VOCÊ, MEU HORIZONTE
Aviso: a história pode conter linguagem de baixo calão, tentativa de estupro e suicídio. Se são gatilhos pra você, exercite a prudência e não leia.
Look how the lights of the town
The lights of the town are shining now
Tonight I'll be dancing around
I'm off on the road to Galway now
(Veja como as luzes da cidade
As luzes da cidade estão brilhando agora
Hoje a noite estarei dançando
Vou pegar a estrada para Galway agora)
Hinata cantarolava sob o choupo enquanto costurava a camisa de uma das crianças a quem ensinava as primeiras letras, de vez em quando relanceando para o neném no cesto ao seu lado, dormindo a sono solto. As crianças corriam pelo vale atrás da pequena escola, protegidas pela velha cerca de madeira que servia apenas para delimitar o perímetro e não para manter qualquer coisa dentro ou fora. Brincavam de pegar umas às outras, batendo uma palma na parede da escola, outra palma na cerca, rolando pelo gramado seco de outono, as folhas dos choupos ao redor afofando o chão.
- Kyouka!
- Não quero mais correr, Sora-kun.
Hinata levantou os olhos da costura. Duas de suas crianças, um casal de irmãos com apenas um ano de diferença, tinham abandonado a brincadeira e vinham em sua direção, a irmã seguida do irmão.
Kyouka era afeita a brincadeiras, com apenas dez anos, mas se cansava rápido de correr, escolhendo se retirar e sentar ao lado da professora, ouvindo-a cantarolar ou cantar, quando tinha sorte. Sora, introspectivo e tímido, a sombra da irmã, a seguia, resignado. A professora sorriu quando eles se aproximaram, mas não parou nem de costurar nem de cantarolar.
Naquele fim de tarde, Kyouka parecia ter mais propósito em pôr fim a brincadeira, sentada ao lado de Hinata, mas enrolando a barra da saia nos dedos, ansiosamente.
- Tem alguma coisa te incomodando, Kyouka-chan?
Pega de surpresa – como se estivesse disfarçando muito bem suas intenções antes – a menina encarou a professora com olhos arregalados.
- Hinata-sensei, é verdade que você era uma princesa?
A professora sorriu, saudosa, mas não parou a costura nem levantou os olhos.
- Isso foi há muito, muito tempo, Kyouka-chan.
- Então é verdade?! - A menina, normalmente tão contida, levantou-se de um pulo ao ouvir a confirmação da professora, seus olhos escuros brilhando, um sorriso de orelha a orelha exclamando. – Uma princesa de verdade?!
- Shhh, vai acordar o bebê. – Hinata admoestou gentilmente. O pequeno Ryo gemeu, mas não acordou. – Onde você ouviu isso?
- Ino-san. – Kyouka respondeu, mas não elaborou. Claro que teria sido Ino, ela chamava Hinata de hime em cada oportunidade que tinha, especialmente quando queria alguma coisa.
- Então Hinata-sensei não é mais princesa? – Veio a voz baixinha de Sora, que estava ouvindo a conversa. – Como veio morar aqui na ilha?
- Sasuke-sama a roubou, é óbvio! – Respondeu Kyouka, com ares, antes que Hinata pudesse abrir a boca.
- Oh! – Foi a vez de Sora exclamar. Ele era um fã de Sasuke, braço direito do Rei dos Piratas, talvez até mesmo mais temido, definitivamente dono de uma fama mais agourenta e sanguinária.
Hinata riu e finalmente levantou os olhos da costura, tinha terminado, então cortou a linha com os dentes o que, uma vida atrás, teria resultado em um sermão de sua preceptora. Dobrou a camisa, guardando-a no cesto ao lado do bebê adormecido.
- Sasuke não me roubou. – A noção a divertia, a verdade era muito mais assustadora. – Ele me salvou.
Well me father often told me when I was just a lad
A sailor's life is very hard, the food is always bad
But now I've joined the navy, I'm aboard a man-o-war
And now I've found a sailor ain't a sailor any more
(Bem, meu pai sempre me disse quando eu era um moleque
A vida de marujo é difícil, a comida é sempre horrível
Mas agora eu sou da marinha, estou a bordo de um navio de batalha
E agora eu descobri que um marujo não é mais um marujo)
Hinata abriu os olhos com a certeza de que devia estar morta, porque a última coisa que se lembrava eram cenas esparsas e entrecortadas do navio real, Byakugan, afundando, seu bote também não resistindo às ondas monstruosas que afundaram o navio, o frio intenso das águas quando submergiu, gritos, o rugir da tempestade, a maciez da madeira envernizada da tábua em que conseguira se agarrar, o oceano enraivecido por todos os lados, e o pensamento desolador, mas resignado, de que iria morrer.
Quando seus olhos finalmente focaram na cena ao seu redor, desejou realmente estar morta. Reconheceu primeiro o amarelo das casacas que indicava que aqueles homens eram marinheiros reais e deviam estar num navio. Iluminados pelo pouco sol que entrava por uma abertura retangular no casco, havia três sobre ela, dois segurando seus braços contra o chão, um entre suas pernas, impedindo-a de fechá-las. Seu interior gelou para combinar com o exterior, que já sentia frio porque sua camisola e combinação haviam sido cortadas da barra até a gola, desnudando-a por completo, e o marinheiro que o fizera fora descuidado ou apressado o suficiente para cortá-la também, um talho na altura das costelas por onde escorria sangue.
As lágrimas vieram, engatilhadas pela vergonha, pelo desespero e o medo. Hinata tentou gritar, mas eles haviam enfiado alguma coisa em sua boca e a tentativa só serviu para engasgá-la. Tentou se desvencilhar de seus captores, sem sucesso, porque eles jogavam todo o peso sobre si.
- Ela acordou! – Esbravejou o que estava à sua direita, intensificando o aperto. – Esses olhos...
- Segurem bem os braços! – Ordenou o que estava entre suas pernas, impedindo-a de fechá-las com a mão esquerda, a direita bombeando o pau.
- Você não vê uma mulher há meses e quando o mar nos dá um presente desses você quer ser o primeiro, mas demora uma eternidade pra ficar duro e dar conta da sua vez! – O da esquerda largou o braço de Hinata e empurrou com força o que estava entre suas pernas, que rolou pra trás ao perder o equilíbrio. – Eu já tô pronto faz tempo.
Hinata tentou manter as pernas fechadas e não conseguiu, o marujo era mais forte que ela; o que segurava seu braço direito se reposicionou para segurar os dois, já que o companheiro tinha furado a fila.
- Olha essas tetas. – O que estava entre suas pernas agarrou seus seios com ambas as mãos, ásperas e calejadas, com força suficiente para fazê-la gemer de dor e mais lágrimas escaparem dos cantos de seus olhos. – Você parece uma moça bem criada, então ainda deve ser virgem. – Uma das mãos largou seu seio e desceu pelo dorso de Hinata, esbarrando no corte, fazendo-o arder, espalhando sangue por sua barriga até os pelos de seu íntimo. – Vamos testar.
