mas como entrava na categoria pontos turísticos inusitados, decidimos manter no cronograma. Ele ficava embaixo de um viaduto, e foi criado como uma proposta de revitalização da região, e sempre havia um fluxo de pessoas tirando foto das mais diferentes formas com o monstrengo, o que dificultava ter o silêncio necessário para gravar, isso sem contar com os carros passando em cima do viaduto.

Depois do que parecia ser a décima tentativa, sugeri de só gravar o vídeo e depois encaixar o áudio narrando, perdia um pouco a naturalidade, mas garantia que as pessoas iriam escutar alguma coisa direito, o que Edward acabou aceitando.

O museu de galinhas de borracha foi uma diversão total, e já conseguia ver aquele lugar lotado com pessoas vindo simplesmente ver galinhas que gritam de diversas cores e tamanhos, incluindo a maior e a menor do mundo, além de gerar fotos bem bonitas e ter uma história bacaninha por trás. Perfeito.

Já sentia um sabor agridoce na ponta da língua quando chegamos no Cafe Turko. Aquele era oficialmente o nosso último ponto turístico a ser visitado, e a sensação de encerramento dava um aperto no peito.

Tirei algumas fotos de Edward em frente ao pedaço do Muro de Berlin, artigo que fazia o Cafe ser peculiar, antes de começar a gravar. Afinal, como um pedaço de parede da Alemanha tinha ido parar na Costa Oeste dos Estados Unidos em uma cafeteria turca?

Pelo que Edward explicou nos breves segundos de vídeo, o local antes era um museu que, ao fechar, decidiu deixar de presente um dos seus artefatos, que no caso era o pedaço da parede que dividia as duas Alemanhas.

Eu sabia que o café deveria estar delicioso, mas não conseguia registrar bem os sabores devido a tensão. Nós havíamos conversado o resto da semana naturalmente, e Edward chegara a me dar um beijo quando entrei no carro no começo da tarde, mas e se achasse que seria melhor voltarmos para a amizade por questões profissionais?

— Eu não sei o que se passa nessa sua cabeça, mas deve ser algo sério para você não estar comendo — ele disse ainda rindo, mas com uma leve pontada de preocupação.

— É a última parada do projeto, e estou pensando se você quer que seja também a nossa última parada — olhei fixamente nos olhos dele, tentando enxergar a confirmação que eu precisava.

Colocando as duas mãos no meu rosto ele respondeu:

— Pois saiba que de agora em diante todos os meus dias, incluindo os domingos, serão seus — e com essa ele me deu mais um beijo, reafirmando que faríamos dar certo.


Estranhei quando em pleno domingo Edward sugeriu que fôssemos ao parque que tinha próximo ao meu apartamento. Com a semana sempre cheia entre trabalho e estudo, o final de semana era geralmente preenchido com passeios da sala pro quarto, do quarto pra cozinha, e assim por diante.

Há quatro semanas que havíamos publicado o artigo junto com os vídeos na plataforma e foi um grande sucesso. A quantidade de acessos aumentou em mais de 400% e conseguimos captar um novo público que era tão exigido pela gestão. Com a visibilidade, Edward conseguiu uma bolsa como premiação pelos esforços em prol da cidade, e o perfil recém aberto já contava com cinquenta mil seguidores, no que ele aprendeu rapidamente a criar um secundário fechado só para amigos e familiares.

E há três semanas que ele passava os finais de semana na minha casa.

Ao chegar no parque avistei logo Edward sentado em uma toalha de piquenique, com uma cesta do lado e o celular na mão.

— Vê a mensagem que eu te mandei — ele pediu assim que eu me aproximei.

Havia um vídeo de dois minutos. Apertei o play e, assim como nas gravações que Edward fazia, não havia nenhuma música de fundo, apenas ele e um parque que rapidamente reconheci como aquele em que nós estávamos.

No primeiro minuto ele contou a história do lugar, e fiquei me perguntando o porquê dele fazer todo aquele mistério para ser só mais um vídeo novo até que meu coração quase perdeu as batidas.

"(...) e é nesse parque também que Isabella Marie Swan aceitou namorar comigo. Realmente um lugar histórico, não? Até a próxima pessoal!"

Olhei para ele no mesmo momento que tinha um semblante de puro nervosismo.

— E aí? — ele ainda conseguiu pronunciar com a voz falhando levemente.

— E aí que realmente esse parque é um lugar histórico, namorado — eu respondi com o que ele aproveitou para me dar um beijo tão intenso que mal conseguia processar que estávamos em um espaço público.

Caminhando de mãos dadas, decidimos fazer dessa vez o piquenique em casa.

FIM