Nota de autor: Escusado será dizer, não sou terapeuta. Também não sou entrevistadora. Para o primeiro, tentei pensar na minha experiência com psicólogos e psiquiatras para ter uma base. Para o segundo, vou pôr as minhas inspirações no fim.
Mas independentemente das inspirações, também queria que isto fosse de uma certa maneira. É um fic pelas vibes. Espero que seja bom o suficiente. Há uma referência aos Pentakill pela graça.
E a Jinx não é fã de medicação por princípio. Por favor tenham isso em conta.
Esperem uma nota final muito grande.
Garota Distraída, caso leia isto, obrigada pelo seu comentário! Desculpe não ter visto logo, eu respondi mas não sei se as mensagens são bem enviadas no ffnet agora.
Quis acabar a tradução no final de 2023 para fechar isto este ano. Veremos como será no futuro.
Avisos: depressão, pensamentos suicidas
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- Olá, Jinx. Senta-te, por favor.
- Oi, Doc T. - Jinx fechou a porta silenciosamente e arrastou-se até à cadeira. A Dr Tira (ou Doc T) tinha uma Resting Smile Face que Jinx não gostava particularmente. Não era um sorriso ofensivamente alegre, só um simples e educado, mas estava sempre ali. Era provável que fosse para inspirar calma. Ou talvez para se manter a si própria calma. Quantos terapeutas tinham terapeutas? Uma data deles, de certeza.
Ficaram em silêncio por alguns segundos antes de a Doc T começar com um: - Como tens estado desde a semana passada?
- Meh. Na mesma.
- Passou-se uma semana inteira desde que lançaste o álbum. Não houve nada de novo?
- Oh, yá. Nesse aspecto, tem sido intenso.
- Imagino.
- Tipo, não consigo limpar a minha caixa de entrada. Caixas, no plural. E quero ler tudo mas é tanto, é difícil chegar a toda a gente. São tantos comentários! Passo horas no telemóvel e mesmo assim não limpo tudo.
- Isso é arrebatador para qualquer um, Jinx. Houve algum momento particularmente mau?
Ah, nada que atirar tinta contra uma tela ou ouvir uma música aos gritos em loop por três horas ou ficar deitada enrolada numa bola não resolvesse. - Ná, tenho-me safado.
- Tens alguém para te ajudar?
- Ná, sou só eu.
- Bem, com certeza as pessoas compreendem que tens tempo limitado e não consegues chegar a todos.
- Mas eu não sou uma artista grande, não 'tou na escola, tenho todo o tempo do mundo! Quero que as pessoas saibam que eu agradeço se me apoiarem!
A Doc T deu uns batuques no teclado. Porra. O que é que tinha dito? A escola? Devia ter chumbado o 11º ano por faltas, mas a directora de turma tinha feito alguma jigajoga para ela conseguir passar. Sabia porque Ekko e Lux lhe tinham dito. Não sabia o que ia fazer para o ano. E então. Quantos alunos desistiam da escola? O Vander tinha saído da escola. E ela estava a trabalhar na sua carreira. Muito melhor do que muita gente da sua idade podia dizer nesta economia, não?
- Na semana passada disseste que estavas a pensar fazer um quadro para te ajudar a lidar com o medo do lançamento do álbum. Ajudou?
A mostrar que se lembrava de coisas para estabelecer confiança. Até funcionava.
- Yá, fiz vários, mas este é o melhor - respondeu, tirando o telemóvel e indo à galeria para lhe mostrar a foto, esperando que ela dissesse algo mau ou parecesse desconfortável. O vómito de azuis e rosas a cair da cara vagamente humana não o tornava menos expressivo na sua intensidade devido às explosões de cor. Era desconcertante, de facto - Jinx achava-o libertador. E gostava bastante dele.
A Doc T acenou. - Boa. O que querias expressar com ele?
- Que se está a rebentar pelas costuras e não nos conseguimos libertar.
- Qual é o título?
- 'Sweet candy overdose'. Gosto de como as cores ficaram.
- São muito vibrantes. Usas tinta florescente?
Jinx sorriu. Era fácil agradá-la quanto o assunto era arte. - Sim! Quero tentar mais dentro deste estilo, talvez fazer tipo um booklet para o álbum se alguma vez tiver uma edição física.
- Interessante.
Yá, eu sei o que 'tão a pensar, ela só 'tá a dizer isso porque sim, ela acha que és esquisita / yá, mas ela também se sentou no chão ao meu lado no hospital quando havia uma cadeira perfeitamente boa ali ao lado, não foi?
- Acho que um booklet é uma óptima ideia. Mas não achas que tens demasiados projectos ao mesmo tempo?
Jinx guardou o telemóvel. - Acabei o álbum, por isso 'tou livre.
- Tens todos os comentários para processar, todas as mensagens.
- Não a percebo - reclamou Jinx, cruzando os braços. - Não é bom 'tar ocupada?
- É óptimo que estejas ocupada e tenhas um escape artístico. Mas alguns problemas precisam ser devidamente abordados e trabalhados. Só podes fugir deles até certo ponto, Jinx.
- Não é para isso que 'tou aqui?
- É precisamente por isso que estás aqui - concordou a Dr Tira. E para o demonstrar, a sua pergunta seguinte foi: - Tiveste notícias da tua família?
Jinx desviou o olhar.
- Eles sabem que lançaste o álbum? - perguntou a Doc T.
- Yá.
- Então eles mandaram mensagem.
- Yá.
- O que é que disseram?
Um encolher de ombros. - Gostaram.
- Disseste que a opinião deles era importante para ti. Ficaste contente com o que disseram?
Vi tinha ficado espantada com as duas novas músicas, e depois perguntado como é que ela se estava a sentir e como tinha estado. Claggor dissera que era um álbum sólido, e que perguntara se ela estava bem. Mylo dissera que estava fixe (Mentiroso) e que esperava que ela estivesse bem (Mentiroso). Ekko dera-lhe os parabéns.
Soubera através de Ekko que Vander e Silco também tinham ouvido. A mensagem fora desconcertantemente a mesma:
Estou orgulhoso
- Respondeste-lhes? - perguntou a Dr Tira quando Jinx não elaborou as palavras. Quando só recebeu silêncio, acrescentou: - O que é que temes que vai acontecer, Jinx?
Premindo os lábios, Jinx olhou para a porta. Em vez de responder, disse: - Vou fazer uma entrevista daqui a bocado.
A Doc deixou passar por agora. - A sério? Que bom. Já tens as perguntas?
- Yep. Não vou ter um ataque durante a entrevista.
- Tu adoras música. Porque haverias de ter um ataque
- Sei lá - encolheu os ombros. - Tenho ataques por tudo e por nada.
- Tens ataques quando és colocada sob stress.
- Achas que uma entrevista não é stressante? É a minha primeira oficial. Ele é um gajo conhecido, tem um canal grande no YouTube e foi o primeiro a vir falar comigo quando publiquei os singles, tipo... é buu~é stressante.
- Mas isso são óptimas notícias. A tua música já está a ser reconhecida.
Jinx afastou o olhar. - Acho que ele 'tá a gozar comigo. Acho que é só porque ele conhece os meus pais.
- Conhece?
- Falámos um bocado, e ele disse que já os entrevistou antes. Falámos das perguntas que ele me quer fazer, e ele perguntou com o que eu me sentia confortável a responder sobre eles, e sobre as minhas letras e no geral as cenas mentais.
- Estou a ver. Parece atencioso.
- Talvez. - Não parecia má pessoa, mas vai-se lá saber. Só sucker de nostalgia. Ou só quer ter a gaja boa. Ou só-
- Acho que estás a dar um passo muito corajoso. Estás a expôr-te a ti e à tua música e a falar sobre isso. É um grande passo, Jinx, e tens estado a trabalhar muito para chegares até aqui. Devias usufruir dos resultados desse esforço.
- 'Tou a tentar.
- O que é que vais falar sobre os teus pais na entrevista? - perguntou, e Jinx olhou para ela um momento sem responder.
- Só não quero ser vista como a miúda que só entra na festa porque os pais conhecem o dono.
- Achas que vão ver a tua carreira musical como nepotismo?
- Quero que vejam o meu valor por mim, por aquilo que eu faço. Mas na indústria é difícil não ganhar um rótulo e ter todo o teu trabalho menosprezado por causa disso. - Contorceu o rosto ao lembrar-se das palavras que se tinham gravados nas retinas que ela sabia que ia ter mas saber isso não o tornava menos irritante:
'a gaja acha que faz música so por causa dos rat nation ninguem ia falar desta merda se nao fosse o hound e o shark a tocar'
Olha, obrigadinha e vai à merda também, HardcoreJonnas7192. Espera só até eu 'tar de mau humor e faço-te doxx e mando-te um rato morto pelo correio ou assim.
Jinx fez beicinho a si mesma. Sê construtiva. Não é suposto pensares isso. Ele que se foda. Tens coisas mais importantes em que pensar.
- Metade dos meus comentários dizem que só tenho pessoas interessadas por causa dos meus pais, que sou só uma fedelha mimada que não tem talento nenhum.
- Podes ver isso de outra perspectiva. Tiveste excelentes professores e tiraste total proveito desse conhecimento para fazeres música que gostas. O que há de errado nisso?