Antes que aqueles dedos pudessem forçar a entrada em seu interior, um urro elevou-se de trás do homem entre suas pernas; o primeiro estuprador tinha se recuperado do empurrão e se jogara no segundo, fazendo-os rolar pelo que era um porão inferior do navio, calças arriadas, paus pra fora. Poderia ter sido uma cena de comédia em algum teatro de fantoches apresentado na praça da capital se não fosse o estrondo de trovão que fez Hinata pensar que ainda estavam sendo assolados pela tempestade que afundou o Byakugan.
Hinata olhou para cima, para o marinheiro que ainda a segurava, e este olhou para baixo, quando o estrondo aconteceu. Uma bala de canhão zuniu pela abertura do casco, acertando o terceiro marinheiro em cheio na lateral do crânio, tão forte que a cabeça foi para um lado, a bala de canhão para outro, e o corpo ficou onde estava, caindo para trás.
O choque não deixou que Hinata gritasse.
- Piratas! – Veio o grito de algum lugar muito acima. – É o Sharingan!
Mais gritos e passos, correria, pandemônio, novo estrondo, mas dessa vez a bala atingiu outra parte do navio, porque a moça só ouviu a madeira quebrando.
Conseguiu se sentar, tremendo da cabeça aos pés. Olhou em volta, os outros dois estupradores já não estavam mais ali. Cuspiu o trapo que lhe enfiaram na boca e tentou fechar como pode o que restara da camisola e da combinação, segurando os dois lados juntos com as mãos enquanto corria para baixo da escada que levava para cima e para fora.
Tinha conseguido sobreviver a um naufrágio e a um estupro – por marinheiros que serviam ao seu pai! – para morrer num ataque de piratas.
Encolheu-se, pernas junto ao peito, o corte ainda vertia sangue e ardia, mão nas orelhas e olhos apertados que não conseguiam conter as lágrimas, e esperou, rezando para que se fosse morrer ali, que algum dos estrondos a matasse tão rápido quanto ao marinheiro que a segurava, para que não tivesse que sofrer a violência sobre seu corpo, dessa vez por piratas.
Nenhuma bala de canhão passou nem perto de onde estava escondida. Depois do que pareceram horas de trovões e berros, o ataque chegou ao fim. Hinata não saiu nem da posição nem do esconderijo, torcendo para que os dois estupradores tivessem morrido, para que quem quer que tivesse saído vitorioso não a encontrasse.
- Aqui, Suigetsu, é o último deck.
- Juugo já encontrou a cabine do capitão e os mapas que Sasuke queria, pra quê olhar todos os decks?
- Porque pode ter algo de valor por aqui além da munição. – Era uma voz de mulher e estava irritada. – E porque o seu capitão mandou.
- Fazer tudo o que ele manda não vai te dar acesso aos lençóis dele.
- Cala a boca!
Os dois pares de passos desceram a escada iluminando o pequeno porão na luz bruxuleante do lampião. Hinata não ousou se mexer, nem sequer para abrir os olhos. O fato de ser mulher indicava que eram piratas, porque mulheres não eram permitidas na marinha real. O fato de ser uma pirata do gênero feminino não indicava que teria piedade se a encontrasse.
- Aqui só tem um bastardo morto.
O pirata chutou a cabeça decapitada, que rolou até perto da escada. Ele a seguiu com os olhos e com a luz do lampião. Havia uma criatura de branco sob a escada.
- Um fantasma!
- Não seja idiota. – A mulher também tinha visto a figura e se aproximou com passos largos e decididos. – Oi, você é a puta de bordo?
Hinata não respondeu. Mal registrou que ela falara, assustada como estava. Sentiu movimento e então uma mão agarrou sua franja, fazendo com que levantasse a cabeça, abrisse os olhos e gritasse de dor pelo puxão. Uma das mãos agarrou o pulso do agressor, a outra tentou manter a camisola fechada.
- Suigetsu, larga ela, vá buscar Sasuke.
- O quê? Por quê? Vai oferecer essa aqui de presente pra ele?
- Uma vez na merda da sua vida, faz o que eu tô mandando!
O rapaz foi, mesmo que reclamando em alto e bom tom, a pirata não se mexeu além de cruzar os braços e se recostar a uma viga; de relance, a moça viu que sua captora tinha intensos olhos vermelhos.
Hinata voltou a se encolher, não ousou levantar a cabeça nem os olhos de novo. Era verão no Mar do Norte, por onde navegavam antes do navio real afundar. Julgava que não devia ter ido muito longe no tempo que ficara à deriva após o naufrágio. Era verão, mas sentia tremores pelo corpo todo que partiam do centro de seu peito. Abraçou-se com mais afinco quando ouviu passos se aproximando. Cada degrau pisado da escada soava como um prego em seu caixão – se é que teria a cortesia de um caixão, mais provável que fosse jogada no mar ainda viva, depois de usada.
- Karin.
- Capitão. – A moça se desencostou da parede. Hinata distinguiu na voz dela, alguns tons mais agudos na presença do capitão pirata, a mesma vontade de agradar que usara por tantos anos com seu pai, o rei. – Este navio carregava um tesouro, afinal.
O capitão deu a volta na escada, parando ao lado de sua navegadora, seus olhos encarando onde ela apontava: a figura rota, suja, apavorada de uma moça.
Um longo minuto se passou sem que ninguém dissesse nada e a curiosidade de Hinata venceu o medo. Abriu os olhos, o capitão estava agachado bem a sua frente – como ele tinha se aproximado tão silenciosamente? –, assustando-a. O primeiro pensamento que a assolou, quase sem querer, é que ele era bastante pálido para um pirata. Ele tinha olhos que não combinavam: o direito, negro a ponto de não ser possível distinguir a pupila da íris; o esquerdo, de vidro carmim, com uma cicatriz atravessando-o na diagonal da testa à maçã do rosto. Ambos brilhavam enquanto a submetiam ao escrutínio de alguém que estava acostumado a observar tesouros, distinguir o que era ouro puro de ouro misturado com prata e o valor de uma pedra preciosa baseado no brilho e no corte.
- Hyuuga.
Ele sabia quem ela era. Ou, ao menos, sabia quem era sua família. Hinata ousava dizer que não devia ser tão difícil saber, uma vez que vissem seus olhos. Devia ter sido isso que a pirata vira quando mandara que o outro a soltasse e fosse buscar o capitão.
- Eu sabia. – Karin se aproximou atrás de Sasuke, sorrindo. – É uma pérola.
- Você não devia estar neste navio. – Hinata tentou baixar o rosto, mas o capitão foi mais rápido, lançando a mão para segurar-lhe o queixo. A mão dele era tão calejada quanto a do verme que a apalpara. Sentiu seu estômago embrulhar. – Quem fez isso com ela?
