LEMBRANÇAS DE LUZ
Capítulo 15 - Aurora
- Alguém pode me responder por que o local da luta entre Hinata e Masaru Ren não foi o primeiro a ser vasculhado?
- O local foi vasculhado, Tsunade-sama – Tenten respondeu enfaticamente, enfileirada entre Shikamaru e Sakura. Neji, Naruto e Hiashi também estavam na sala da Hokage – Foi vasculhado uma vez pelo time de inteligência e depois por mim e Shikamaru e talvez até Sasuke tenha ido até lá, mas em nenhuma delas foi encontrada qualquer anormalidade. Havia armas espalhadas, mas a árvore não apresentava mudanças.
Tsunade suspirou. Acima de tudo, não podia desconfiar da capacidade e profissionalismo de seus ninjas, especialmente não daqueles ninjas que estavam fazendo todo o possível para salvar uma amiga.
Mas aquela árvore de sangue era algo grande demais para deixar passar. O que é e como está relacionada com Hinata são perguntas ainda por responder.
- Eles não tinham como ver a árvore.
A voz de Uchiha Sasuke era baixa, rouca e tão cheia de ódio como todos na sala jamais tinham ouvido. Até mesmo Naruto, que já suportara grandes quantidades do ódio que o Uchiha podia emanar feito radiação, se surpreendeu com a agressividade que percebeu envolver o melhor amigo. Mas apesar da aura instável que ele apresentava, estava sentado no peitoril da janela lateral da Torre do Fogo na mais absoluta calma.
- Teme, eu odeio quando você aparece do nada e diz algo que não faz sentido, dattebayo!
- Sim, explique-se, Uchiha – comandou Neji não parecendo nem um pouco melhor que Sasuke em sua agressividade, especialmente com a capacidade de seus tão aclamados olhos posta à prova.
- Os pergaminhos do Clã Uchiha que eu resgatei de Ren não continham mais do que algumas lendas sobre o meu Clã e seus poderes ao longo dos séculos, mas havia uma história em particular sobre um genjutsu muito poderoso – e nesse ponto todos podiam perceber que a raiva de Sasuke era direcionada exclusivamente a duas pessoas: o senhor feudal morto e a si mesmo. Ele cerrou os punhos e continuou – Um genjutsu que, convenientemente, pode ser aplicado por qualquer pessoa com o domínio mínimo de chakra.
- E o que esse genjutsu faz?
- Esconde.
Não era preciso maiores explicações para que os presentes entendessem onde o moreno estava querendo chegar. Até mesmo Naruto teve rápida percepção, o que só o levou a um estado de irritação maior.
- Como um genjutsu desse pode estar perdido pelo mundo?
- Se você não se lembra, Hyuuga, não é como se os domínios do Clã Uchiha estivessem sendo fortemente guardados nos últimos anos – a voz de Sasuke estava mandando correntes elétricas de perigo que Neji parecia não perceber. Hiashi, ao fundo da sala, com os olhos vermelhos, encovados e com olheiras, parecia velho e estranhamente passivo – E aquele jutsu, apesar de poderoso, é fácil de ser aplicado e não é grande coisa entre os membros do meu Clã. Era usado para ensinar às crianças os fundamentos de genjutsu, porém na realidade era usado para brincar de esconder.
- Hinata está em coma há quase um mês. Como um jutsu desse, depois de seu usuário morto, pode durar tanto tempo? - Sakura atestou, sem saber bem para quem olhar para esperar pela resposta a sua questão.
Ninguém falou.
Aparentemente, também fora naquele ponto que Sasuke emperrara.
- Hinata-chan... - sussurrou Naruto.
- Você disse alguma coisa, Naruto?
- Hinata-chan! - ele repetiu mais alto, parecia que alguma coisa se acendera dentro do loiro - O jutsu de Ren faz com que o sangue dela seja sugado pela árvore, porque é o mesmo jutsu de transferência que ele usou com Kiba e Temari e com ele mesmo, mas... E se não for apenas sangue... E se estiver sugando o chakra dela também? Isso é possível, baa-chan, Shikamaru?
