Nota: Decidi traduzir os meus fics de Arcane porque sim.
Inspirado pela arte de NamelyJamieArt's no twitter (é difícil pôr links no ffnet, mas é twitter DOT com / NamelyJamieArt / status / 1491499072406138884 ) e pelo fic "Proof of Trust" de isindismay (embora o wholesomeness dos outros fics também seja inspirador. Não me lembro como se diz wholesomeness em português). Muito obrigado pela ajuda. Créditos pelo título e pela última frase deste fic vão para isindismay.
Disclaimer: I wish I owned just a fraction of the genius storytelling of Arcane. Wish it could rub off by just admiring. Unfortunately, I do not and it does not.
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Silco acordou com alguma coisa a partir-se algures por perto. Na sua desorientação provocada pelo sono, questionou-se por um momento se o som teria ou não vindo do mundo real ou dos seus sonhos conturbados, mas um instinto respondeu-lhe a essa questão. Esse mesmo instinto mediu o silêncio que se seguiu e considerou-o mais preocupante do que o barulho.
Silco quase tropeçou em si próprio quando se levantou a correr da cadeira em direcção ao quarto de Jinx, mas ao chegar lá e encontrar a menina levantada e em segurança, de pé no meio do quarto, o corpo rapidamente relaxou e com isso vieram todos os efeitos retardados de ter despertado tão depressa, todo o peso do sono e músculos tensos, e por último mas certamente não menos importante, o ligeiro embaraço por se ter assustado de tal forma com algo tão simples como um ruído na noite.
- Jinx - um bocejo escapou sem autorização enquanto Silco massajava o rosto, tentando afastar o sono apesar das picadelas que sentia nos olhos. - Está tudo bem?
- Oh, desculpa. Não te queria acordar.
Quase mentiu e disse que ela não o tinha feito. - Porque é que não estás a dormir? É tarde.
- Sim, vou já, podes voltar para a cama.
Ela não estava a olhar para ele, e o cabelo solto que começava a ficar bastante comprido escondia o rosto dela de olhares curiosos. Não conseguiu bem perceber pelo seu tom, mas sabia que havia algo.
- O que se passa?
- Nada. Deixa-me em paz.
Se restavam dúvidas, aquilo esclareceu-as. Silco debateu-se contra a pálpebra pesada e entrou no quarto da menina, apenas para receber um: - Eu disse para me deixares em paz! - antes de ter oportunidade de dizer o que quer que fosse. O tom dela estava zangado agora, mas tenso pelas lágrimas.
- O que se passa? Tiveste um pesadelo? - Foi a primeira coisa que lhe ocorreu. Era demasiado frequente.
Jinx soltou um som sufocado que era o estado actual do seu escárnio.
- Não, não tive a porra de nenhum pesadelo, porquê, estás farto que esteja sempre a acontecer? Típico aqui da estúpidinha, hã?
Silco suspirou. No que é que ele se metera.
Inspirando e expirando, moveu-se devagar e sentou-se na ponta da cama de Jinx, para fúria dela.
- Deixa-me em paz, Silco! Não te quero aqui! - O rosto dela estava manchado de lágrimas e os olhos estavam vermelhos e inchados, mostrando que ela estivera a chorar há bastante mais tempo do que ele estava acordado. Era uma imagem terrível de dor e Silco franziu o rosto involuntariamente.
- Queres falar sobre o que se passa?
- Não.
- O que aconteceu?
- Nada! - gritou ela. O rosto contorceu-se, e num segundo estava a rir, novas lágrimas a reluzirem nos cantos dos seus olhos mas recusando-se teimosamente a cair. - Nada! Não aconteceu nada, eu estou só mesmo avariada! Deixa-me em paz! Vou ficar bem não tarda.
- Não, não vais - disse-lhe sem pensar. Jinx encolheu-se ligeiramente, como se ele tivesse gritado as palavras em vez de as murmurar.