- Já a encontramos nesse estado.
O capitão levantou-se depois de mais alguns segundos de contemplação daqueles olhos de luar. Ouvira as histórias, mas nunca estivera na capital do reino dos Hyuuga para ver pessoalmente algum membro da família real e não era como se eles fizessem veraneio nas mesmas praias.
- Suigetsu, já terminamos por aqui?
- Até o último homem, capitão. – O rapaz tinha um sorriso afiado, sua voz vinha do alto da escada e era naquela direção que ele olhava quando Hinata se moveu.
- Sasuke, ela vai pular! – O grito de Karin o colocou em ação.
A moça tinha saído de seu estado de choque e correra para a abertura de canhão vazia por onde os marujos reais a tinham pescado antes do ataque. A camisola se abriu, mas não importava. A água sob o navio estava pintada de vermelho, o que certamente atrairia tubarões. Morreria afogada ou devorada, mas não à mercê de outro homem.
Um braço enrodilhou sua cintura antes que passasse a abertura.
- Não! – Chorou, mas não tinha forças para se debater. Usara tudo o que tinha para conseguir sair do lugar e correr. – Não, p-por favor, deixe-me...
- Fique quieta. – O capitão rosnou em seu ouvido.
- P-por... F-favor...
- Eu não vou te machucar. – Essa parte ele sussurrou, os lábios contra seus cabelos sujos de água do mar e sangue do marujo decapitado.
Hinata não acreditou nele. Seu corte voltara a sangrar, porque o capitão a segurava com a mão sobre ele, mas não conseguia sentir a dor, porque não conseguia sentir mais nada. Seus membros amoleceram e ele continuou segurando-a, sustentando o peso, quando as pernas da moça cederam.
- Suigetsu, encontre Juugo e terminem os preparativos para afundar o navio. Karin, encontre roupas pra ela.
- Capitão...
- Agora.
Os passos se afastaram, reclamando e brigando entre si.
Através da abertura Hinata via um navio que parecia um rubi no oceano.
- Vou te soltar, mas não tente fugir. – O braço dele afrouxou antes mesmo que Hinata pudesse concordar ou discordar em cooperar.
Sasuke a virou para que ficasse apoiada de costas em seu joelho flexionado, a camisola se abrira completamente, mas ela já não fazia esforços para se cobrir, os olhos perolados estavam abertos, mas opacos e distantes. Ela tinha marcas nos braços, nas coxas e nos seios, além de uma trilha de sangue seco com o formato de dedos entre o corte nas costelas e a intimidade.
- Como se chama?
- Hi... Hina... ta...
O capitão sacou uma faca da bota e cortou tiras da combinação destruída, o suficiente para fazer uma compressa sobre o corte e amarrá-la ao redor do dorso da moça, sob os seios. Fechou como pôde a camisola.
- Oi, pode me ouvir? – A moça não respondeu, mas os olhos de pérola encontraram os dele. – Não sei como chegou a este navio, não sei quem te machucou e não importa, porque estão todos mortos. – Hinata jamais imaginou que a violência e a carnificina de piratas iria deixá-la aliviada. – Hoje não é o dia que você morre, Hinata.
Look how she's off on the town
She's off on a search for sailors though
There's fine fellas here to be found
She's never been one to stay at home
(Veja como ela vai a cidade
Ela está a procura de marinheiros
Tem bons moços a se encontrar por aqui
Ela nunca foi de ficar em casa)
- É uma história longa, conto um outro dia. – Hinata se levantou trazendo a cesta consigo. Sorriu quando as duas crianças começaram a reclamar e fazer perguntas em rápida sucessão.
"Você tinha muitos vestidos? E joias? Já participou de um baile? Tinha um castelo? Um dragão? Tinha um pônei?"
"Sasuke-sama te roubou do castelo? Você estava em uma torre? Ele lutou com cem... Não, MIL guardas? Como ele fez pro navio entrar lá?"
As perguntas, fantasiosas e absurdas, a perseguiram, sem resposta, para dentro da escola. Hinata deixou o bebê sobre a mesa por um instante apenas para ir até a porta de novo e tocar o sino para que as crianças voltassem. Ficou no batente, um olho nos que entravam e outro no que dormia. Os irmãos agora discutiam e teorizavam entre si como Hinata, uma princesa perdida, e Sasuke, o pirata mais temido, tinham se encontrado.
- Vamos, agora, peguem suas coisas para irmos para casa. – As crianças reuniram suas bolsas com as lousas, os pedaços de giz e os lenços em que vinham embrulhados os lanches do almoço e foram saindo em fila. Kyouka e Ryo foram os últimos, tão entretidos com suas imaginações que não pararam para perguntar mais nada. Com o bebê no cesto, agora acordado, Hinata trancou a escola e guardou a chave na bolsinha de moedas em seu cinto.
O sol se punha tingindo o horizonte de rosa, laranja e vermelho. Era o seu momento preferido de sentar na varanda de casa e contemplar o mar, mas raramente conseguia fazê-lo, já que a escola nunca parava, porque os pais sempre precisavam deixar as crianças em algum lugar enquanto trabalhavam e o trabalho não parava. A escola ficava em um vale e dali não conseguia ver o mar.
A ilha onde moravam era grande, mas tinha uma pequena comunidade. Assim era mais seguro, porque todos os moradores, sem exceção, eram mães, pais, irmãos, irmãs, maridos, esperar, filhos, filhas, primos e sobrinhos da tripulação da armada do Rei dos Piratas.
A Ilha e a Vila da Folha eram o último refúgio que restava da era de ouro da pirataria.
As primeiras luzes já iam se acendendo na Vila quando Hinata chegou com as crianças que foram seguindo o caminho de casa. Alguns pais e mães esperavam na porta e acenaram para a professora, todas elas entregues quando deixou o bebê com o pai – a mãe morrera no parto, à bordo de um dos navios da armada, e fora o Rei em pessoa que trouxera a criança de volta para a família. A ama de leite chegou em seguida, trocaram cumprimentos, e Hinata se foi. Todas as suas crianças, devolvidas.
- Hinata! – Ino gritou e veio em sua direção, os seios quase saltando para fora de tão apertado que ela usava o espartilho de forma a acentuar a cintura. "É ótimo para dor nas costas.", ela dizia, mas Hinata se desfizera do hábito anos antes: dava muito trabalho costurá-los e encontrar fitas novas.
- Ino-chan.
- Vamos à taverna? Sai e Temari já estão lá.
- Acho que vou para casa hoje.
- Vaaamos! – A loira entrelaçou seu braço com o de Hinata, fazendo-a andar em compasso na direção da taverna. – Sai diz ter visto um navio no horizonte.
- Hoje?
- Sim, logo antes do sol descer, mas estava longe demais para distinguir a bandeir momento em que todas as velas parecem vermelhas.
O pequeno sorriso que Hinata ofereceu a Ino como resposta foi pior do que se tivesse desatado a chorar.
