Capítulo 9 – A reviravolta

Entrou no quarto ofegante, exausta. Suas roupas estavam sujas e desalinhadas, seus cabelos emaranhados, o rosto suado e com alguns cortes, porém o olhar era duro, determinado.

Ao invés de se jogar na cama do dormitório, como seu corpo clamava que fizesse, agachou-se para olhar a tábua solta debaixo da cama e não pode sentir alívio maior ao encontrá-lo lá onde havia deixado.

Gina puxou aquele livro vermelho e velho e por fim sentou-se na cama. Temia que alguém o tivesse descoberto, aquele diário era importante demais, só pelo fato de conter a narração da profecia... Imagine se caísse em mãos erradas?! E pelo teor do livro, a garota sabia bem quem daria tudo para obtê-lo.

No início suspeitava que Snape não fosse aquilo tudo que os outros pensavam, chegou até a cogitar a hipótese de ter sido um acidente a morte de Dumbledore, mas ao chegar em Hogwarts e vê-lo ali comandando muitas vezes passivamente os horrores que os Carrows faziam, ao ver que ele deixara que ela própria e seus amigos fossem torturados e mantidos nas masmorras por mais de um dia, ao saber que Neville ainda estava lá sofrendo, sozinho...Ela passara a odiá-lo também e não deixaria que ele obtivesse o prazer de descobrir o diário de Lily Evans.

Aqueles últimos dias tinham sido terríveis. Desde a elaboração do plano para pegar a espada de Gryffindor ela, Nevile e os membros que restavam da AD sabiam o que poderia acontecer, mas optaram por correr o risco. Quando a ruiva deu de cara com Snape na Diretoria sabia que iria pagar caro e não tinha medo, porém não imaginava que seria daquele jeito.

Ele os entregara às mãos dos Carrows sem pestanejar e nem quisera saber o que eles fariam com os garotos. De lá em diante as torturas foram freqüentes, mas Gina era forte, mantivera na cabeça que iria sair dali bem, pelos seus pais e irmãos, por Harry. Seu maior medo era que isso caísse nos ouvidos deles.

Apesar de tudo não quisera ter saído só, ter que deixar Neville. Ele era incrivelmente corajoso; aqueles dias os dois se ampararam, deram força um ou outro, porém quando ela saíra o garoto já delirava. Tinha sido o foco dos Carrows pelo fato de agüentar a dor mais bravamente que ela, por isso os comensais se esforçavam para o ver sucumbir.

Quis tirar aquilo da cabeça, relaxar um pouco, ao menos tentar. Ela sabia que ele sairia logo, não podiam mantê-lo lá por tanto tempo, afinal de contas o objetivo da tortura era 'ensinar' e não matar.

Tomou um banho quente e passou longo tempo se mirando no espelho. Como estava cansada... Seu rosto sardento e alvo, agora cobertos de arranhões, seus olhos tinham agora um brilho fosco e repousavam acima de grandes e profundas construindo uma expressão diferente daquela que estava acostumada, sem a vivacidade jovial de sempre, sem sua velha e costumeira confiança.

Mas ela sabia que era apenas devido a dias difíceis. Já vivera coisas piores antes. Descobrira desde muito nova como era ter Voldemort invadindo sua mente, tomando conta de suas vontades, tirando-lhe a vida aos poucos, tornando-lhe uma marionete humana em sua forma mais obsessiva; e isso tudo era pior que agüentar um Crucius. Gina sabia que enquanto conseguisse ser ela mesma, ter a mesma força e coragem de sempre, tudo ficaria bem. Afinal, era uma Weasley.

Vestiu algo sem fazer barulho, para não acordar suas poucas colegas de quarto e mirou o diário. Quem sabe algo que Lily dissesse lhe não desse um pouco mais de esperança?

Godric Hollow, Julho, 1980

Parecia que um peso havia saído dos meus ombros, desde que James entrara na minha vida daquele jeito espirituoso, preocupado e ao mesmo tempo leve.