- Nada. Não é como se eu o escondesse, eu queria que eles estivessem numa música escrita por mim. E os meus pais biológicos eram músicos, e dos bons, isso não é uma coisa má.
- Então isso é o que importa, Jinx. Sabes que vais sempre ter pessoas que não gostam do que fazes. Vão sempre existir pessoas que não gostam de ti por seres tu. Essas pessoas não têm de ser aquelas que ditam o teu valor.
- Yá, mas e se ele for um daqueles entrevistadores estúpidos que o Silco me avisou que quer mesmo saber e que só me quer lixar?
- Disseste que ele é bastante conhecido na tua comunidade. Ele parece ser má pessoa pelas outras entrevistas?
Jinx hesitou ligeiramente. - Não, ele parece fixe. Ele tem uma série de entrevistas com novas bandas para partilhar o trabalho delas, é aí que ele vai fazer a entrevista, nessa série...
- Vês? Parece-me ter tudo para correr bem.
- Mas como é que eu sei que não é só fachada? Que ele na verdade acha que eu não presto e não tenho talento nenhum?
- Não sabes, Jinx - disse a Dr Tira com simplicidade. - Já falámos disto. Infelizmente, não te posso dar um guia mágico que te deixa ver as intenções de todas as pessoas que conheces. Se te estão a mentir ou não. Tens de aprender a julgar por ti própria.
- Yá, mas a minha bússula 'tá toda lixada.
- É aí que a medicação pode ajudar-te.
Jinx resfolegou e olhou para as botas. Tinham salpicos de tinta e ela gostava de como tinham ficado.
- Ainda achas que a medicação não está a ajudar? - a Dr Tira sabia como interpretar certos silêncios e olhares.
Jinx encolheu os ombros. A Doc T tinha prescrito três tipos diferentes de comprimidos e ela, tipo, estava à espera que ela os tomasse. Ah. 'Tá bem. Jinx olhara para a receita, depois para ela e rira-se. Antidepressivos, antipsicóticos, comprimidos para a epilepsia que aparentemente funcionavam em doenças bipolares. Qual era exactamente o seu diagnóstico, perguntam vocês? Tudo, aparentemente. Tudo o que precisasse de ser calado com apatia quimicamente induzida. Já se tinha decidido mesmo antes de ver as contraindicações, o que também não tinha ajudado a ela ter uma opinião diferente.
Tinham sido precisas algumas tentativas da Doc T, com a sua conversa de doutora sobre os benefícios e assim, e tinha falado também com amigos online, e com a Lux. Não fora tanto cansá-la e mais Jinx a ter um momento mau e ter decidido que se foda e tomado um. Um, notem. Podia ter tomado a caixa inteira e teria sido adeus bye bye. Mas ainda estava viva, por isso supunha que estava ok. A safar-se. Não se tinha sentido magicamente bem, mas também não se sentira pior. Qual era a razão para os tomar se eles não resolviam nada? Por isso ela tentava, às vezes. Para ver se ajudava.
Jinx tinha o seu próprio diagnóstico. Tinha as sinapses mal ligadas. Não dava para alinhar. O sistema estava todo rebentado.
- Tomo os comprimidos quando me lembro.
- É melhor tomar todos os dias à mesma hora.
- 'Tou a tentar. Eu esqueço-me.
- Sei que tens muita coisa em que pensar. Podes pôr um alarme. Ou pedir a um amigo para te ajudar, mandar-te mensagem.
Conhecia muitas pessoas que iam querer ter esse papel. Mas não falava com eles há mais de um mês.
- Evitaste falar da tua família - a Doc T não deixou isso passar durante muito tempo. Jinx quase quis voltar a fazer beicinho. - Já estiveste com alguém?
Remexeu-se. - Ainda não.
Um som de concordância. - O que receias que vá acontecer, Jinx?
Olha, foda-se. O que é que ela receava que fosse acontecer? O que é que receava que fosse acontecer?! Tipo, o que é que podia acontecer se ela estivesse com a pessoa a quem tinha dado um tiro no peito, ou a pessoa que ia ser presa por quinze anos por causa disso?! Ou a pessoa que lhe mentira e se magoara porque ela não tinha ficado calada?
O que é que podia acontecer se fosse ao hospital e um bófia qualquer a apanhasse porque ela estava considerada desaparecida? Porque queriam o depoimento dela e ela tinha desaparecido?
O que é que podia acontecer se Mylo lhe pusesse a vista em cima?!
Tipo, o que é que podia correr mal?!
A Doc T estava a olhar para ela com a mesma expressão calma. Como se Jinx não tivesse estado a gritar na sua cabeça para evitar gritar-lhe na cara.
A medicação só a fazia parecer menos histérica. O resto estava tudo exactamente no mesmo sítio. Que ajuda, hã?
- Eles não me vão querer ver.
- Disseste que continuas a receber mensagens deles. Acho que te querem ver.
- Não, não querem.
- Porque é que tu não os queres ver?
- Porque não quero ver a desilusão deles. - Vêem, até tinha resumido a coisa bastante bem.
- A tua irmã saiu do hospital. Podes visitá-la num lugar público, se te sentires mais segura.
- Porque é que isso me havia de fazer sentir mais segura? Posso passar-me com audiência ou sem audiência.
- Os teus pais vão para a prisão quando tiverem alta do hospital. Não achas que seria melhor para ti falares com eles antes disso?
- Para eles poderem ter assistência médica caso lhes dê um ataque cardíaco ou assim? - disse Jinx sem humor. A Doc T não se riu.
- Da última vez que viste os teus pais, eles tentaram-se matar um ao outro. Tens essa imagem gravada no teu cérebro. Precisas de sair desse espaço na tua cabeça, Jinx. Precisas de dizer às pessoas como te sentes. O que aconteceu não foi por tua culpa.
Mas ESSA É A QUESTÃO, PORRA! FOI! POR ISSO É QUE NÃO OS POSSO IR VER!
- Precisas deitar isso tudo cá para fora, Jinx - disse a Dra Tira, inclinando-se para a frente na cadeira e apontando para a linguagem corporal que conseguia ler como um livro aberto. Jinx fulminou-a com o olhar, o maxilar e os braços tensos e apertados para manter aquilo controlar, lágrimas a reluzir nos olhos. - Se não consegues dizer-lhes a eles, então precisas dizer-me a mim. Podes gritar comigo o quanto quiseres.
- Não, não posso.
- Porque não estás zangada comigo?
- Eu não 'tou zangada com eles! - rosnou ela, sentindo as lágrimas desejosas de cair.
- Tens todo o direito a estar zangada, Jinx. Eles magoaram-te de muitas maneiras.
- Não consegues perceber que foi por causa de mim?! - rebentou Jinx e a sua visão aclarou. - Foda-se. 'Tou zangada comigo e não quero vê-los zangados comigo mas eu mereço!
A Dra Tira encostou-se na cadeira. - Ok. Já estivemos aqui antes. És culpada por tudo ter descambado. Desde quando, Jinx?
- Como assim, desde quando.
- Quando começaste a dar cabo de tudo? Quando os teus pais decidiram que, para resolverem os seus problemas, que aparentemente começaram antes de tu sequer viveres com qualquer um deles, eles se deveriam atacar um ao outro? Quando a tua irmã decidiu proteger-te independentemente dos teus desejos? Quando a tua família discutiu entre si por causa dos seus próprios problemas? Quando foste adoptada pelo teu pai Silco? Quando os teus pais biológicos morreram? Quando nasceste?
- Cala-te - soltou Jinx sem pensar, atirando a cabeça para o lado. Já era mau o suficiente que estivesse a chorar outra vez, não precisava de lhe dar vista privilegiada, ela já devia estar farta.
- És culpada de tudo, Jinx. Já reparaste nisso?
Olha, foda-se, já, obrigadinho! - Ias adorar o meu irmão Mylo.
A Dra Tira cruzou as pernas e entrelaçou as mãos. - Acompanha-me neste raciocínio. Contaste-me que costumavas dormir com o teu pai Silco.
- Eu já te disse-! - começou Jinx, mas a Doc T travou-a.
- Não é essa a minha questão. Eu acredito em ti. Pelo que me contaste, acredito que o teu pai te adora, e te educou da melhor maneira que soube. Isso não quer dizer que ele tenha feito o melhor para ti. Alimentou certos comportamentos que não eram saudáveis para nenhum de vocês, e enquanto adulto, deveria ter estabelecido mais limites.
- Não reagiste quando te contei, porque é que 'tás a puxar o assunto agora?
- Porque percebi que não havia nada de sexual no acto, mas sim a mais básica necessidade de segurança que deveria ter sido trabalhada com um psicoterapeuta há muito tempo.
- Não 'tou a perceber.
- Sabes o que é desenvolvimento emocional atrofiado?
Jinx parou. - Hã?
- Acontece quando sofremos um evento traumático em algum momento da nossa infância. Essencialmente, a nossa idade emocional fica presa nessa idade.
- 'Tás a dizer-me que sou uma criança?