Silco esfregou o rosto de novo, incapaz de se impedir de fazer Jinx pensar que ele estava farto da situação quando na realidade estava apenas a tentar acordar devidamente e ajustar-se a ela. O seu olhar caiu para o chão onde encontrou os restos do que o tinha despertado, uma das engenhocas de Jinx agora partida em bocados espalhados. O caos organizado de Jinx sempre se estendera ao chão, mas era fácil perceber que havia mais uma coisa que fora atirada à parede e agora jazia caída e isso era o peluche que Jinx trouxera consigo quando ele a acolhera.
- Estou só triste, ok? - disse ela, atirando as palavras da mesma forma que atirara as coisas antes. - Pronto. Vês? É estúpido e não vai voltar a acontecer. Podes voltar para a cama agora.
- Posso fazer alguma coisa para ajudar? Porque é que estás triste?
- Porque é que isso importa? Já sei que te falhei seja como for, não precisas de o dizer, por isso vai-te embora.
Aquilo confundiu-o. - Porque é que eu haveria de dizer isso?
- Porque não? Disseste-o hoje àqueles tipos.
Silco demorou um momento a recordar-se do que ela se estava a referir. De facto, lidara com alguns homens naquele dia, uma situação simples mas irritante de indisciplina que fora prontamente corrigida. Jinx estivera presente, como sempre estava, e ele não reparara em nada particularmente fora do normal. Talvez, em retrospectiva, ela tivesse estado um pouco mais distraída do que o habitual?, mas isso era frequente e Silco prestara pouca atenção. Talvez ele tivesse estado demasiado concentrado em questões de trabalho para reparar ou pensar nisso. Nunca o tencionara fazer, mas com o aumento de distribuição de Shimmer como objectivo no seu plano para Zaun contra Piltover, além de tudo o que isso acarretava, ele estava consideravelmente mais ocupado e podia ter negligenciado ver algum sinal desta tristeza. Mas agora ele estava aqui, e ela tinha toda a sua atenção.
- Jinx, isso é completamente diferente.
- O que tem assim de tão diferente?
- És minha filha.
Era assim tão simples. Na verdade, sentiu uma pontada de mágoa quando se apercebeu que gostava de não ter o explicar. Gostava que ela soubesse porque é que aquilo era razão suficiente.
- Também fui filha do Vander - respondeu ela com voz fraca em vez disso, atirando-se e deixando-se enterrar no lado oposto da cama. Silco só pôde olhar enquanto ela parecia prestes a perder a batalha que ela travava contra as lágrimas. - Também fui filha dos meus pais, e olha só o quão bem essas vezes correram. Eu matei o Vander. Posso acabar por te matar a ti também. Como é que isso não é falhar?
O que era suposto responder àquilo? Ele sabia como falar com pessoas, persuadi-las ou ameaçá-las, não como reconfortar uma criança a chorar. O que era supsoto dizer? Que não se importaria se aquilo acontecesse, ou que ela podia ficar descansada que nunca iria acontecer? Porque ele não se importaria, e porque poderia acontecer, mas que bem faria dizer aquilo? Que bem lhe faria uma verdade brutal ou mentira? Tudo o que Silco queria era arranjar uma maneira de ela se sentir melhor.
- Jinx. Vem cá.
A criança atirou a cabeça para o outro lado em vez disso e enrolou-se com força em torno dos joelhos, fazendo propositadamente o oposto do que ele lhe pediu. Silco chamou-a uma segunda vez, a voz calma embora revelasse um pouco mais do seu cansaço do que ele desejava; não tinha a certeza se ela o conseguia ouvir, mas a resposta que recebeu desta vez foi diferente. Em vez de se arrastar contrariada ou de mau-humor, Jinx atirou-se para cima dele, mais depressa do que os seus reflexos conseguiam acompanhar, e aninhou-se no seu colo, os braços apertados à volta do pescoço.
- Por favor não me deixes também. Estou tão cansada.
Apanhado de surpresa pelo movimento, não muito diferente da cena de quando se tinham conhecido pela primeira vez, Silco demorou um momento a processar as palavras devidamente enquanto os braços se enrolavam em torno do pequeno corpo de Jinx, pequeno mas tão mais alto do que fora até há tão pouco tempo.
...Mas no que é que ele se metera.
- Não deixo. Estou aqui, Jinx. Estou mesmo aqui.