Leveza. Era disso que eu estava precisando afinal, por todo aquele período obscuro do pré-guerra, dos meus medos mais íntimos, da situação da minha família. Me sentia leve e aquilo era deliciosamente assustador, já que devia a ele um pouco de tudo isso.

Depois de nossa conversa naquela noite, depois de eu ter enfim me aberto com alguém, e por mais incrível que ainda parecesse, com ele, eu conseguira delimitar em minha mente certas decisões. Independente de tudo, eu lutaria ao lado de mamãe, iria sim ao tal noivado de Petúnia e de cabeça erguida.

Sempre tive medo de magoá-la, de parecer de fato a esquisita que ela sempre alegava que eu tinha me tornado, mas naquele momento todo o problema que ela havia criado em relação a nós duas parecia tão desimportante. Ok, eu sabia que era porque ela também queria ser bruxa e continuar perto de mim, por isso a perdoei por tudo, pela forma que ela me tratara até o momento e mesmo pela sua futura reação a me ver em seu jantar especial.

Ela estava sim casando com um trouxa da pior espécie, e infelizmente ainda nutria alguns rancores, mas eu não. Tinha me soltado dessas amarras, afinal de contas, era minha irmã, eu a amava. Porém, também aceitei que de uma vez por todas nossos caminhos iriam se separar com Hogwarts terminando e o casamento dela acontecendo. Infelizmente existem situações na vida que não podemos controlar. Mas os meus pais eu nunca deixaria para trás.

Além disso, tinha a minha obsessão. Aqueles sonhos que tive com Voldemort ainda me davam arrepios, porém serviram para eu ter certeza do que queria. Eu sabia que existia um grupo clandestino e era questão de tempo – o fim da escola - para eu me aliar a tudo aquilo. Era minha luta.

Eu sempre havia travado um confronto familiar sobre essa questão de ser bruxa, e mesmo no mundo bruxo ainda enfrentei preconceitos, por isso fiz de tudo para provar que eu era capaz. Consegui brilhar nos estudos e pelas minhas notas tinha uma carreira brilhante pela frente, mas antes de tudo eu lutaria por mim mesma, pela Lily Evans nascida-trouxa e contra todos os horrores que o mundo bruxo estava enfrentando, e por isso ainda luto ao lado do meu James, e para proteger o nosso Harry.

Porém, outra grande luta estava sendo travada em minha mente e essa era a mais desconcertante de todas. Naqueles poucos meses de início do ano letivo eu me aproximara tanto de James que era absurdamente espantoso e as pessoas falavam disso o tempo todo. Bem, eu sempre tentei ser discreta em relação a assuntos amorosos – Sim, James, eu sei que você está lendo, portanto pare com esses ciúmes que já devem estar se formando aí nessa sua fonte de caraminholas intermináveis - mas nos últimos tempos confesso que eu não estava ligando muito para o exterior.

A questão é que a partir da ronda em que descobri que ele me seguia ficamos mais próximos. E eu não consegui ficar com raiva dele, o que foi estranho até para mim e acho que ele se espantou um pouco também. James estava cada vez mais cavalheiro, porém de uma forma tão contida, sem aquelas suas investidas irritantes. Ele me olhava de vez em quando para se certificar se estava tudo bem, passou a ficar no salão comunal até mais tarde para conversar mais comigo, sem tanta gente por perto. O estranho era que aquilo começava a me incomodar. Você tem idéia do que é conviver com uma pessoa que durante anos dá em cima de você a todo instante e essa pessoa mudar, como que simplesmente tivesse tentado virar sua amiga?

Ok, eu admito que já estava acostumada a dar respostas tortas a convites mais tortos ainda. Porém, essa nova versão de James Potter mais calado e disposto a conversar comigo sobre qualquer assunto, menos o mais implicitamente gritante,nós dois, me desapontava.