- Estou a dizer-te que mostras sinais muito claros de ter experienciado trauma numa idade demasiado jovem para seres capaz de o processar. Vários traumas, na verdade, o que torna isto ainda mais complexo. Reflecte-se nos teus relacionamentos e explicaria, por exemplo, o teu comportamento com o teu pai adoptivo, que pode parecer talvez inapropriado, ou problemático, para os outros, mas faz total sentido no contexto. Explicaria o teu apego à tua irmã, ou, na verdade, com qualquer pessoa na tua vida. Os teus pais, o teu namorado. A tua necessidade compulsiva de validação, e de assumir responsabilidade em todos os aspectos importantes da tua vida.
- Mas se sou uma criança, não ia querer ter responsabilidade nenhuma - tentou Jinx notar, fungando.
- Pelo contrário. És uma criança assustada que não consegue entender o mundo à sua volta. Por isso, para tentares encontrar algum sentido, interpretas que todos os problemas que acontecem são por tua culpa. Porque senão, foste só mesmo uma vítima de circunstâncias que não podias controlar. E isso é muito assustador. Coloca-te de novo no lugar da criança que perdeu os pais de um dia para o outro. Que continua a perder pessoas apesar de todos os seus esforços, como o que aconteceu com o incidente com a tua irmã. Mas a questão, Jinx, é que às vezes coisas más acontecem independentemente dos teus desejos ou acções.
Jinx voltou a fungar. Olhou para a Doc T durante uns momentos. Estava mesmo a dizer-lhe aquilo que ela achava?
- Então, 'tás basicamente a dizer-me que 'as merdas acontecem'?
- Sim, Jinx. Precisas de perceber que às vezes, as merdas acontecem.
Bem. Não tinha resposta para aquilo.
A Dra Tira estendeu-lhe uma caixa de lenços. - Para a semana à mesma hora, Jinx. Acho que fizemos bastantes progressos hoje.
Bem, que boa ideia deixá-la sozinha a processar aquilo tudo! Jinx tirou um de muitos lenços - pelo menos uma daquelas caixas já tinha esvaziada por ela durante todas estas sessões - e esfregou os olhos, esborratando a maquilhagem. Mas era ok, era um Look™ que já tinha abraçado.
- Quando falares com os teus pais, especialmente o teu pai Silco, devias aconselhá-lo sobre o quanto poderia beneficiar de terapia - disse a Doc T.
- Ah, boa sorte com isso - riu Jinx, assoando-se. - Ele acha que terapia é para os fracos.
- Alguma vez pensaste porquê?
Encolheu os ombros. - Consigo pensar numas quantas razões. Ele não gosta de fraqueza. Cria aberturas para as pessoas te atacarem.
- Podes sugerir que ele procure aconselhamento na prisão. Poderia ajudá-lo muito. E o teu pai Vander também. Ele parece ter problemas de controlo de raiva que não devem ter sido totalmente resolvidos.
Jinx deixou o consultório da Doc T sentindo-se ligeiramente atordoada. Bem, não era exactamente uma sensação nova, mas muitas das vezes sentia-se só drenada até ao tutano. E aliviada. Hoje, era... uma mistura estranha de tudo. Tipo, ela não dava azar? Ah. Isso não parecia estar certo. Não parecia nada certo. Tinha demasiado azar na puta da vida para ser só uma coincidência estúpida. E então daquela vez que ela quase rebentara com a casa deles? Aquilo tinha sido uma acção directa dela, por mais que tivesse sido sem intenção. Às vezes os miúdos fazem asneira? As merdas acontecem? Ná.
O consultório particular da Doc T não era no Janna Central. Fora o único motivo para Jinx aceitar ter consultas com ela. Tinha de apanhar dois autocarros para vir para aqui de Zaun, mas no geral era uma hora de caminho que conseguia fazer sem grandes problemas. Hoje, no entanto, precisava chegar a casa a horas, por isso checou o telemóvel e, ok ok, ia dar tempo para tudo. Podia chegar a casa, relaxar, beber uma bebida energética e fazer a entrevista. Estava a fungar e distraída a limpar o canto do olho onde a maquilhagem derretera, por isso não ouviu a primeira vez que a chamaram. Quando olhou para cima, viu alguém atravessar a rua na sua direcção.
Travou. Segundo choque.
- Jinx! - ele tinha o maior sorriso que se recordava de ver no seu rosto, de pura felicidade. Talvez quando brincavam à apanhada em miúdos e ele conseguia apanhá-la. Ou quando tinham ido àquele cat café a primeira vez. Agarrou-a e abraçou-a com tanta força que quase lhe levantou os pés do chão.
- Ekko.
- Não acredito que és tu! O que 'tás a fazer para estes lados?
- A minha psiquiatra - respondeu, sorrindo instintivamente quando ele a soltou. A sua mão fixou-se no braço dele sem ela reparar.
- 'Tás a ter terapia? A sério?
- É. A sério.
- Isso é óptimo! - disse ele com entusiasmo. Não parecia saber onde focar o olhar na sua felicidade. - Isso é mesmo bom. Como 'tá a correr?
- 'Tá... bem? 'Tá a correr bem. - Apercebeu-se que o estava a segurar e soltou-o. - O que 'tás a fazer aqui?
- 'Tou aqui com o pessoal - disse Ekko, apontando para o outro lado da rua. Metade da sua crew estava ali, a falarem entre si enquanto esperavam por ele. Eve acenou-lhe, e Jinx acenou de volta. - Vamos 'tar com outra crew. Mal podia acreditar que eras tu, qual era a probabilidade?
- Ah, yá - concordou Jinx, sentindo-se tola. Não estava nada à espera de o encontrar. Ele parecia estar... bem. Tinha novas missangas no cabelo, e estava a usar uma tshirt que ela tinha quase a certeza terem comprado juntos. Parecia radiante em vê-la.
- Como tens 'tado? Tudo bem? - Ele apontou casualmente para o seu olho esquerdo. Jinx apercebeu-se o que ele queria dizer e instintivamente espelhou o movimento para a sua maquilhagem esborratada.
- Oh, yá, yá, 'tou bem, só, tipo, tu sabes, cenas normais. Nada fora do habitual. Coisas boas, na verdade - continuou a tentar dizer para se certificar que ele não se preocupava. Depois, não sabia o que dier mais, por isso disse a primeira coisa que lhe veio à cabeça. - Hã, desculpa, eu 'tou com pressa-
Sentiu-se imediatamente culpada quando viu a expressão dele esmorecer. - Oh. - Ele assentiu. - Ok.
- Quero dizer, vou ter uma entrevista! Por causa do álbum. É por isso que tenho de ir.
- Holy shit, a sério? Isso é brutal! - o rosto de Ekko voltou a iluminar-se. - Com quem vai ser?
- Com o HeavyPetruMetal, aquele gajo com a barba e que tem aqueles bilhetes e fotos todas na parede, lembras-te?
- Holy shit, 'tás a falar a sério? Ele não tem tipo 100 mil seguidores?
- Ah, yá, quase...
- Isso é tão fixe! - Não se conseguiu controlar e voltou a abraçá-la na sua excitação. - Parabéns! Liga-me a dizer como correu, ok?
- Yá. Yá, eu ligo - assentiu sem pensar. - Eu ligo-te.
Ekko sorriu de novo, tomando um momento só para olhar para ela. Ela parecia... cansada. As olheiras perpetuamente presentes delineavam os seus olhos azuis mesmo sem a maquilhagem esborratada, e ela parecia um pouco mais magra desde a última vez que a vira, o que era digno de nota. As raízes do cabelo tinham crescido. Estava a usar uma bandolete com picos hoje, e tinha dois elásticos com picos também nas tranças para fazer conjunto com as pulseiras e completar o modelito preto, mas as unhas estavam pintadas com o seu característico azul e rosa para contrastar, assim como a tinta que lhe salpicava as botas. Estava a usar um novo fio enrolado à volta do pescoço como uma gargantilha personalidade e estava só... continuava a ser a miúda mais gira que ele já vira.
Queria tanto abraçá-la, mas não queria forcá-la. Já o tinha feito duas vezes, mas só agora se apercebera disso e receava ter atravessado uma linha invisível. Em vez disso, foi Jinx quem o abraçou: um aperto rápido e nervoso que se prolongou quando chegou o momento de se afastar.
Jinx não abraçara ninguém a não ser a si própria há quase dois meses. Ele cheirava tão bem. Era uma sensação tão boa. Como quando ficavam a preguiçar nos seus quartos simplesmente perto um do outro, a falarem sobre tudo e sobre nada. Fora há tanto tempo, e há tempo nenhum. Queria ficar ali para sempre.
- Tchau - disse em vez disso, dando-lhe um rápido beijo na bochecha e meio andando/meio correndo pela rua abaixo sem olhar para trás para ele ou algum dos amigos da crew. Por uma vez, teve sorte (sorte? Se calhar às vezes acontece merda, e outras vezes não?) e o seu autocarro chegou assim que estava paragem e ela entrou logo.
Os seus pensamentos andaram por todo o lado durante a longa viagem de regresso a casa. Ekko nunca tinha parado de lhe mandar mensagens durante as últimas semanas, contando-lhe como estavam as coisas e como estavam todos. Quase lhe tinha respondido tantas vezes, mas nunca soube onde começar e deixou as mensagens no 'visto' como resposta que dizia sim, estava viva. Sim, estava em segurança. Sim, estava a criar. Sim, estava ocupada.