Shikamaru olhou para Naruto, uma sobrancelha curvando-se levemente junto de um minúsculo levantar de lábios. Tsunade desenvolveu um sorriso mais evidente.
- Problemático.
- É provavelmente exatamente isso que o jutsu está fazendo, Naruto.
O loiro abriu um sorriso, mas este foi embora não muito tempo depois, quando outra dúvida, ainda pior que a questão anterior, instaurou-se no salão da Hokage na Torre do Fogo:
- E como é que a gente para esse jutsu, dattebayo?
Felizes os ignorantes.
Sim, felizes.
Saber o que estava acontecendo com Hinata agora e não saber como impedir só fazia tudo parecer muitas vezes pior. A ignorância proporcionava uma aceitação dos fatos que, agora, depois de alguns "porquês" esclarecidos, nunca mais retornaria. O sangue e chakra de Hinata sendo usado para alimentar seu próprio coma; a vida que lhe restava era a própria mantenedora daquela falta de vida.
E ninguém até agora conseguira retirar o punhal da árvore.
Sasuke foi o primeiro a pensar nisso e sair correndo da sala. Shikamaru só teve tempo de mandar Naruto atrás dele, rápido, e Neji também percebeu. O Nara chegara à mesma conclusão por volta de 20 segundos antes do Uchiha, mas, diferentemente, não tinha nenhuma pretensão de ir arriscar matar Hinata no ato imprudente de tentar arrancar o punhal da árvore. E ele esperava que Sasuke e Neji pudessem chegar à mesma conclusão se por um milagre Naruto não conseguisse pará-los. Bem, talvez numa luta contra o Sharingan e o Byakugan, naquele estado de nervos, não fosse acabar muito bem para o Uzumaki.
Hiashi, quando a sala caiu num silêncio profundo, depois de Tsunade ter distribuídos ordens a todos os seus subordinados que restavam na sala, saiu silenciosamente, os ombros mais caídos que a Hokage já vira.
Foi direto para o hospital, para o leito de sua filha, mesmo que não fosse horário de visitas. As enfermeiras nem seques pestanejaram em deixá-lo entrar. Quem era louco de se colocar entre o patriarca do Clã Hyuuga e sua herdeira em coma?
Mas, na verdade, ninguém era desalmado a ponto de se colocar no caminho de um pai ao visitar sua filha... Morrendo.
E ela estava como sempre desde que começara a definhar naquele hospital: as bochechas encovadas, os olhos rodeados de machas negras; a saliência do quadril pronunciada e as menores mãos que Hiashi um dia viu. Sentou-se no banco ao lado da cama, mas já não conseguia sustentar as costas na posição ereta devida ao patriarca do clã mais forte da Vila. Seus ombros se encurvavam com o peso do sofrer.
Em quatro dias faria um mês que Hinata estava naquele estado, um estado em que Hiashi já não sabia mais o que fazer.
O silêncio do quarto, como sempre, só era quebrado pelo bip do medidor de batimentos cardíacos. E Hiashi ficou ouvindo-o, pacientemente, com o coração apertando toda vez que o silêncio do bip se colocava no lugar do barulho. Até que o bip se sobrepôs, um apitar constante imediatamente chamou a atenção de Hiashi que, observando aquela linha verde aparecer no lugar onde o ritmo cardíaco de sua filha devia estar, escancarou a porta e gritou por qualquer uma das enfermeiras que estivesse passando.
Uma delas entrou correndo e saiu do quarto na mesma velocidade, com Hiashi conseguindo distinguir apenas as palavras "parada cardíaca", "Tsunade-sama" e "desfibrilador".
Foi afastado da cama por Shizune quando a Hokage – que estava vindo ver Hinata – chegou mais depressa do que ele previra. Falavam com ele enquanto olhava para sua filha, imóvel e momentaneamente morta naquela cama, mas a única coisa que o patriarca Hyuuga conseguia ouvir era o apitar do ritmo cardíaco estagnado.