Eu sempre me preparava emocionalmente para que ele enfim mencionasse novamente aquela conversa na Ala Hospitalar. E me perguntava por que ele não tinha se aproveitado daquele momento de fraqueza na noite da ronda. No entanto, sua atitude fora tão respeitosa. No fundo eu sabia que devido a sua reação no momento ele queria ficar mais perto, concretizar algo talvez, mas me encantava que ele não o tivesse feito.

É... Eu estava pensando nele com mais freqüência do que antes. Mary uma vez me olhou de soslaio e viu, numa aula de transfiguração, o mirando e deu um muxoxo divertido. Não consegui fingir indignação, não para ela, e apenas sorri de volta.

- Você acha que ele vai te chamar à Hogsmead esse fim de semana? – perguntava ela insistentemente.

Mas apesar de no meu íntimo querer responder a ela positivamente, eu não sabia. É claro que esperava o convite, porém sem demonstrar, como era o meu feitio.

A neve chegou junto com aquela sexta-feira cinzenta e poucas pessoas saíam do castelo, porém Hogsmead sempre seduzia os estudantes, e mesmo no frio congelante os assuntos eram os memsos: encontros, cerveja amanteigada, compras de Natal e Zonk's.

Eu já estava me irritando com as conversas no banheiro feminino. Toda vez que entrava as garotas davam risadinhas e me questionavam da forma mais insinuante possível quais eram os planos com James Potter, e o quanto até eu não tinha resistido a ele e suas insistências. Eu apenas ignorava tudo desconversando, e alegava que éramos apenas amigos – como se essa frase não tivesse o poder secular de incendiar ainda mais debates dessa natureza.

Àquele dia James mal falou comigo, pareceu ocupado demais o dia inteiro recebendo notícias e escrevendo cartas, sempre com corujas o assediando insistentemente. Ele e Sirius estavam novamente de cochichos misteriosos e não puderam deixar de notar meu interesse descomunal. Já à noite no Salão Comunal ele se aproximou para conversar, mas sequer mencionou certos planos para o fim de semana. Aquilo me estava consumindo. Odiava não entender uma situação, e aquela era definitivamente obscura. Se ele ao menos me desse uma pista do que queria, ou do que não queria, com seu novo jeito de ser de se relacionar comigo, eu ficaria sossegada. Fui dormir inquieta, planejando tratá-lo com a maior frieza do mundo no dia posterior. Com Lily Evans contrariada não se brinca.

Na manhã seguinte formava-se um alvoroço no Salão Comunal e Mary tentava me arrastar ao povoado de qualquer jeito, mas meu mau humor era tamanho que sabia que não seria boa companhia para ninguém, ainda mais em dia de compras como as meninas estavam planejando. Resolvi descer depois que a maioria tinha ido tomar café, para devolver uns livros, e encontrei o Salão Comunal quase vazio de veteranos, exceto por ele.

-Lily? – chamou apressado, ao perceber que eu não o tinha visto, ou melhor, "que tinha fingido não o ver".

Ele estava vestido de maneira despojada, a varinha no bolso e um papel grande e amarelado na mão, parecido com um mapa, que agora tinham pés e caminhos que acabavam de sumir; parecia ter dormido pouco e carregava uma mochila meio aberta. Ao me olhar tinha uma expressão meio triste, como quem se desculpa por algo que fez. Acho que ele não soube muito bem o que dizer inicialmente e ficou apenas me olhando por alguns instantes.

- Bom dia James. – disse desconcertada, me agarrando aos livros que carregada e me contendo para não olhar de perto o tal papel; ele notou, deu um meio sorriso e o jogou na mochila.

- Er...Você está indo à biblioteca agora? – perguntou timidamente - Puxa, se você pudesse me fazer um favor – disse franzindo o cenho e revirando sua mochila atrás de algo, enquanto eu apenas esperava já sem paciência - É que tinha que devolver uns livros há séculos e madame Pince me deu um prazo, até hoje de manhã e confesso que estou bastante atrasado sabe – continuou ele agora encontrando dois pequenos livros amarelados, que pareciam muito vir da seção restrita – Tenho que encontrar alguém, sabe? É importante...E, não tem problema, né?