Sim, estava sozinha.
Não, não estava bem. Mas também não estava mal. Simplesmente estava. Com tudo abafado e afogado debaixo de muita música e tinta.
Estava melhor do que estaria se tivesse enfrentado qualquer um deles, independentemente do que a Doc T dizia.
O mundo fora da sua bolha de música e arte era caótico. A bófia estava à procura dela para testemunhar contra Silco. Tinham tentado seguir aquela alegação de pedofilia, mas precisavam dela para isso. Pelo que Ekko lhe dissera, a Renata (já a tinha conhecido, mas provavelmente só a tinha visto uma meia dúzia de vezes, como o Doutor) estava a lidar todas as acusações, mas ele dissera-lhe estar confiante que ele ia apanhar prisão por qualquer coisa. Também estavam à procura dela por causa do pedido de custódia de Vi.
A sua vida nas últimas semanas tinha sido basicamente resumida a Zaun, com a única excepção sendo as sessões de terapia. Até agora, não tivera nenhum encontro com a polícia, e a Doc T não tinha alertado as autoridades sobre as consultas. Provavelmente deveria tê-lo feito, mas se isso tivesse acontecido, Jinx teria desaparecido do radar de vez.
O mundo dentro da sua bolha de música e arte também estava caótico.
Depois de se ter esgueirado pelo Janna Central e ter surripiado as chaves do esconderijo ele em Zaun, tinha-o tornado seu, usando o dinheiro que Silco ali guardara. Sozinha pela primeira vez, uma quase-adulta responsável com muitos problemas e uma pistola.
Sim, Jinx andava armada agora, uma arma a sério na mochila. Bastante mau se fosse apanhada pela bófia, mas bastante útil nos Subúrbios. Não que ela já a tivesse usado.
Bem, tinha tentado usar uma vez.
Tinha vivido mais ou menos sozinha. Mantinha-se em contacto com o pessoal de Silco para algumas coisas. Yá, isso incluía Sevika.
Yá, fora tão complicado como imaginam.
Sevika tinha-a encontrado sem grande esforço; Silco devia ter-lhe dito. Para que outro lado haveria ela de ir, não era? E sejamos honestos, Sevika controlava aquelas ruas tal como Silco. O paradeiro da Rapunzel de cabelo azul haveria de lhe chegar aos ouvidos de uma maneira ou de outra. A intenção fora comunicar através de Lock a princípio - longe de ser o mais furtivo dos homens de Silco, era quem tinha mais paciência e resistência para lidar com a fúria assassina de Jinx por Sevika. Mas depois de uma longa 'conversa' (lê-se: Jinx usar a arma de Silco e quase ter o braço arrancado como pagamento, mas Sevika aprendera bem a lição da última vez), tinham chegado a uma acordo: Sevika iria vigiá-la a mando de Silco, quer Jinx gostasse ou não, certificar-se-ia que o senhorio da casa seria contactado e todas as despesas que Silco até aí mantivera para si seriam cobertas. Tirando isso, precisavam tanto de se ver como precisavam de levar uma tareia. Podiam falar por mensagem pelo segundo telemóvel que ela entregou a Jinx para alguma emergência. Podiam continuar as suas vidas muito longe uma da outra.
Jinx sentia ocasionalmente a necessidade foder a cabeça de Sevika. Arranjar problemas em Zaun, ou ser insuportável com pedidos. Até estar distraída, chateou-a incessantemente por uma série de materiais que precisava (muitos dos seus pertences tinham sido estupidamente confiscados pela polícia, e Renata tivera de fazer o seu malabarismo legal para as recuperar e para poderem depois ser confiscados pelos homens de Silco), e por um estúdio ou uma garagem onde pudesse tocar e gravar bateria. Mas assim que pôs as mãos na sua guitarra e computador, focou-se em si própria, demasiado ocupada na sua cave a criar música para pensar na estúpida da Sevika. Passou aquelas semanas com o único propósito e dedicação de completar alguma coisa. Era como se a sua vida dependesse disso - e de muitas maneiras, dependia.
A Doc T podia ajudar e fazê-la de facto trabalhar nos problemas e afins. Mas era meia hora por semana. Jinx tinha as outras cento e sessenta e sete horas e meia para lidar consigo própria. Precisava de dar sentido e forma aos seus pensamentos e sentimentos.
Era como ela dissera: as coisas não estavam bem. A sua cave era o caos. Mal cozinhava, preferindo qualquer refeição pré-feita que apanhava ou vivendo à base de líquidos quando calçar-se e sair era demasiado difícil. Não mudara os lençóis da cama uma única vez desde que se mudara para ali. Só tinha mesmo pedido para lhe trazer os instrumentos de casa, não tinha roupas, nem maquilhagem, nem verniz. Comprara os essenciais, um par de botas e tipo três modelitos diferentes que ela misturava e multiplicava até ao infinito. A maior parte do tempo, limitava-se a usar a mesma roupa como pijama durante dias. Manter o cabelo era difícil.
Era difícil explicar tudo aquilo a Ekko. Ainda mais difícil explicar a Vi. Por isso mantivera-o no mínimo. Ainda era difícil pensar neles. Era só... havia demasiado a dizer. A pensar. Demasiado.
Já estava em Zaun quando os seus pensamentos a trouxeram de volta ao presente. Tinha de ir fazer a entrevista. Ainda tinha uma hora, por isso não deveria haver problema. Estava a reler as mensagens com o tipo, onde ele lhe dissera os tópicos gerais que ele queria falar com ela, quando passou numa merceariazinha a caminho de casa e comprou uma bebida energética fresca. O velhote normalmente carrancudo até lhe lançou um sorriso quando ela pagou e desejou-lhe um bom dia, fazendo Jinx seguir caminho também com um sorriso. Estava a meio da lata de cafeína adocicada quando desceu as escadas para sua casa e fechou a porta atrás de si. O seu pequeno cantinho do caos recebeu-a com o seu ar abafado e pilhas de loiça para lavar. O quarto estava ainda pior, com coisas espalhadas no chão onde ela as deixara para arrumar depois/eventualmente e todas as suas roupas atiradas para o canto da cama à espera que ela as dobrasse.
Bem, ainda bem que a entrevista era pelo computador. O seu covil de génio louco podia ficar protegido dos outros.
Tinha-se aparaltado para a entrevista hoje (o que fora útil para encontrar Ekko tão ao calhas), e foi confirmar se ainda estava tudo bem no espelho. Depois enquanto estava a terminar de preparar o portátil e se certificar que a ligação estava boa, uma sensação de desgraça iminente decidiu cair sobre ela.
Ia fazer uma entrevista a sério. Tipo, com perguntas, que pessoas a sério iam ver. Ia ter de falar com alguém. Quem é que haveria de querer vê-la? Ouvir o que ela tinha para dizer? Iam gozar com ela e dizer que não prestava. Ia ficar toda atrapalhada nas palavras. Iam ver o quão danificada ela era e gozar com isso e-
Não, não, concentra-te, concentra-te. O que é que a Doc T tinha dito? Adorava música. Podia passar horas a falar disso. Conseguia falar uns vinte minutos. Até conseguia torná-lo interessante. Ia conseguir. Eu consigo fazer isto.
Yá, eu consigo fazer isto.
Consigo concentrar-me. Não consigo?
Hã.
Se calhar não consigo fazer isto. Ia só despejar traumas e ser uma seca e nada focada e-
Concentra-te, porra.
Merda. Se calhar devia ligar a alguém antes. Falar sobre isto com alguém. A Lux? O Ekko? O Ekko ia estar ocupado, e a Lux estava ocupada a fazer umas cenas, não iam atender.
Merda, merda, merda, ia passar-se, aaaa, vou passar-me...
Ok, respira, 'tá tudo bem. 'Tá tudo bem. É a tua primeira vez. É normal estares nervosa. Certo? De certeza que eles também estavam bastante nervosos na primeira vez deles.
Aí está uma ideia. Jinx afastou o pc para o lado e foi ao armário, arrastando a caixa de miscelânea de Silco e procurando a revista de Maio de 2000 da LoudMess. Tinha sido a primeira entrevista oficial deles; de certeza que estavam nervosos, mas tinham conseguido. Podia tirar algumas dicas.
Pegando numa pequena caveira de plástico que Silco atirara lá para dentro a fazer as vezes de um brinquedo anti-stress, sentou-se na cama com o computador a seu lado. Era certamente diferente estar numa banda badass com quatro amigos de estar sozinha numa cave a beber uma bebida energética e a remexer num boneco de plástico. E eles também eram mais velhos que ela. Claro, ela já não era uma miúda (na verdade...) mas isto era mesmo assustador. E se ela fizesse asneira? Podia editar-se, certo? Não ia ser em directo. Eles provavelmente também tinham tirado coisas da entrevista deles na altura. Mas e se o tipo fosse um idiota? Não confiava em si própria para lidar bem com isso. Não ia dar cabo de tudo se se passasse num vídeo?
Afastou-se dessa ideia aterradora e releu a entrevista por alto, espreitando as perguntas que a Mãe tinha respondido. Ela parecia mesmo confiante, partilhando os seus pontos de vista nas músicas e um parágrafo inteiro sobre a mensagem política deles.