- Tome um cálice de vinho comigo e depois a deixo ir para casa. – Ino barganhou. Hinata fingiu ponderar, mas a loira sabia que a amiga aceitaria depois de receber a notícia sobre o navio avistado.
- Um cálice.
Ino aquiesceu, já estavam na porta da taverna, o céu escurecera por completo, seria impossível para um navio se aproximar da ilha com a maré noturna. Hinata seguiu a amiga, deixando antes da porta o frio, a decepção e a saudade. Ino já ordenara o cálice de vinho, sentada ao balcão. Ao terminar de servir as doses, Hinata pediu a Anko que deixasse a garrafa.
The king and his men
Stole the queen from her bed
And bound her in her Bones.
The seas be ours
And by the powers
Where we will, we'll roam
(O rei e seus homens
Roubaram a rainha de sua cama
E a encarceraram a seus ossos
Os mares são nossos
E pelos poderes
Onde quisermos, iremos)
Uma princesa, inerentemente, não tem valor algum solteira e sem herdeiros.
Foi a primeira frase proferida por sua preceptora ao conhecê-la. Hyuuga Hinata tinha seis anos, sua irmã acabara de nascer, sua mãe, de morrer, e seu pai estava no fim dos dias de luto já em busca de uma nova rainha.
E era essa frase que se repetia na mente da jovem princesa enquanto encarava o prato em seu jantar de noivado. Casamento arranjado, é claro, o primeiro sangue real que apareceu, ainda príncipe de um país vizinho porque o rei ainda estava vivo – ou quase, 40 anos mais velho, filho único, já viúvo de duas esposas, três filhas crescidas e casadas, e um filho natimorto.
Príncipe Houei estava disposto a dar 30 navios de batalha e 15 navios mercantes para a armada dos Hyuuga em troca de desposar a princesa Hinata e dobraria os números assim que ela parisse um filho homem, vivo. Havia um contrato e ele fizera questão de incluir a situação vital preferida da criança ao nascer.
Casamentos políticos vantajosos eram a norma da realeza e nobreza, nada a que Hinata já não estivesse acostumada. Romance e amor ficavam confinados aos livros que as camareiras e damas de companhia surrupiavam para dentro do palácio. Sabia qual era seu destino, portanto não tinha escrúpulos em se iludir com as narrativas deliciosamente perigosas e excitantes dos livros conhecidos como "de romper corpetes".
Sentada na mesa, entre seu pai e seu noivo, com os cortesãos rindo, banqueteando e dançando pelo salão, Hinata encarava sua realidade.
- Minha noiva não está com fome?
A voz de Sua Alteza a sobressaltou e Hinata se virou para encará-lo, alcançando a taça de água para disfarçar as faces coradas pelo susto ao ser pega devaneando. Baixou a taça e tentou sorrir. Sua Alteza comia uma codorna assada, segurando-a inteira com as mãos e cravando os dentes na carne. Príncipe Houei não era gordo, mas certamente era um glutão.
- Ah, sim, estou aguardando a sopa...
- Deveria comer mais carne e pão, princesa. – Ele nunca a chamava de Sua Alteza de volta, mas usava princesa e minha noiva de formas bastante liberais, como se não tivesse decorado seu nome ainda. – Olhe seu braço! Meu dedos conseguem contornar seu pulso duas vezes. – A mão engordurada de codorna se fechou sobre o punho de seu vestido de veludo, manchando-o imediatamente. Hinata mordeu o lábio inferior para não se afastar. – Precisa engordar um pouco, principalmente nos quadris, para aguentar parir uma criança, foi assim que minha segunda esposa morreu.
- S-sim.
- Aqui, pode terminar com isso. – A codorna meio comida foi depositada no prato de Hinata. – Hiashi!
- Sim, príncipe Houei? – A princesa ouvia o leve desdém na voz de seu pai, mas o príncipe não pareceu notar o mesmo.
- Quando pretende mandar minha noiva para o casamento?
Hiashi sequer relanceou para Hinata, encarando apenas o outro homem. A rainha, do outro lado, parou de tentar fazer com que o jovem príncipe Natsu ficasse sentado para ouvir a decisão de seu marido quanto ao destino da enteada.
- Um navio irá zarpar um mês depois de sua partida. Creio que seja tempo suficiente para o seu generoso presente de casamento chegar às nossas costas.
- E a princesa irá acompanhada de dote de acordo com sua posição?
- Certamente.
- Ha! – Riu o príncipe estrangeiro, animado. – Você é um homem inteligente, Hiashi, preocupado com a semente, como eu também sou. – Houei ergueu a taça por cima da cabeça de Hinata, uma gota de vinho escapou e caiu em seu penteado. Hiashi o seguiu. – Que nossos reinos prosperem!
Seis semanas depois a princesa Hinata embarcou no navio real Byakugan junto de três baús com enxoval nupcial, dois baús de moedas de ouro e um baú de pérolas, o símbolo dos Hyuuga. No porto, somente Hanabi. Abraçou a irmã por uma eternidade, pois quem sabe quanto tempo levaria até vê-la de novo.
Come now and follow me down
Down to the lights of Galway where
There's fine sailors walking the town
And waiting to meet the ladies there
(Venha agora e me siga
Onde brilham as luzes de Galway
E onde há bons marinheiro pela cidade
Esperando encontrar as donzelas)
O cabelo de Hinata já tinha caído do coque em que o mantinha enquanto ensinava as crianças e escorria, escuro e brilhante, por suas costas e ombros. Se livrara da casaca também, porque a taverna agora estava morna e abafada com dança e risos, completamente diferente dos salões de baile que frequentava uma vida atrás, porque ali sua felicidade era genuína.
Estava no fim de uma segunda garrafa de vinho que compartilhava com Ino, que voltava a se sentar depois de rodopiar com Sai pela duração da última música. A loira parecia ótima, alegre, corada, os peitos por um triz, mas não seria a primeira vez que os frequentadores da taverna veriam as belas tetas de Ino; Sai, por outro lado, ia vomitar a qualquer momento.
- Hinata! – A voz de Temari a fez girar e pegar no ar o pandeiro que fora arremessado antes que a acertasse no nariz. – O povo está pedindo "Twiddles"!
- "Twiddles!"
- Hinata canta e a colheita é boa!
- Hinata canta e os ventos sopram!
- "Twiddles!"
- Hinata canta e a cerveja não tem gosto de mijo!
- Hinata canta e o pau do meu marido fica duro a noite toda!
A taverna explodiu em risos com a última fala.
Hinata frequentava a taverna, mas não bebia vinho com frequência, preferindo uma boa caneca de cerveja preta. Naquela noite sentia-se carente, solitária e triste, então que viesse o vinho. O vinho a desinibia o suficiente para cantar sua canção favorita, "Twiddles"[1], que animava e divertia os presentes de tal forma que sua voz ganhara a fama pela vila de ter poderes mágicos.