Ela retribuiu o pequeno aperto que os seus braços pressionaram contra as costas dela com um gemido, e o pequeno movimento foi tudo o que bastou para ela quebrar e começar a soluçar e a chorar pesadamente contra ele. Silco deixou-a chorar, mesmo que o magoasse. Ela precisava de deixar aquilo sair.
Foi difícil saber quanto tempo ela demorou a conseguir recuperar o fôlego depois de ser tomada por um ataque de tosse. Ranho e saliva e lágrimas cobriam o seu rosto bonito de forma tão terrível, mas Silco não se afastou dela, não se escondeu da dor dela.
Eventualmente, enquanto ele massajava as costas dela suavemente, ela pediu: - Não... não te zangues.
- Não me vou zangar.
Jinx aninhou-se contra o peito dele, espalhando lágrimas sobre o colete dele. - Eu só... só fiquei triste a lembrar-me de coisas. Da minha irmã.
A respiração de Silco fez uma pausa na sua garganta. Oh. De repente fazia sentido.
- Quero odiá-la - disse Jinx num gemido. - Quero, eu quero, e eu odeio-a, mas apercebi-me que eu só... só me sinto triste. - Um novo soluço ameaçou lançá-la de volta para um novo ataque de choro, mas ela só tossiu, a garganta a arder. - Quero... queria que as coisas voltassem atrás, sem aquilo que aconteceu. Eu sei que não devia, eu sei que não devia querer isso, mas... e-eu... só quero que páre de doer. Quero a minha irmã de volta.
- Oh, criança. - Silco puxou-a para perto de novo, esperando que desta vez a fosse ajudar a sentir-se melhor. Jinx era tão impressionantemente forte, ainda capaz de o abraçar com força apesar de tudo o que acabara de acontecer. - Eu sei. Eu sei. Mas a tua irmã morreu, Jinx. E ela não vai voltar. Lamento.
E apesar de as palavras fazerem Jinx soluçar, Silco reparou na surpresa que ele próprio sentiu devido a elas. Porque ele lamentava. Se ele pudesse evitar, gostava que ela nunca sentisse aquela dor.
O que era contra tudo o que sempre acreditara acerca da sua própria luta. A dor fortalecia-os. A dor era necessária para eles.
Não devia lamentar.
...mas doía vê-la daquela forma.
- As coisas não podem voltar a ser como eram, e eu sei que dói agora, mas vais ver que é pelo melhor - disse-lhe ele; disse a ambos. - Vais ver, Jinx.
- ...só gostava que ela pudesse voltar.
Se ele tivesse de desejar algo acerca da irmã de Jinx, era que a rapariga ainda estivesse viva para que Jinx a pudesse matar. Para ultrapassar, ultrapassar verdadeiramente a dor debilitante da traição apagando a sua fonte com as próprias mãos. Era um passo necessário que pessoas que tinham sido magoadas como eles deviam tomar no seu caminho para as novas vidas; pelo menos isso ele sabia por experiência própria. Mas a estúpida da rapariga estava morta. Negara a Jinx aquela libertação.
- Gostava que as coisas pudessem ser como eram, eu não os queria matar, não queria, não queria que o M-Mylo ou o Claggor morressem, ou o Vander, não queria que a Vi se fosse embora e morresse...
- Disseste que mataste o Vander - disse ele, sentindo a sua filha encolher-se nos seus braços. Se isto claramente a magoava tanto, pelo menos esta dor não era dela e ele podia retirar-lha. - Eu matei-o. Eu apunhalei-o, duas vezes. Já te tinha dito isto?
Jinx fungou, esfregando o ranho do nariz com as costas da mão enquanto se endireitava o suficiente para olhar para ele.
- Apunhalaste-o?
- Sim.
Jinx baixou o olhar. Parecia tão cansada. De repente Silco apercebeu-se que nem sabia bem quão tarde era, nem há quanto tempo ela estava acordada.