Enquanto ele tinha aquele sorriso amarelado eu devia estar fervendo por dentro, já sentia meu rosto queimar e o que veio depois foi impossível evitar.

- O QUÊ? Você acha que eu sou quem? Uma fãzinha idiota sua que grita das arquibancadas em jogo de quadribol? Não James Potter! Eu não vou ficar te fazendo favores enquanto você vai ter encontros com qualquer uma em Hogsmead... Arranje outra para fazer esse papel! – despejei em cima dele de uma só vez, e dei as costas num ímpeto, sem pensar duas vezes, passando como um furacão pelo buraco do retrato e bufando, sentia meu corpo tremer de raiva e meu rosto cada vez mais quente, até que ouvi passos apressados atrás de mim e o senti segurar o meu braço.

-Lily, espera, você entendeu errado..eu não... – ele balbuciava confuso, com uma expressão deliciada, sem conter o grande sorriso e o brilho no olhar, mas novamente, perdido, sem saber o que dizer. Eu estava com tanta raiva naquele momento que puxei a varinha e apontei pro seu peito.

- Me solta!

- Calma Lily! Eu não queria te machucar, me desculpa, mas é que...é que... – e afrouxou o aperto, começando a rir copiosamente em pleno corredor – Eu não acredito nisso, você es-tá, está...com ciúme? – Ele já tinha lágrimas nos olhos de tanto rir àquela altura.

Eu não estava acreditando, não era possível que aquilo pudesse piorar! Da raiva que eu sentia havia um misto de vergonha e desespero em negar, além de me sentir humilhada... Víamos-nos no meio do corredor deserto, eu com o braço caindo lentamente, os livros no chão, assim como a mochila dele, e ele me olhando maravilhado, com as mãos na barriga e lágrimas caindo pelo rosto, até que percebeu que meu estado de espírito não dava margem à brincadeiras, e tentou se conter.

Respirei fundo e vasculhei minha mente atrás de argumentos decentes, mas ele começou mais rápido do que eu.

-Me desculpe Lily, foi difícil segurar, mas...Mas você entendeu errado, eu não vou me encontrar com nenhuma garota – dizia ele me olhando nos olhos, tentando firmar a voz para se fazer convincente e chegando mais perto – se fosse para ter um encontro hoje você sabe com que seria, não é?

- Eu... Eu não tenho nada a ver com a sua vida...- comecei profundamente desconcertada, o rosto cada vez mais vermelho de vergonha – Você que se encontre com quem quiser, apenas me irritei porque...por que...

- Lily – interrompeu ele, mais uma vez segurando no meu braço, só que delicadamente, e sem a expressão divertida no rosto – Me desculpe. – e eu soube que ele não estava se desculpando por ter rido. – Eu não devia ter te pedido para entregar os livros por mim, foi estúpido de minha parte, e quem se importa com Madame Pince, não é? É que eu estava agoniado com um assunto que tenho que resolver...tanto que até deve ter parecido que deixei você de lado...Eu vou à Hogsmead encontrar com alguém sim, mas para saber notícias dos meus pais, era meio segredo, mas...Sabe de uma coisa? Ficaria feliz se você viesse comigo. – terminou ele sorrindo gentilmente.

E o que eu fiz? Bem, para começar eu mal sabia o que dizer mesmo e nem adiantava mais começar com as negativas. Sentindo-me extremamente egoísta e ridiculamente ciumenta simplesmente concordei em ir, mas sem deixar de ser eu, a ruiva orgulhosa, só àquela altura, bastante insegura.

N/A: Ok! Não tentem me matar por terminar aqui, certo? rs Eu sei que demorei séculos para postar e que esse cap. está curtinho, mas tinha que ser assim. Juro que o outro sai até fevereiro ^^
Espero que tenham gostado! Um grande abraço e aguardo comentários, viram? rsrs

Gabriela