A moça chacoalhou o pandeiro e a multidão se aquietou para ouvir.
Hinata se aproximou dos músicos, que tocavam a concertina, a flauta de madeira e o banjo, cantarolando. Bateu com pandeiro no quadril e começou:
Ah, se ouve muita história de um marujo em alto mar
Que ele em cada porto uma noiva vai achar
Mas pense mais um pouco em tudo o que ouviu
É mais fácil uma mulher achar um mastro por navio
No refrão, a taverna explodiu, batendo com as mãos nas mesas, com os pés no chão, no ritmo do pandeiro e da voz de Hinata:
Twiddle ee ai dee ai dee ai
Twiddle ee ai dee ei
É certo que o que um homem diz nem sempre é de lei
Twiddle ee ai dee ai dee ai
Twiddle ee ai dee ei
E quando os homens vão pro mar as moças viram rei
As moças da taverna levantaram no último verso e foram rodar ao redor de Hinata e da banda, que também se pusera em pé. Era uma canção que sempre aquecia os espíritos.
Pegando na mão de Ino, Hinata começou o próximo verso:
Lucky Annie era a moça mais sortuda que se há
Centenas de marujos navegaram no seu mar
Mas não se importa muito quando ele não a quer
"Não preciso de um homem para me fazer mulher"
Hinata deixou que a voz de Ino completasse o último verso, como se fosse sua fala, e, rindo, a loira abaixou o decote num gesto rápido. A primeira fila caiu das cadeiras.
Twiddle ee ai dee ai dee ai
Twiddle ee ai dee ei
Não é sempre que um homem consegue te animar
Ino aproximou-se de Hinata, uma mão na cintura dela, puxando-a para perto, a outra levantando as saias da morena até agarrar-lhe a bunda com vontade.
Twiddle ee ai dee ai dee ai
Twiddle ee ai dee ei
Mas há sempre mais que um homem para te fazer gozar
Ino soltou Hinata e foi buscar Temari do outro lado do balcão para que pudesse usá-la para encenarem o próximo verso:
Sabre é uma moça que jamais esteve só
Já teve tanto amante que não sabe mais de cor
Mas quando ela quer ter uma noite de verdade
Costuma chamar Madam Rouge só na amizade
Twiddle ee ai dee ai dee ai
Twiddle ee ai dee ei
Não é sempre que um homem consegue te animar
Twiddle ee ai dee ai dee ai
Twiddle ee ai dee ei
Mas há sempre mais que um homem para te fazer gozar
Houve uma época em que Rouge se seu mal
Todo homem que ela tinha se mostrava um animal
Mas hoje vive alegre, andando por aí
É que quando ela te encontra o teu ouro vai sumir
Twiddle ee ai dee ai dee ai
Twiddle ee ai dee ei
Não é sempre que um homem consegue te animar
Twiddle ee ai dee ai dee ai
Twiddle ee ai dee ei
Mas há sempre mais que um homem para te fazer gozar
Antes de começar o último verso, a porta de trás da taverna se abriu e um novo público entrou para se juntar à cantoria.
No centro, entre as mesas, Hinata ainda batia com o pandeiro ora na palma, ora no quadril, Ino encoxava Temari por trás repetindo o refrão em conjunto com toda a casa, entretidos demais para se darem conta dos novos clientes.
Para o último trecho, o tom era mais solene devido a finalidade da canção, e o público se calou para deixar a voz de Hinata prevalecer, as dançarinas se afastaram, com Temari voltando para o posto atrás do balcão e Ino, para o lado de seu marido dormindo com a cabeça sobre uma mesa.
Portanto, bom marujo, ouça o que vou dizer
Aqui neste navio o capitão não é você
Hinata fez graça empurrando a cabeça do tocador de concertina, que fingiu desmaiar, mas não perdeu o ritmo.
Coma, beba vinho e fique à vontade
Mas lembre, são as moças que comandam de verdade
Twiddle ee ai dee ai dee ai
Twiddle ee ai dee ei
Fora de um navio o capitão não é o rei
Twiddle ee ai dee ai dee ai
Twiddle ee ai dee ei
E quando os homens vão pro mar as moças são a lei
O salão irrompeu em vivas, palmas e estampido de pés contra a madeira do assoalho, assim como outras criativas bênçãos que a voz da professora da vila poderia conceder:
- Hinata canta e as flores desabrocham!
- Hinata canta e as redes enchem de peixes!
- Hinata canta...
Hinata, que estava sorrindo para as declarações sobre sua voz, corada e radiante, sobressaltou-se ao ouvir a voz conhecida. Virou-se, os olhos arregalados, procurando.
- ...e o capitão nos faz remar até morrer.
- Karin!
- Temari! – A ruiva devolveu a exclamação de Hinata dirigindo-se à taberneira. – Rum e cerveja e o que quer que tenha para a ceia, na conta do capitão.
Suigetsu e Juugo vinham atrás dela, todos os três molhados, porque os botes sempre viraram quando alguém tentava vencer a arrebentação para chegar à praia, único jeito de se aproximar da ilha à noite.
O capitão não estava entre eles.
It's been a long time since you've seen her
Could have been three years or more.
Will she be waiting when we dock, boys
Or like the others will she be gone?
(Passou-se muito tempo desde que você a viu
Podem ter sido três anos ou mais
Ela estará esperando na doca, rapazes
Ou ela terá ido embora como as outras?)
Hinata não tinha memória dos primeiros dias que passou a bordo do Sharingan e as lembranças que conseguia conjurar eram apenas pedaços rápidos de acontecimentos desconexos e sensações esparsas.
Estava em uma cama ou catre, um lençol a cobria e sentia-se sufocada; ouvia vozes abafadas, algo sobre uma mensagem que precisava ser enviada; frio, muito frio, queria mais cobertas ou que a lareira fosse acesa; haviam centenas de marinheiros de casacas amarelas sobre si, tentou gritar, mas não saiu som de sua garganta; um olho negro, um olho carmim e um baú de pérolas afundando; "...tratamos da infecção, se a febre não ceder, talvez ela não..."; ondas contra o casco, gritos abafados no convés; som de flauta; estava indo para o reino do Príncipe Houei, quanto tempo ainda levaria para chegar?; frio e calor; ondas, o navio balançando; estava com fome, mas sentia que nada passaria por sua garganta; queria ver Hanabi; os marinheiros iam e voltavam; e a flauta, o som da flauta permeava os sonhos e os delírios.
Hinata sentiu os olhos pesados quando tentou abri-los. Acima de si, apenas o teto baixo de madeira de uma câmara de navio, uma escotilha na parede aos seus pés; estava deitada em um catre, devia ser alguma espécie de enfermaria, porque havia uma bacia de água, uma jarra e um copo, uma lamparina e um estetoscópio cônico dispostos na mesa ao seu lado.