Hiashi não se mexia e tudo parecia ao mesmo tempo em câmera lenta e veloz demais para que mesmo o Byakugan pudesse acompanhar. A mulher loira começou uma massagem cardíaca em Hinata. Podia ver a boca da Godaime se mover, mas não havia som se propagando pela sala fora aquele maldito biiiiip contínuo. Sakura entrou com uma enfermeira e o desfibrilador. Shizune continuava tentando fazê-lo sair do quarto.
O corpo de Hinata pulou na cama com a força do choque.
E o bip continuou.
Hinata... Tão frágil, sempre tão parecida com Hikari...
Biiiiiiiiiip.
- Vamos, Hinata! – Sakura passou gel nas pás do desfibrilador pela terceira vez, seus olhos já estavam ardendo com as lágrimas contidas. Tsunade rosnou para que a rosada não ousasse chorar, que a Hyuuga ainda não estava morta – Você lutou por todo esse tempo, não pode ir agora!
Biiiiip.
- Hinata...
Bip. Bip. Bip. Bip. Bip.
Shizune finalmente soltou Hiashi. Aproximou-se de Tsunade, exausta, e tomou a posição, checando todos os sinais vitais restantes de Hinata.
- Tsunade-sama, os batimentos cardíacos estão voltando ao normal, a pressão também está estabilizando. Vamos mandar mais uma bolsa de sangue imediatamente.
- Sim, faça isso, Shizune, e use chakra para uma checagem geral. Sakura, não saia do lado dela até o fim dos exames.
- Sim, Tsunade-sama – responderam as duas em uníssono.
A loira, então, viu Hiashi parado lá, encostado na parede. O banco onde ele estava sentado caíra com a correria para salvar a vida da morena.
Depois de quase um mês, não havia quem fosse próximo de Hinata que não estivesse sofrendo ao ver o sofrimento dela. Mesmo a Hokage mal estava conseguindo se sustentar sozinha.
A Godaime aproximou-se do homem e pousou uma mão em seu ombro. Ela queria confortá-lo, mas a mão de Tsunade tremia tanto que Hiashi não sentiu conforto algum. Ele sabia exatamente bem o que aquele tremor por parte da ninja mais forte da Vila queria dizer.
Eles podiam ter descoberto a origem, mas não estavam nem um pouco mais próximos de salvarem Hinata daquela situação.
Ficou ao lado dela por várias horas. O sol se pôs, mas Hiashi não se moveu. Shizune terminou de checar sua filha e Sakura também se retirou uma hora depois da saída da secretária de Tsunade-hime, e Hiashi continuou parado, quieto, morto. Teve um momento em que lágrimas escaparam e o homem não tentou secá-las. Só conseguiu deixar o quarto altas horas da noite, quando Neji e Hanabi o encontraram.
Desde esse dia, Hyuuga Hiashi não disse uma palavra.
Correu.
Correu a uma velocidade que só pensou ser possível ao Raio Amarelo de Konoha ou ao Raikage. Nunca sentira tanta adrenalina direcionada exclusivamente ao ato de fazer com que suas pernas fossem mais e mais rápido.
Podia sentir os chakras que o perseguiam. Naruto e, um pouco atrás, Neji. Não importava, nenhum dos dois conseguiria ser mais rápido que ele em seu desespero.
Havia uma árvore de sangue com o nome de Hinata nela. Havia um punhal encravado nessa árvore. Um punhal que, de acordo com o que Sakura dissera, correspondia com a ferida que não fechava na parte de trás do ombro da moça Hyuuga. Um punhal que, aparentemente, continha um jutsu de deslocamento parecido com aquele usado por Namikaze Minato, que se utilizava do chakra de Hinata para fazer o sangue dela alimentar a árvore.
Os dentes de Sasuke rangeram com a raiva que estava sentindo naquele momento.
Era um Uchiha, possuía um Sharingan, como não percebera aquela maldita árvore, aquele maldito punhal da primeira vez que estivera no campo de batalha de Hinata e Ren?
Queria tanto se bater.
Não, melhor. Queria deixar Naruto espancá-lo com toda a força. E depois Neji, Hanabi, Sakura, Kiba, Shino e uma infindável lista de pessoas que amavam Hinata e que também não suportariam a morte dela.