Jinx não tinha mensagem política. Não acreditava em nada com convicção suficiente para lutar por isso, muito menos encorajar outros a fazê-lo. Só queria expressar-se e sentir-se menos horrível com aquilo tudo. Fazer alguma coisa que fizesse as pessoas ficar 'damn'. De preferência de uma maneira boa.
LoudMess: Alguma coisa que gostassem de dizer aos vossos fãs?
Hound: Esperamos que a nossa música ressoe em vocês.
Benzo: Obrigado a todos os que têm estado connosco até agora. Temos grandes novidades a caminho!
Shark: Continuem a lutar por aquilo em que acreditam.
LoudMess: Só vos quero agradecer por esta excelente entrevista. Mal posso esperar para vos ouvir ao vivo!
Plague: Obrigado, meu! Muito obrigado, mesmo.
Death: Vamos dar-vos um espectáculo que não vão esquecer!
Bem... seria fixe que a música dela ressoasse nas outras pessoas, mas isso não seria também um bocado mau? Essas pessoas teriam passado por maus bocados. Mas sabia bastante bem ouvir algo que uma pessoa sente em voz alta. Yá, seria fixe. Não era o seu objectivo principal, mas talvez um efeito secundário agradável? Um acidente feliz?
Um anti-azar?
Ah.
Bem, a entrevista correra bem com eles. Esperemos que corresse bem com ela também.
Se não...as merdas acontecem.
Um pop-up apareceu no ecrã, sobressaltando Jinx. Oooh bolas. Aqui vamos. Estava na hora.
Colocou o portátil no colo e aceitou a chamada.
Ficou a olhar para a própria câmara, apertando a caveira de plástico na mão como se fosse um boneco anti-stress nada apertável enquanto esperava que o lado dele fizesse feed. O ecrã ficou preto por um segundo, e depois um tipo com um aspecto muito old school heavy metal apareceu.
- Oi! - cumprimentou Petru bem disposto. Devia ser mais ou menos da idade de Vander, com uma grande barba salpicada de branco e o cabelo preso num rabo de cavalo, a usar uma tshirt dos Pentakill. Na verdade dava ares ao Vander de um certo ângulo, por causa da barba e do físico. O fundo familiar dos seus outros vídeos, com um mural impressionante e sempre em crescimento de bilhetes de concerto e fotos de bandas autografadas ou selfies, emoldurava-o no ecrã. - Como 'tás, Jinx, tudo bem?
- Oi! 'Tou um boca~diiinho nervosa, não vou mentir.
- Vai correr tudo bem - garantiu-lhe ele. - Não vou afastar-me das perguntas que falámos, por isso não te preocupes, não precisas sentir-te nervosa. Foi como te disse. Só estamos a ter uma conversa. Corrige-me se disser alguma parvoíce, ok?
- Igualmente.
- Lembra-te, isto é a tua entrevista, não vais fazer nada de mal. - Pegou uma lata de água e deu um gole, fazendo Jinx sentir-se subitamente com sede também. Quantas vezes já vira pessoas com garrafas de água em entrevistas?! Argh, devia ter pensado nisso- - Pronta?
- Yá!
- Ok, vou fazer a minha intro e volto já a ti, ok?
- Yep.
Petru clicou algumas vezes do seu lado e começou com uma voz cativante de um tipo que gostava genuinamente do que fazia. - Olá a todos! Hoje no nosso "Newcomers of Hell" tenho o privilégio de receber a artista que têm todos de pôr nos vosso radar: Jinxed, uma one man - ou neste caso, one woman - band que é difícil de classificar como um só estilo. O álbum do mesmo nome dá-nos não só black metal depressivo, não só death metal melódico e metalcore em certos momentos, mas em vez disso dá-nos uma jornada fluída por uma paisagem mental usando metal como meio para um fim. Estou aqui com a dama em pessoa, Jinx! Muito obrigado por aceitares o convite.
- Obrigada pelo convite! Oi! - Jinx sorriu abertamente para esconder o nervosismo. Apertou tanto a caveira de plástico que ela saiu-lhe disparada da mão. - Oh bem, lá se vai aquilo.
- Estou super contente por te ter aqui. Antes de começarmos, desculpa mas tenho de perguntar... - Oh meu, aqui vamos nós, logo para abrir, pensou de imediato, porque é que achei que ele não ia-, mas antes de poder acabar o raciocínio, ele fê-lo por ela: - Quão comprido é o teu cabelo? Porque c'um caraças...
Jinx soltou uma risada surpresa. - Ah! Aw, meu, chega-me tipo aos tornozelos, mas eu sou portátil, por isso...
- Aos tornozelos, isso é uma pessoa inteira de cabelo! - disse ele a rir enquanto Jinx ajustava o pc para para poder puxar as tranças e mostrar o comprimento. - C'um caraças, preciso de te pedir umas dicas, porque porra, eu pensava que o meu era comprido!
- É raiva pura, meu. É esse o segredo.
Riram-se os dois. - Bem, se a música não correr bem, podes ganhar dinheiro com dicas capilares, mas sinceramente, não acho que isso vá acontecer tão depressa, porque tu és uma artista extremamente talentosa. - Não o disse com uma nota de sarcasmo, parecia tão sincero como nas suas outras entrevistas. - Lançaste o teu primeiro álbum a semana passada. Não tens nenhuma editora, és uma artista self-made. Escreveste tudo, todas as músicas, todas as letras, tocaste todos os instrumentos com a excepção de uma faixa que vamos falar mais à frente. Até desenhaste o logotipo e fizeste a arte da capa! És o pacote completo e só tens dezassete anos! Conta-nos... qual é a origem do Jinxed? Que música querias criar?
Ok, as perguntas estavam a começar, concentra-te... - Ok, então, Jinxed é... um expressar de sentimentos e emoções que não sabia como processar de outra forma. Sempre fui artista no sentido de precisar de ver coisas ganharem vida, ter algo palpável que criei com as minhas mãos, 'tás a ver? Fazia ceninhas quando era pequena, arranjava as minhas bonecas com todo o tipo de materiais, desenhava e pintava e escrevia poemas, ou o que fazia as vezes de poemas quando era miúda, altero as minhas roupas... Música era só mais uma parte natural. Os acordes de uma guitarra ou uma batida, ouvir aquilo ganhar vida, limpa a mente. Ver algo que tens dentro de ti materializar-se por palavras e som é tipo... a alma fica mais leve quando se consegue tirar alguma coisa que te 'tá a fazer mal e lhe dás forma. Dessa maneira, consegues controlá-lo. O Jinxed é esse controlo, ganhar o controlo das coisas que são más e que agora dominas, tornaste-as tuas.
- Uau, yá, 'tou a ver. Sempre gostaste de metal, foi uma escolha natural para ti quando começaste a criar a tua própria música?
- Yá, sempre. Na minha família eram todos metaleiros, cresci a ouvir todo o tipo de metal, mas a onda mais pesada foi definitivamente o que resoou comigo quando comecei a criar a minha música, era o que parecia mais certo para o que queria tirar do meu sistema, 'tas a ver? Há um certo tipo de som que se encaixa melhor com aquilo que sentes, n'é? O meu primeiro instrumento foi a guitarra e é aquele com que me sinto mais confortável, e comecei a aprender riffs dos Rat Nation porque eles eram tipo, os melhores dos melhores para mim, 'tás a ver? Mas queria mesmo aprender a vocalizar em palavras concretas os sentimentos que tinha, por isso aprender a gritar e a colocar a minha voz foi todo um processo de tentativa e erro. O meu pai queria arranjar-me vocal coaches e cenas assim, mas eu aprendo ao meu próprio ritmo, sabes? Por isso passava horas no YouTube a aprender dicas de tutoriais, a tentar treinar a voz para growls e fry screams, a comparar-me com o meu pai, obviamente, mas a fazer as minhas experiências... Depois aprender a trabalhar com uma DAW, e todo o processo que isso foi...
- Começaste a tocar música muito nova. Como se não fosses nova agora, eu sei, mas tipo, ainda mais nova.
- Bem, eu costumava brincar com a guitarra da minha mãe, mas só comecei a aprender a tocar a sério quando tinha dez anos com o meu pai, e comecei a publicar no YouTube talvez uns três anos depois, e depois no TikTok mais ou menos nessa altura? Por isso era bastante nova, yá. Primeiro eram só covers, mas escrevi a minha primeira música quando tinha onze e acho que só publiquei uma original quando tinha... catorze? O meu canal do YouTube tem imensas demos bué embaraçosas dessa altura, mas tipo, fazem parte do processo, e é importante para mim vê-las e ver onde eu 'tava a altura.
- Começar tão nova nas redes sociais, quais foram os maiores desafios que enfrentaste?