A frente da mesa havia uma cadeira simples de madeira onde o rapaz com o olho de vidro carmim estava sentado, uma flauta de madeira no colo. O capitão. Os piratas tinham dito o nome dele quando a encontraram. Sa... Sa- alguma coisa... Os olhos dele sobre si não estavam ajudando em nada para que ela se lembrasse. Cansada, desviou os olhos dos dele para encarar o teto de novo.
Então não tinha morrido. Um naufrágio causado por uma tempestade, um resgate por marinheiros que a violaram – não tivera a virgindade roubada e esse era o menor dos seus problemas perante o trauma violento que sofrera – e agora era prisioneira de piratas que não a deixaram se jogar de volta ao mar para terminar o serviço da tempestade. Os romances que lera não a prepararam para esse tipo de narrativa, muito menos a vida de princesa no castelo de seu pai.
- E-eu... – Sua voz ficou presa na garganta. Engoliu em seco. Ele não lhe ofereceu água. – Eu quero morrer.
Externar as palavras fora mais fácil do que pensara, certamente porque já estava entretendo a ideia desde seu jantar de noivado, bolando um plano desde que pisara no navio que a levaria a seu noivo e tentado colocar em prática quando o conheceu o capitão pirata.
- Uhn. – Pondo-se em pé, ele se aproximou do catre, tirou o lençol de cima dela com um movimento e ergueu a camisa usada, mas limpa, com que alguém a vestira, para revelar seu peito. Hinata não fez nenhum movimento de protesto, não sentia o suficiente para se importar. – Seu corte infeccionou, você teve febre, convulsões e delírios por oito dias. – A voz dele era monótona e a moça percebeu que ele estava apenas verificando seu ferimento. Já não doía. Ele abaixou a camisa dela e voltou o lençol no lugar. – Uma mensagem foi enviada ao rei Hyuuga, vamos devolvê-la a ele em troca de uma quantia.
Hinata sentiu as lágrimas se formando.
- Ele não vai aceitar. – Sua voz, sempre suave, era apenas um fio rouco.
- O rei não vai querer a princesa de volta?
- Ele tem um filho homem e ainda tem minha irmã. – A distinção fez com que uma das sobrancelhas do capitão se erguesse, curiosa.
- Você ainda é filha dele.
- E-eu! – A exclamação foi cortada por um soluço, as lágrimas começaram a rolar pelos cantos dos olhos. Hinata levantou os braços para cobrir o rosto. – Eu estava... A caminho de me c-casar e... E agora sou item de troca para piratas!
O capitão a deixou chorar voltando a sentar na cadeira. Ela soluçava sofregamente, como se sorver o ar fosse difícil. Pela escotilha, o céu sobre o oceano clareava.
- S-sinto dizer... – O capitão levantou os olhos quando ela falou de novo. Hinata baixara os braços, limpara as lágrimas e o nariz escorrendo com as mangas da camisa. - ...que não irá ganhar nada comigo, capitão.
Watch now he'll soon be along
He's finer than any sailor so
Come on now pick up your spoons
He's waiting to hear you play them WHOOO!
(Atenção agora, ele logo virá
Ele é melhor que qualquer marujo
Venha e pegue as colheres
Ele esperar te ouvir tocá-las)
O som da flauta chegou a ela carregada pelo vento.
Sua cabana ficava afastada da vila, uma praia e uma colina de distância. À distância conseguia ver a luz da lamparina bruxuleando na varanda. Havia luz através das poucas janelas e escorrendo pela porta que ficara aberta quando a figura saiu e se colocou sentada na balaustrada de madeira da varanda que dava direto na areia.
Conhecia aquela figura, conhecia a melodia e conhecia aquela pose cuidadosamente ensaiada para fazer com que ele parecesse desinteressado, fosse recostado ao balaústre da cabana ou de um navio.
Agarrou a saia e a anágua, levantando-as até que suas meias ficassem totalmente à mostra, assim como a faca que levava amarrada à coxa – sua defesa contra casacas amarelas. Correr na areia fofa com botas de couro era uma atividade desgastante e não demorou a começar a arfar enquanto vencia a distância.
Yo ho, yo ho, a pirate's life for me
We're rascals and scoundrels, we're villains and knaves
Drink up me hearties, yo ho
(Yo ho, yo ho, uma vida de pirata pra mim
Somos patifes e canalhas, somos vilões e trapaceiros
Bebam, meus amores, yo ho)
"A escória pirata ousa fazer exigências ao rei Hyuuga em troca de uma princesa deflorada que já não serve sequer para garantir um casamento vantajoso! Este monarca recusa a oferta e avisa: mantenham-se longe dos navios marcados com minha bandeira, assim como de minha costa, não haverá piedade para piratas e suas putas."
- Muito charmoso, o rei. – Karin pegou de volta a mensagem que receberam como resposta às exigências para devolver a princesa.
Estavam na cabine do capitão onde ficaram guardados os mapas e outros papéis. Sendo uma das únicas mulheres da tripulação de Sasuke e a única que tinha acesso à cabine e aos mapas, como navegadora, Hinata se afeiçoara pela ruiva rapidamente, embora não fosse recíproco. Gostava bastante também de Kaguya, porque era a melhor cozinheira entre os marujos que revezavam a tarefa.
- Quem diria que você seria um baú de ouro de tolo, não é?
- Eu disse. – Karin não parecia estar esperando uma resposta, muito menos aquela resposta, porque parou de remexer nos papéis a procura de um mapa específico e levantou os olhos vermelhos para a princesa.
- O quê?
- Eu avisei Sasuke que meu pai não aceitaria a barganha. – A morena deu a volta na escrivaninha do capitão tocando as coisas com as pontas dos dedos. – Eu não tenho valor para ele.
Karin precisava admitir que Hinata parecia etérea e régia mesmo em roupas de pirata de segunda mão e não sendo muito alta. Tentava diminuir a admissão adicionando mentalmente que deviam ser aqueles peitos, mas era os olhos, na verdade, a postura e o jeito de falar. Os movimentos. Uma sereia talvez não fosse tão mágica. Uma princesa. Como podia não ter valor para seu rei, seu pai?
- Espero que agora ele me deixe morrer.
Karin pensou não ter entendido direito, mas não teve tempo de fazer perguntas sobre o que a princesa queria dizer com aquilo, porque a porta da cabine se abriu com força e Sasuke entrou parecendo tão furioso quanto no momento em que recebera e lera a mensagem do rei.
- Karin, para a casa do leme, agora.
- Sim, capitão! – A ruiva agarrou os mapas que estava separando e saiu da cabine sem nem olhar para trás. Que Sasuke descontasse sua raiva em quem realmente a merecia.
Hinata observou com um certo divertimento enquanto o capitão marchava de um lado para o outro. Suas sobrancelhas estavam franzidas e parecia que ele queria assassinar algumas pessoas. Ele deu a volta na mesa, tirou uma garrafa e um copo de dentro de algum compartimento da escrivaninha e se serviu de uma dose, Hinata não soube distinguir se de uísque ou rum. Provavelmente rum. Sasuke virou a dose e serviu-se de outra, virando essa também.