- Ele traiu-me. - Silco tomou as mãos de Jinx nas suas, afagando-as devagar. - Há muitos anos, ele tentou matar-me porque eu não fiz o que ele quis. Nunca esperei que aquilo acontecesse, Jinx. Nunca. E mesmo enquanto estava a acontecer, eu não conseguia acreditar. Tudo o que conseguia pensar era "Não. Não, não, isto não pode estar a acontecer, não pode ser." Ele era meu irmão. Mas isso não era importante para ele. Eu não era importante. Afogarmo-nos é... afogarmo-nos uma sensação única. Mesmo enquanto tentava acreditar que ele estava mesmo a tentar matar-me, eu lutei contra ele. Sabia que ia morrer, mas mesmo assim não desisti. Apunhalei-o na altura, e voltei a fazê-lo depois daquela explosão.
Silco pausou, olhando para os olhos de Jinx embora o olhar dela ainda estivesse afastado do seu. As sobrancelhas dela tremiam fora do seu controlo, o lábio tremia.
- Nunca experienciei uma dor como aquela antes, Jinx. Queria morrer porque me doía tanto. Não sabia como era suposto continuar a viver com aquela quantidade de dor, quando alguém por quem eu teria feito tudo para salvar tentou em vez disso matar-me. Pensei, será que há uma maneira de as coisas voltarem atrás? Há alguma maneira de as coisas voltarem a ser como eram? Mas é como te disse. Não podem. Nunca. E não faz mal, Jinx. Porque agora não vai voltar a acontecer. Já não és a mesma pessoa. Mesmo que doa, aprendes com isto. Nunca mais vais ser colocada na mesma posição. Não vais voltar a ser a pessoa que sai magoada.
Tocou-lhe suavemente no rosto para o levantar, e Jinx olhou para ele, as pálpebras pesadas.
- Podes sobreviver a isto. Como eu sobrevivi. Nós estamos vivos. Eles não. Nós tornámo-nos fortes com a dor e retirámos esse poder para fora do alcance deles.
Uma única lágrima silenciosa caiu do olho dela. - Ajudou-te a parar de doer?
Silco afagou o rosto de Jinx e puxou-a para perto, beijando-a na testa.
- Ajudou, filha.
Não podiam ignorar esta dor, era arrebatadora, e mesmo que abraçá-la doesse tanto, isso era algo que Silco conhecia e podia ensinar a Jinx. A abraçá-la e erguerem-se dela, acima dela, melhores e mais fortes.
- Acho que quero ir dormir - disse ela fracamente. Silco voltou a beijá-la e prendeu-lhe uma madeixa de cabelo atrás da orelha enquanto ela esfregava os olhos cansados.
Silco saiu para ir buscar um copo de água enquanto Jinx vestia o pijama, assoava o nariz e lavava as lágrimas do rosto. Já estava sentada debaixo dos cobertores quando ele regressou, quase despejando o copo de água quando Silco lho entregou. Viu como ela olhou para o coelho de peluche no chão, e após um momento, enterrou-se na almofada e virou-lhe as costas.
- Podes ficar aqui? Por favor. - Já sabia que ela lhe ia pedir isso, e depois de a aconchegar na cama, deitou-se ao lado dela. Jinx moveu-se para que ele pudesse ficar com um bocadinho da almofada, embora Silco se tivesse apoiado mais sobre o braço dobrado. Ela rapidamente rodou e se enrolou numa bola apertada contra ele, aninhando-se por conforto.
- Estou a desenhar uma granada de mão melhor - disse ela baixinho. - Parti o protótipo, mas é muito fácil fazer um novo. Acho que o posso fazer amanhã.
- Isso é maravilhoso.
- Boa noite, Silco.
- Boa noite, Jinx.
- Adoro-te.
Ela murmurou-o em voz tão baixa que Silco se perguntou se foi real ou se o imaginou. Ambas as opções o espantaram.
- ...também te adoro.
Apesar da exaustão, ou por causa dela, Jinx adormeceu em menos de dois minutos. A respiração estabilizou por fim, ainda que ela ainda respirasse um pouco pela boca por causa do nariz entupido, e Silco sentiu-se respirar também com mais facilidade. Não sabia bem como é que se tornara um pai para esta criança, mas claramente não importava. Adormeceu também, e ambos tiveram um muito merecido descanso, pai e filha, duas pessoas quebradas que, apesar de tudo, eram ligeiramente menos quebradas porque estavam juntos.
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fim
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Nota: Isto foi difícil de escrever.
Obrigada por lerem.