- A princípio o meu pai era o meu mod, e eu publicava alguns vídeos a tocar com ele para as pessoas serem menos horríveis, mas sabes como é, há sempre haters em todo o lado. Tive o factor fofinho durante um tempo, o que funcionou quer a meu favor quer contra mim, mas acho que algumas pessoas começaram mesmo a respeitar-me enquanto música quando comecei a ficar mais consistente e comecei a partilhar canções originais, mesmo que fossem terríveis. Mas no geral, o meu pai filtrava a maior parte das coisas quando eu era mais nova e desde aí normalmente uso a raiva que sinto com alguns dos comentários para fazer mais música, por isso é só ganhar. - Petru riu enquanto Jinx encolhia os ombros com um sorriso. - Mas recebi feedback positivo nas minhas demos ao longo dos anos, tipo, eram as mesmas pessoas em cada um dos meus vídeos, o que era tão fixe. E agora com o álbum, o feedback tem sido na maioria positivo.
- É óptimo ver uma artista crescer assim, começar de tão tenra idade, e depois ver os primeiros frutos desse crescimento com o teu primeiro álbum. Confesso que só te descobri mais recentemente, quando publicaste o teu single, mas é tão fixe ver o teu progresso desde uma bebé metaleira. Qual foi o processo por detrás disto, o que te passar do que inicialmente seria um EP para um full length album?
- Ok, então, yá, eu já tinha escrito um porradão de músicas antes. Todas terríveis, como disse. Mas queria ter uma coisa a sério, 'tás a ver, algo que pudesse pôr uma estrutura a sério e ser mais coeso, como um EP profissional. Tipo, uma coisa que podia mostrar às pessoas e dizer 'é isto que eu faço'. Bem, se ouviste o álbum sabes que não é exactamente estruturado e coeso, mas bem, o plano era esse, pelo menos. O mais fácil para mim era focar-me em mim e nas minhas emoções, por mais cringe que isso seja, e comecei a escrever as músicas e 'tava bastante satisfeita com as minhas cinco faixas. Depois aconteceram umas coisas na minha vida e senti que tinha mesmo de as processar de alguma forma, e escrever música era a forma mais lógica, por isso o EP virou um álbum completo.
- Então, Jinxed enquanto projecto e enquanto álbum é um escape da tua vida, de controlar coisas que de outra forma sentes que não tens controlo.
Ela assentiu. - Exactamente.
- É uma demanda e tanto, mas com a qual muitos artistas se identificam. Dizes que o teu álbum não é estruturado e coeso, mas eu tenho de discordar. Quero dizer, normalmente, essa seria precisamente o meu remate, que a estrutura do álbum precisava talvez de alguma melhoria, o que seria mais do que natural para um primeiro álbum, mas neste caso acho que funciona na perfeição e foi uma das primeiras coisas que gostei quando ouvi a primeira vez. Surpreendeu-me nesse sentido, porque é uma jornada pela tua... como disseste, pelas tuas emoções. É uma montanha-russa, e tu tiras todo o proveito dos diferentes estilos nas sete faixas para mostrar esse espectro. É quase um álbum conceptual nesse sentido.
- Bem, mais ou menos.
- Deixas-nos testar as águas com uma música pesada, negra, quase black metal depressivo em 'Hopeless', e depois prendes-nos com uma 'Failures' furiosa que nos leva para um som death metal melódico viciante em 'Get Jinxed', a terceira faixa. Que na verdade é uma música muito divertida!
- Ahah, yá.
- Depois temos uma música muito pesada emocionalmente, 'Inside of my head', com teclado à mistura, e para uma mudança drástica de tom vamos para a agressiva música que antes fechava o EP, 'Evil in Me', a única música onde tens convidados na guitarra e na bateria.
- Yep.
- Por fim, temos a two-part 'The Voices Win' e 'Same Time Tomorrow', que são duas demonstrações técnicas massivas, mas meu, aquele último grito! Arrepiei-me todo!
Sim!, pensou Jinx para si com um sorriso. Funcionou. - Obrigada!
- Meu, que maneira de acabar o álbum! - reiterou Petru. - Quando o ouvi a primeira vez... foi catártico, como se todos os meus demónios estivessem a sair de mim, mas ao mesmo tempo fiquei com este vazio na boca do estômago quando fica tudo em silêncio e a música acaba, sabes, tipo 'e agora? Para onde vamos daqui?' E é como dizes, 'amanhã à mesma hora', ou neste caso, 'agora', porque cria uma boa replayability, faz um loop e entramos de novo na montanha-russa, como a vida, mais um dia, mais uma viagem.
- Yá, essa era tipo a minha ideia.
- E esta é a tua jornada diária, esta luta constante de emoções, esta tristeza profunda e esta raiva. Este álbum é um projecto muito pessoal, e isso é bem visível. Se a música em si não fosse clara o suficiente, os teus posts nas redes sociais focam-se muito na saúde mental e nos desafios que tens com a tua. Queres falar um pouco sobre isso?
Oh meu. Jinx gostava de ter a caveirinha agora. Não ia ser coerente de certeza, mas tinha tentado preparar-se. - Então, eu sempre tive problemas com a minha saúde mental. Sempre 'tive rodeada de pessoas que me amam, mas os meus pais morreram quando eu era muito nova e minha família ficou muito fragmentada. Deixou-me muitas marcas a nível emocional, e nunca aprendi a lidar muito bem com isso. Nunca me senti boa o suficiente para nada, ou para ninguém. Como disse, sempre me foquei em expressar-me artisticamente, para lidar com as cenas da minha vida. Não tem sido... muito fácil. Já para não falar das redes sociais e da pressão de partilhar cenas, tipo, uma miúda a tocar metal, por isso é toda uma outra complicação, e não ajuda mesmo. Eu sou só... - Atrofiada. - Complicada. E procurar ajuda profissional nunca pareceu uma opção viável.
Petru tinha uma expressão séria. - Achavas que a tua criatividade ia sofrer se procurasses ajuda de alguma forma?
- Oh, yá, sem dúvida. Mas a cena é, eu não imaginava que houvesse mesmo ajuda para mim, 'tás a ver? Sou assim há tanto tempo que simplesmente sou eu. Não há uma coisa que consigas arranjar e eu vou ficar bem, sou eu que sou o problema. Isso era o que eu costumava pensar antes... - Mentirosa. - ...e 'tou aos poucos a tentar mudar isso nos últimos meses. A coisa ficou mesmo mal há uns meses, e comecei a ter terapia finalmente. 'Tou medicada. - Mais ou menos. - Tem sido... vamos chamar-lhe 'um processo', como tudo o resto, mas pelo menos tem-me ajudado. E compus as últimas duas músicas enquanto 'tava em terapia, por isso claramente não deixo de ser criativa.
Petru assentiu. - É óptimo que tenhas conseguido encontrar ajuda. Não vamos fingir que a tua vida não afecta a tua música, mas por muito que goste dela, prefiro ver-te a compor por muitos mais anos.
- Thanks.
- Já mencionaste a tua família várias vezes. Tens uma história muito interessante, tipo, todos na tua família eram músicos, e bastante bons, por sinal.
- Yá. Então... - Aqui estávamos. Como explicar de forma simples... - Os meus pais biológicos eram a Death e o Plague dos Rat Nation, e depois de eles morrerem fui adoptada pelo Hound e o Shark. E o Benzo é o tipo o meu tio.
- Sabes, eu trabalhei para uma revista chamada LoudMess, e há uns vinte anos tive o privilégio de entrevistar uma banda que também estava a começar e muito promissora chamada Rat Nation.
Jinx pestanejou. - 'Pera, foste tu? Holy shit, eu tenho essa revista, tipo, aqui! - Agarrou nela e mostrou-a à câmara. - Tipo aqui! 'Tava a lê-la p'a me acalmar e... Foste tu que fizeste esta entrevista?
- C'um caraças, isso é a original? Tens uma! Ahah, sim, fui eu.
- Porquê que não me disseste antes, meu?! Brutal! Conheceste-os a todos!
- Entrevistei-os três vezes ao longo da carreira. Foi muito fixe.
- O meu pai disse-me que eras um gajo fixe. Isto é brutal!
- Ei, obrigado. Por isso consegues perceber o meu entusiasmo em ouvir a tua música e ter uma entrevista contigo também. Os dois artistas convidados no teu álbum são precisamente os teus pais, o Hound e o Shark, que são uma presença de peso na 'Evil in Me'.
- Tinha de os ter no álbum, tinha de ser. São os dois tão importantes para mim e ensinaram-me tanto, não fazia sentido de outra maneira.
- E tens a guitarra original do Shark! O legado continua!
Jinx soltou uma risada. Tinha pedido aos tipos do Silco para a roubar/recuperar de cada, com invasão de propriedade pelas escadas de serviço e saltos de janelas. Valeu o risco. - O legado continua! Ela chama-se Fishbones, e dei-lhe um makeover.
- Brutal, e a música é fantástica, é tão boa, tão pesada mas que fica tanto no ouvido. Apesar de a tua música ser muito diferente da dos Rat Nation, os fãs ficaram felicíssimos por poderem ouvi-los novamente, eu incluído, por isso, obrigado. Claro que começaram a correr rumores quando publicaste o single, de que os Rat Nation iam voltar ou que os Jinxed eram o novo projecto, mas foi uma one time thing, uma colaboração de amor por ti, como qualquer pai compreende.
Jinx engoliu em seco e assentiu. Yep. One time thing. Uma colaboração de amor.
- Imagino que isto seja uma espada de dois gumes para ti - continuou ele. - Porque com certeza há pessoas que acham que estás a usar a fama deles para te lançares e menosprezam o teu talento por causa disso.