Seus olhos, depois de algum tempo, pousaram na moça que o encarava do outro lado da mesa, as mãos cruzadas à frente do corpo, postura ereta, o longo cabelo preso em uma trança que lhe caia por cima do ombro. Quando ela percebeu que o capitão a observava, sorriu minimamente e trocou o peso de um pé para o outro.
- Uhn... P-para a prancha?
Sasuke se dobrou, apoiou os cotovelos sobre a mesa e cruzou as mãos, escondendo o rosto atrás delas. Demorou alguns segundos para Hinata perceber que o capitão estava rindo. Antes que pudesse perguntar o que era tão engraçado, o moreno voltou a se recostar na cadeira de espaldar alto, um sorriso ainda no rosto.
- Não sei o que é mais preocupante: os tipos de histórias que você ouviu para crer que andar na prancha seja uma verdade ou esse desejo de dar fim à própria vida levianamente.
- Não há uma prancha?
- Claro que não. Você viu alguma prancha?
- Não estive no convés.
Sasuke se levantou da cadeira e deu a volta na mesa.
- Venha comigo.
- Onde... – O convés, certamente, então fechou a boca sem terminar. Antes que ele abrisse a porta, Hinata o segurou pela tira traseira do colete, tinha uma pergunta mais importante. – O que vai fazer comigo?
Sasuke se virou para olhá-la por cima do ombro. Sua expressão continuava a mesma, embora por dentro quase não pudesse acreditar que ela tivera a ousadia se segurá-lo. Devia ser a ousadia adquirida por toda uma vida em uma posição superior.
- Você perdeu seu valor como mercadoria. – A princesa se retraiu, tirando a mão de perto dele como se tivesse percebido que tocava um arbusto de urtigas. – Mas há serviços que você ainda pode prover.
Off with a spring in my step
The sailors are searching Galway for
A young lady such as myself
For reels and jigs and maybe more
(Vou com passos saltitantes
Os marujos estão procurando em Galway
Por uma jovem moça como eu
Para danças e encontros e talvez mais)
A música da flauta parou e então eram dois corpos correndo pela areia, encontrando-se, entrelaçando-se.
A camisa de Sasuke voou, assim como a banda que Hinata detestava e foi arrancada junto. O capitão teria rido, acostumado ao jeito indiretamente direito que Hinata tinha de se expressar, mas estava ocupado sentindo o gosto do vinho nos lábios dela. Suas mãos não paravam, ansiosas por apalpar todas as partes macias: peitos, bunda, coxas, barriga, o monte entre as pernas. Estava cansado dos dias e noites passados com ela somente em sua imaginação. Colocaria dois dedos, depois três, arrancando-lhe orgasmos com a língua, sentindo-a se fechar, querendo fugir do prazer.
Com a camisa fora do caminho, a mão de Hinata não perdeu tempo em desfazer os cordames da calça e apalpar o membro duro. Ah, como sentira falta daquela rigidez. Queria-o em sua mão, nas duas, na boca e dentro, fundo, tão fundo quanto pudesse chegar. Poderia gozar só de pensar nas estocadas, mas já passara muito tempo pensando, queria senti-lo porque podia.
Sasuke tirou a faca de sua coxa e usou-a para cortar as amarras do bustiê do vestido. Hinata sequer pensou em dissuadi-lo, já era hábito que ele lhe arrancasse as roupas do modo mais rápido que conseguisse, por isso há anos deixara de lado os espartilhos.
Nua da cintura pra cima, assim como ele, Hinata se desvencilhou do abraço de polvo, soltando-lhe o membro com sofreguidão, para guia-los até a cabana. Poderiam fazer amor na areia, como mil outras vezes, mas havia uma cama a curta distância.
Sasuke a seguiu, pegando-a por trás quando chegaram à varanda, uma mão em cada seio, os mamilos duros no centro de suas palmas ásperas. Desceu uma das mãos para puxar-lhe a saia e um botão saiu voando, o tecido ficou pela varanda, assim como as botas de ambos.
Chegaram ao quarto de alguma maneira completamente nus. O capitão caiu de costas na cama, a princesa ficou por cima dele. Precisava estar nela, mas Hinata tinha outros planos primeiro. Sentou-se com as pernas abertas sobre dele, alinhou seus lábios e utilizou seus fluidos para lubrificar o membro da base à cabeça uma vez, então duas, na terceira intensificou o ritmo, já não era mais para fazê-lo entrar com facilidade, Hinata estava perseguindo seu próprio prazer.
Debruçou-se sobre ele sem parar o vai e vem, pegou-lhe as mãos grandes e as colocou de volta em seus seios para que as palmas roçassem seus mamilos e os dedos do capitão se puseram a girá-los e apertá-los no limite do doloroso.
Chegou ao primeiro orgasmo sozinha, podia senti-lo pulsando querendo acompanhá-la, e enquanto ainda estava se recuperando Sasuke aproveitou o estado maleável de seu corpo momentaneamente saciado para colocá-la deitada na cama, de lado, uma perna esticada entre as dele, a outra flexionada, e colocar-se para dentro em uma estocada. Hinata gemeu como se a entrada tivesse conseguido arrancar-lhe outro gozo, mas era o prazer de se sentir preenchida.
Sasuke gemia com abandono. Hinata adorava os grunhidos abafados. Deixou que lhe usasse, sabia que ele devia estar perto, sentira as bolas pesadas quando o apalpara na praia. Num lugar escondido bem no fundo, queria rir ao pensar no que sua preceptora diria de todas as coisas que Hinata aprendera, de todas as coisas que Sasuke lhe ensinara. Fechou a tampa do baú que continha esse pensamento tão rápido quanto a abriu, voltando ao presente.
Um olho negro e outro carmim a encaravam, o ritmo e a intensidade aumentaram, o que queria dizer que ele estava perto. Hinata apoiou-se com um braço contra a cama, o outro foi buscar a nuca de Sasuke e puxá-lo para perto. A mudança de ângulo fez com que ele acertasse algo dentro dela, ficando um gemendo contra os lábios do outro, rápido, entrecortado, até a semente de Sasuke se derramar.
Hinata não o soltou, sorvendo os arquejos. Sasuke não se afastou, provando do sal na pele.
Ficou dentro dela por todo o tempo necessário até voltar a enrijecer e ficaria dentro dela para sempre, se pudesse, uma pérola e uma concha.
I can't believe I can do this and more,
To swim in the sea like I walk on the shore.
Out of my shell, not closed up like a clam.
Look out sea, this is me, here I am!