Jinx riu nervosamente. - Ah. Yá... mas eu sabia que isso ia acontecer. É natural. É uma merda, mas eu percebo. Não escondo quem é a minha família ou o que eles me deram, mas eu sou eu, sou artista por mim só, e tenho as minhas coisas para dizer.
- Yá, logo para começar, a tua música não é nada política. E usaste aquilo que aprendeste para criar uma coisa que és tu. Perdemos dois grandes músicos e duas excelentes pessoas demasiado cedo, e claro, essa perda não se compara com o que foi para ti para a tua família. Só posso ficar feliz por ver a filha de uma banda que foi tão importante para mim na minha juventude começar a trilhar o seu próprio caminho. Foi difícil para mim pensar como abordar esta entrevista pela posição em que estou, como fã dos Rat Nation. Tenho tantas perguntas, mas no fim das contas, simplesmente não é da minha conta.
Jinx pestanejou. Aquilo era... tão atencioso. - Oh. Obrigada, man.
- Tens um legado e tanto, e professores impressionantes, mas o mérito do resultado é todo teu. Porque aí é que 'tá, tens os laços familiares, 'tá no teu ADN, ninguém o nega e tu com certeza não o fizeste, mostraste-o com orgulho na 'Evil in Me', mas és a tua própria artista, e uma bastante versátil, mostras isso em cada música. É uma alegria ver alguém tão novo produzir música desta qualidade, quero dizer, o que é que vamos ter no futuro vindo de ti, 'tás a ver?
- Obrigada! - Jinx beliscou-se para não começar a chorar.
- Agora, acho que o álbum não é para todos. Os pontos fortes que mencionei antes, a estrutura do álbum e os diferentes estilos, podem ser um dealbreaker para algumas pessoas, e essa descarga emocional pode ser esgotante para alguns, mas para outros, como eu, é precisamente o apelo. O que é inegável é que tens um nível de dedicação que torna o álbum uma experiência musical muito interessante. Então, tens datas planeadas para cópias físicas?
- Aw, meu, eu ia adorar isso! Por enquanto não tenho datas previstas, mas depende da procura, acho eu?
- Podes pôr-me na fila, porque ia adorar ter este álbum na minha colecção. Quero uma cópia autografada! É bom que tenhas alguns para venda quando começares a abrir concertos.
Jinx riu para esconder a súbita falta de ar que a ideia lhe causava. - Isso é muito fora das minhas capacidades, meu, quero dizer, tinha de arranjar uma banda, e arranjar cabeças de cartaz que 'tivessem interessados na minha música para quererem que eu fizesse abertura...
- Nunca se sabe, dá-lhe tempo. Consigo imaginar-te a abrir para uma banda como os Ultima, ou os Genocide!
- Ah, meu, podes começar por umas mais pequenas?! Isso ia ser... tipo, whoa, 'tás a ver?
- Ei, ainda só nos deste uma amostra do teu talento com este álbum. Confia em ti mesma, vais lá chegar. Eu não me costumo enganar nestas coisas.
- Obrigada, meu, - disse Jinx, tentando com tanta força não dar cabo da metaleira badass que estava a tentar ser e só se derreter em guinchos chorosos. Se Petru reparou nisso, não mostrou. Mas também, ele sorriu encorajadoramente, por isso talvez tivesse visto.
- Jinx, muito obrigado por falares comigo, vou ficar atento por mais novidades.
- Obrigada, Petru. Obrigada a todos por verem a entrevista!
- Vou deixar o link para o YouTube da Jinxed e para o Bandcamp cá em baixo na descrição. Vão checkar a música dela e mostrem o vosso apoio porque queremos este álbum em CD e vinil e queremos que faças a abertura de uma banda grande, porque mereces. Até à próxima!
Jinx acenou à câmara enquanto Petru clicava do lado dele.
- E está - disse ele, satisfeito. - Como te sentes?
- Sinto-me... óptima, na verdade. - Jinx estava a ser honesta.
- Vês, não tinhas nada com que te preocupar.
- Obrigada pela oportunidade, meu, a sério.
- De nada. Vou publicar a entrevista ou amanhã ou depois de amanhã, mas dou-te tag para veres, ok?
- Sim senhor!
- Fica bem, Jinx! Pensa num digipack, a sério.
- Vou pensar. Tchau!
Após alguns segundos, a chamada terminou. Jinx soltou o ar que tinha nos pulmões e deixou-se enterrar na cama.
Tinha sido... brutal. A sua primeira entrevista. A sua primeira entrevista, e tinha sido brutal.
Holy shit, holy shit, holy shit!
Jinx guinchou audivelmente e tirou o pc de cima de si, atirando as pernas para cima e para baixo de excitação. Holy shit!
Tinha de lhes dizer! Tinha de lhes-
Oh.
Pois.
Era complicado.
Era?, ou ela é que o tornava? A Doc T dissera...
A Doc T não sabe de porra nenhuma. A Vi levou uma facada por causa de ti. A Vi mentiu.
Não quero saber, respondeu uma parte dela. Vi estava mesmo ali, a uns toques de distância. Ia ficar feliz, não ia?
Eles vão odiar-te, só os estás a usar. Não era melhor mandar-lhe mensagem com uma coisa boa do que quando se sentia uma merda? Ia partilhar um momento bom, fingir que não havia problema nenhum - Não há problema nenhum? Ela mentiu, ela quase morreu por causa de ti-
Oh foda-se, deixa-me em paz! Explodiu e atirou com força a coisa mais perto de si, que por um rasgo de sorte era a revista e não o portátil. Quando se apercebeu do que tinha feito, levantou-se e pegou-a do chão, ajeitando as páginas que não tinham ficado muito dobradas.
Vês.
Cala-te.
A sua felicidade estava a escapar-lhe por entre os dedos como areia metafórica e ela tentou desesperadamente agarrá-la. Não, não, trabalhaste demasiado para isto, aproveita. Queria sentir-se feliz. Queria agarrar-se ao sentimento, por uma vez na vida. Acreditar que era real - era real, queria provar que era real. Não podia ligar a Silco ou a Vander, mas Vi estava mesmo ali. O Ekko disse para lhe ligar. Eles vão ficar felizes por mim.
Queria ficar feliz com eles. Porque é que tinha de ser complicado
Porque eles mentiram.
As pessoas às vezes fazem coisas estúpidas com boas intenções.
Claro. Isso era uma frase bonita. Mas não tornava mais fácil atravessar aquela ponte, ou mudava a dor que causava.
Aquilo era a sua descrição perfeita, não era?
Hã.
O que lhe dissera Ekko um milhão de vezes, muito antes de as merdas todas descarrilarem, e mais uma centena delas desde aí? Eles amavam-na. Incondicionalmente.
Tinham-na magoado. As suas boas intenções tinham-na magoado. Da mesma maneira que as boas intenções de Jinx magoavam sempre as pessoas à sua volta.
Parecia tão difícil perdoar-se. Parecia impossível perdoar-se. Como é que alguém o poderia fazer?
Mas Ekko dissera... E parecera tão feliz por a ver.
As pessoas fazem mesmo merdas estúpidas quando gostam umas das outras?
Aquilo era descrição perfeita dela enquanto pessoa, não era?
Jinx pegou na mochila, procurando o telemóvel. Mordeu o lábio quando abriu as mensagens privadas e digitou duas simples palavras:
oi vi
Respirou fundo.
Pronto. Era um começo.
Depois foi às DMs de Ekko e carregou na vídeochamada.
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Mel Medarda iria começar a investigação exaustiva a Camille Ferros nos meses seguintes. No momento em que foi executado um atentado à sua vida, tornou públicas as suas descobertas. Renata Glasc acabaria por trabalhar com ela.
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Os casos de Silco e Vander seriam julgados surpreendentemente rápido, assim que saíram do hospital.
Silco seria condenado por fraude fiscal com uma multa considerável e dois anos de prisão efectiva. Renata iria pedir recurso e ambos os pedidos, primeiro de pena suspensa, depois de cumprir a pena em prisão domiciliária, seriam negados. Venceu o caso de difamação, no entanto, retomariam novas investigações. Se todos os seus crimes fossem provados e julgados, enfrentaria noventa e nove anos de prisão sem liberdade condicional.
Vander seria condenado por tentativa de homicídio em segundo grau, com uma sentença de quinze anos e possibilidade de liberdade condicional após dez anos. Se a sua anterior tentativa fosse provada, seria condenado a cinquenta anos.
Graças à interferência de Camille, serviriam ambos parte da sua sentença na Prisão de Stillwater.
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Jinx passaria o seu décimo oitavo aniversário com Vi, Ekko, Claggor, Mylo e Lux.
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fim
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Nota de autor final com muitos links (É melhor e mais acessível no ao3):
Nestes últimos meses comecei a ver Os Sopranos, por isso podem imaginar como aquela sessão de terapia foi na minha mente. A Dra Tira não é nada com a Dra Melfi, mas foi giro ter algo num cenário semelhante.
A arte que a Jinx fez foi inspirada numa artista que a minha Mãe achou recentemente e que eu comecei a seguir chamada Meriam Awada instagram dot com / ?igshid=MmU2YjMzNjRlOQ= , mas com um twist de cores à-Jinx. O nome da pintura, no entanto, vem de um desenho que eu fiz há muitos anos deviantart dot com/hoshisamavalmor/art/sweet-candy-overdose-461697029 . O meu 'estilo' surgiu há esses anos todos numa tentativa de imitar tinta a escorrer com caneta, por isso o trabalho da artista é muito fixe, é tipo o que eu gostava de conseguir fazer em papel de aguarela, mas muito mais expressivo. Sei que estilo é muito mais figura humana do que a arte da Jinx deveria ser tendo em conta o canon, mas achei que ficava bom neste verse. Só queria partilhar.
Dei o meu melhor com o mínimo de pesquisa nas entrevistas da revista de metal portuguesa Loud!, mas acima de tudo nas entrevistas do Pedro dos A P Reacts no youtube youtube dot com/ APREACTS . Latas de água (Liquid Death dot org/wiki/Liquid_Death ) também são algo que só sei que existe por causa dele, por isso há uma pequena menção. Também espreitei este vídeo do Farvann youtube dot com/watch?v=uy7Y0eQ83tY para referências básicas que eu provavelmente já deveria ter feito no começo lol. Esta página também é muito fixe para ensinar a gritar instagram dot com/zenofscreaming?igshid=MzRlODBiNWFlZA=
A fala do Petru que é uma parafrase de "Tenho tantas perguntas, e tantas não são da minha conta" vem desta entrevista fantástica aos Linkin Park youtube dot com/watch?v=LZ_zO1Uqimw . Aquele tipo deve ser o melhor entrevistador que já vi.
'Genocide' é uma banda de blackened death metal do Eren do Shingeki no Kyojin/Attack on Titan criada pela Katrina_Rice para o fanfic 'Delirious' archiveofourown dot org/works/29536941/chapters/72578892 , que por sua vez foi inspirada na arte de Columbo on twitter twitter dot com/ThisUserIsAngry/status/1469719474731376650 . Eu desenhei o logotipo da banda e fiz uma versão cospobre metaleira inspirado por ele instagram dot com/p/CqvZOunIosK/ Sim, foi muito estranho escrever o nome de forma tão casual quando o mundo está actualmente no estado em que está. Também é tristemente conveniente que o Shingeki tenha acabado durante estes dias.
'Ultima' é uma banda de black metal que eu criei para a Lulu do Final Fantasy X para um futuro cospobre metaleiro que estou a planear (o nome vem da magia negra mais poderosa do jogo). Aqui está o logotipo aprovado pelo meu colega do black metal hannibalcatharsis-zero tumblr com/post/722272967855341568/lulus-black-metal-band-logo-design-named-after# . Haverei de linkar para um videozinho quando chegar a altura de fazer o cosplay
Quero eventualmente fazer uma versão metaleira do Silco também, que será como ele está descrito neste fanfic no poster da banda mas com a cicatriz para ficar ligeiramente reconhecível. Já comecei hannibalcatharsis-zero tumblr com /post/722306054271139840/silcos-metalhead-cosplay-start . Um dia.
As inspirações para os nomes das músicas dos Jinxed são:
- 'Hopeless', de 'Hope(less)' dos Mars Mantra
- 'Failures', de 'Mirrors of Failure' dos Mars Mantra
- 'Get Jinxed', obviamente
- 'Inside of my head', citação directa de 'Life Sentence' dos Chelsea Grin, e tive mesmo de lutar para não pôr a frase inteira porque tecnicamente ja o fiz para um fanfic. Mas descobri a música por causa de uma cover da Misstiq, que tem teclado
- 'Evil in Me', uma referência ao 'Evil in You' dos Kalmah
- 'The Voices Win' vem do fanfic de necropsy no ao3. Preparem-se para sofrer se lerem este
- 'Same Time Tomorrow' pareceu-me um bom nome para a última faixa de um álbum.
O próximo álbum da Jinx seria ainda mais depressivo e agressivo for *reasons*, mas o terceiro acho que seria algo mais divertido/dark fun e avant guard como os Tardigrade Inferno com músicas como 'Worst of Me' e 'Execution's Fun', como uma forma diferente de lidar com o luto e o sofrimento dela. São músicas muito divertidas, e gosto mesmo muito do 'The Worst of Me', mas o videoclip do 'Execution is Fun' pode ser um bocadinho gore. Este fic é rated M, por isso sangue é de esperar.
Além disso, ela ia começar a fazer acrobacias aérias como esta cosplayer ryann . kaykay Olhem só tão lindo! instagram com /reel/CmvAxheo6v2/?igshid=MmU2YjMzNjRlOQ=
A sensação de alegria que o Petru descreve ao ver alguém muito novo ser muito bom em algo criativo é directamente baseado no que eu sinto quando vejo cosplayers como a _bansheecosplay instagram dot com/_bansheecosplay/. Esperem até ela publicar o cosplay mais recente dela: Edit: Ela publicou. Olhem para aquilo. Aquilo é feito à mão.
O melhor/exemplo literal que consigo pensar de alguém usar comentários maus para impulsionar a criatividade é o 'Leave your hate in the comments' dos Lord of the Lost
Permitam-me partilhar alguns fun videos com as seguintes vibes:
Vander na banda instagram dot com/reel/Cr8rzwvvKe6/?igshid=MmU2YjMzNjRlOQ=
Os rapazes a divertirem-se instagram com/reel/Cs-7zp1LWlW/?igshid=MmU2YjMzNjRlOQ=
Vander e a bebé Powder instagram dot com/reel/CsBmKLAMD1n/?igshid=MmU2YjMzNjRlOQ=
Silco com a Vi e a Powder bebés instagram com/reel/Cu3K-jHs9K0/?igshid=MmU2YjMzNjRlOQ=
Ava com a Vi pequena instagram com/reel/CwJcLPEN9eP/?igshid=MmU2YjMzNjRlOQ=
Damyan com a bebé Powder instagram com /reel/Czps9L0AUvJ/?igshid=MzRlODBiNWFlZA==
Silco e Vander se chegassem a velhos instagram com/reel/CvsSD0hOk5L/?igshid=MmU2YjMzNjRlOQ=
E finalmente, está feito.
Na verdade, tenho planos para uma sequela :') Iria seguir o Silco e o Vander na prisão e lidar com tipo o ano a seguir a isto. Parece o cenário perfeito para um shipping fic, eu sei lol mas seria velhos amigos a acharem formas relutantes de remendar pontes que não podem ser muito remendadas, e tenho a certeza que não seria capaz de não mostrar como estavam todos os outros de tempos a tempos e resolverem as coisas (o Mylo e a Jinx teriam uma longa conversa, e a Vi teria uma emlonga/em conversa. O problema é que a história teria um enorme impacto emocional e eu não sei se quero ou sei fazê-lo. Além disso, já como foi com este fanfic, a ideia da sequela partiu de um capricho igualmente egoísta de escrever uma única fala. E escrever um fic de vários capítulos com um peso emocional grande só por causa de 1 frase é capaz de não ser a coisa mais inteligente a fazer, como podem compreender. Por isso não sei. Queria escrever isto para me ver livre dele, mas claro que tinha de achar maneiras de prender a minha mente a qualquer coisa menos na vida real. Por isso não vos posso dizer como vai correr, e vou tentar deixar isto repousar como a tarefa bem sucedida que é. Acabou. Quem sabe o que vem a seguir.
Como disse no capítulo 13, este fic é basicamente vibes e drama familiar. Queria escrevê-lo porque queria imaginá-los a serem metaleiros e a ter o Silco e o Vander juntarem-se para proteger a Jinx. Tive muitas conveniências de plot e no geral um plot fraco se se pensar muito nele, mas fiz o que queria fazer. Espero que tenha conseguido criar alguma coisa que tenha entretido.
Até à data de hoje 13 de Novembro 2023 / 31 de Dezembro de 2023 na tradução, este é o meu fic mais longo, quase duas vezes maior que o anterior, foi o maior tempo de seguida em que trabalhei numa única história, e a versão original tem mais visualizações, bookmarks e comentários do que qualquer outro dos meus fics em 14 anos a fazer isto. Alguma coisa deve ter funcionado para chamar a atenção. Acho que foi o sumário.
Obrigada por lerem. Não sou capaz de agradecer a todos os kudos mas posso agradecer aos reviewers M4RCY, AshtonBlue, Alishatheninth, autistic_artemis, Lore_T, KaityCameleon, talong17, Cherrybomb118, MidnightWitchMagic, Macie, Nerodith, Kalopsia777, Knov_v, It_is_me_Idk, EvilSquirrels, soullessbeing, Abacaxau, letterstorosie, dekompensation, Lailalailola, Linore, zeyy_y, Skreero, Mike, Louiseyurei e Pattes_de_Fruits. Olhem lá a quantidade, holy shit.
Obrigada ao meu amigo Near, à minha amiga do hip hop, ao meu colega do black metal, e à minha Mãe e Irmão.
Aqui está um videozinho que fiz do meu cospobre que foi a origem para começar a pensar neste fic, porque tudo o que quero fazer quando tenho aquelas tranças é whoosh instagram dot com /p/CnCw2eEpX_2/
Vemo-nos por aí.
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