(Posso nadar mais veloz que uma raia
Eu não nado no mar como ando na praia
Livre da concha que me aprisionou
Olhe mar, sou eu sim, aqui estou)
Hinata prestou serviços a bordo do Sharingan com os quais nunca sequer imaginara. Limpara o chão de todos os conveses, lavou as latrinas e os pratos, roupas sujas de todos os tipos de fluídos, serviu rum e cozinhou jantares, encerou cordames, costurou velas, camisas e peles, mediu pólvora, poliu armas e espadas, leu mapas, leu livros, ouviu estórias, ouviu canções, depois as cantou e quando começou a cantar, não a deixaram mais parar.
Certo dia, quando passaram ancorados por um tempo em uma das cidades não exatamente seguras, mas suficientemente negligenciada quanto à presença de indivíduos que navegavam com a benção de um Rei jamais coroado, Hinata avistou um correio e escreveu três cartas: uma para seu pai, curta e simples, uma para sua irmã, detalhada e enviada com um pseudônimo compartilhado entre elas, e uma para sua preceptora, detalhando como os ensinamentos dela eram úteis de maneiras inesperadas.
Os serviços envolviam seu corpo, mas não como imaginara meses antes quando Sasuke recebera a resposta do rei que fizera Hinata perder seu valor como escambo.
Nenhum dos marujos jamais a tocou. Eles queriam. Ah, sim, queriam, e até mesmo pediam, como o faziam também com Karin e Kaguya, e uns com os outros, mas a regra do navio de Sasuke era consentimento para todos os tipos de troca – ao menos quando estavam a bordo: uma faca por um olho de vidro, um livro por um unguento, uma história por uma pérola, um sim por uma noite compartilhada.
Fora, nas pilhagens, e a bordo de outros navios, com os pertences alheios, achado não é roubado e se foi roubado é porque foi achado.
Aprendera o "Twiddles" a primeira vez que encontrou com a armada de Uzumaki Naruto, Rei dos Piratas, e conheceu o mesmo pessoalmente. Ele era tão radiante quanto as histórias dos marinheiros e Hinata ficou encantada com ele, com a primeira imediata que também era médica, com o companheiro do Rei, capitão de seu próprio navio, de cabelos tão vermelhos que ele e Karin podiam ser irmãos não fossem os olhos de águas claras.
Festejaram até o amanhecer no convés do Rasengan, o maior dentre os navios, enquanto os capitães e seus imediatos estavam em assembleia. A canção foi cantada em conjunto pelas mulheres piratas presentes e mulheres apenas, com os homens acompanhando nas palmas e nos instrumentos. O ritmo e as palavras a divertiram tanto que Hinata aprendeu a música com rapidez, porque vivia se pegando repetindo os versos que fizera Tenten, mestra de armas da tripulação de Naruto, escrever-lhe.
Só tomou coragem para cantá-la em frente a tripulação do Sharingan semanas depois.
Tinha arranjado saias – sentia-se mais confortável com elas, embora não desgostasse de calças – e um novo corpete que usava por cima da camisa de forma a marcar menos sua pele.
Colocou-se no centro da roda quando a última canção terminou e os mais animados debatiam o que cantar em seguida.
O capitão, recostado ao mastro principal, sentado em um caixote, uma caneca entre os dedos, foi o primeiro a notá-la. Hinata sabia disso, porque estava olhando diretamente para ele também. Sem esperar, abriu a boca e cantou:
Ah, se ouve muita história de um marujo em alto mar
Que ele em cada porto uma noiva vai achar
Mas pense mais um pouco em tudo o que ouviu
É mais fácil uma mulher achar um mastro por navio
Hinata terminou a música suando e tremendo. Não tinha o hábito e nem era de sua natureza se colocar como o centro das atenções, mas sentia-se alegre, feliz, livre. Deixou o círculo e desceu para o convés inferior para encher sua caneca com água, já que lá em cima só contavam com rum, vinho e pinga.
Sobressaltou-se quando, ao virar, deu de cara com o capitão.
- Capitão!
- Hinata. – Ele devolveu como se ela o tivesse cumprimentado quando, na realidade, queria tê-lo socado no nariz por assustá-la.
- Sim?
Sasuke deu um passo para frente fazendo-a recuar um e dar com a traseira no barril de água.
- Quero propor uma troca. – Uma troca? O que ele poderia querer dela? Ele era o capitão, ela era só uma serviçal, sequer uma pirata de verdade, já que nunca participava ativamente das emboscadas e pilhagens. – Uma noite.
Oh.
Suas coxas se pressionaram uma contra a outra sem que pudesse ou quisesse impedir, seu peito arfou e os olhos dele seguiram o movimento.
- O que você quer em troca para dizer sim?
Teria dito sim sem precisar de nada em troca, mas ele era um capitão pirata, a barganha era o jogo, era a vitória. Precisava tornar-se vantajosa.
Lambeu os lábios e engoliu em seco, proferindo seu preço antes que perdesse a coragem:
- Que não seja só uma.
Stay a while and we'll dance together now
As the light is falling
We'll reel away till the break of day
And dance together till morning
(Fique um pouco e dançaremos juntos
Enquanto a luz cai
Vamos rodopiar até o dia raiar
E dançar junto até o amanhecer)
- Fique um pouco.
- Venha comigo.
Dois pedidos igualmente tentadores pelas pessoas atreladas a eles.
Hinata riu contra o peito dele e Sasuke continuou acariciando os cabelos compridos dela.
- Cantei o "Twiddles" antes de saber que você chegara.
- Uhn. – Ele flexionou a perna, apoiando o pé na cama, e fazendo com que a mulher subisse alguns centímetros para conseguir beijá-la, já que tinha a perna entre as dela. Hinata soltou um gemido de prazer e surpresa com a fricção do movimento. – Depois veio para a casa para praticar o "Twiddles".
Deixou que ele distribuísse beijos rápidos por seu rosto enquanto pensava em uma coisa.
- Eu não me importo... – Sasuke parou, buscou com o olho ônix os perolados. – Se você tiver uma noiva em cada porto.
Ao dizer isso, Hinata sabia que era verdade.
Sasuke só continuara salvando-a depois da primeira vez e era grata. O amor que sentia por ele era tão grande quanto o amor que aprendera a sentir por si mesma ao se dar conta de que poderia viver.
Sasuke refletiu por um longo tempo, tanto que Hinata acreditou que ele não fosse mais responder e voltou a deitar com a cabeça no peito dele, esperando que mudassem de assunto, mas o capitão voltou a falar:
- Dezesseis anos atrás eu fiz uma barganha com uma princesa. Pedi por uma noite e ela me deu toda uma vida. – Hinata fechou os olhos, o coração de Sasuke batia rápido contra seu rosto. – Até o fim dos meus dias vou procurar em todos os mares por tesouro de igual valor para saldar a dívida.
- Não vai encontrar.
- Então espero que ela se contente em ter meu coração.
[1] "Twiddles" é uma música do grupo Misbehavin' Maidens e traduzida parcialmente por ingridtorga no TikTok.