Iria arrancar aquele punhal da árvore e terminaria com aquilo. Hinata acordaria e ficaria bem. Ela abriria seus olhos perolados e olharia para ele de novo. Ela...
...
E se não fosse isso que acontecesse? E se, num gesto impensado e irresponsável como simplesmente arrancar o punhal da árvore, Hinata morresse?
O pensamento travou suas pernas e a adrenalina esvaiu-se aos poucos enquanto a velocidade de Sasuke diminuía. Sem querer pôde sentir Naruto continuar correndo e se aproximando, mas Neji também arrefeceu em sua corrida. Teria o Hyuuga chegado à mesma conclusão que o Uchiha?
Continuou andando.
Confiava nela, por isso a deixara sozinha. Aquela era uma batalha que a própria Hinata tinha que lutar. Matar Masaru Ren, recuperar sua honra. Não é possível se colocar entre essas coisas. Não deixara ninguém se colocar entre si e sua vingança, por mais que Naruto tivesse feito de tudo parar tentar. O loiro chegara tarde demais e só conseguira fazê-lo se erguer do ódio e escuridão em que estava soterrado.
Teria chegado tarde mais pra ela também?
Chegara tarde demais para sua família.
Para Itachi.
Para Kakashi.
Para si mesmo.
Fora ela quem chegara a tempo de salvá-lo, mesmo que sem querer.
A árvore era enorme e impossível não reconhecê-la. A casca estava escurecida, as folhas tinham um tom rubro. Não era uma árvore normal. O chão em volta dela, assim como outras árvores, tinham manchas vermelhas; alguma mais escuras mostravam sangue coagulado, as mais claras eram de sangue fresco.
Mais sangue fresco escorria do local em que a lâmina prateada se encontrava com a árvore e o nome de Hinata se apontava para os dozes lados como os números de um relógio.
Os olhos negros de Sasuke se fixaram naquilo enquanto seus pensamentos vagavam: de um corpo numa cama de hospital, Sasuke se lembrou de como ela parecia linda e brilhante da última vez que a vira no campo de batalha, avançando para aquele maldito lorde feudal. Lembrou-se da dança e dos movimentos fluidos do leque e lembrou-se do dia em que ela tocara o shamisen e ele a beijara pela primeira vez. Das chibatadas e de como ela as agüentou com coragem. Dos movimentos dela na cascata.
"Raras, cada uma de um jeito diferente". Aquelas tinham sido as palavras de Masaru Ren quando dissera que ia ensinar Sasuke a apreciar coisas raras.
"Então segure a xícara com firmeza".
Era como se, com a lembrança, podia ouvir os cacos de uma bela peça de porcelana se partindo.
- Sasuke!
A voz de Naruto o alcançou. Esquecera dos chakras que o perseguiam entretido como estava em relembrar todos os momentos que um dia compartilhara com a morena Hyuuga.
Eram menos do que gostaria.
- Sasuke – o tom de voz agora era mais brando enquanto o loiro se colocava ao lado do moreno encarando a árvore sangrenta. Ele podia sentir o chakra de Naruto borbulhar com ódio – Aquele bastardo maldito!
- Naruto – Sasuke chamou-lhe a atenção – Você prometeu.
- Hun? Teme, do que está...
- Eu a deixei sozinha.
- Teme...
- Eu a deixei enfrentar Masaru Ren sozinha. Eu confiei nela, mas a deixei sozinha! E agora isso! Você a viu, Naruto, você sabe o estado em que ela está!
Naruto ficou surpreso com as palavras de Sasuke e, apesar da tristeza que elas traziam, não pode evitar dar um pequeno sorriso de canto antes de prostrar-se, em silêncio e em respeito aos sentimentos dele, ao lado do moreno Uchiha. Estavam ambos parados em frente à árvore. As letras brancas do nome de Hyuuga Hinata eram assustadoramente definitivas cravadas lá.
Aquela declaração de impotência por parte de um dos mais temíveis assassinos do mundo ninja saíra de seus dentes semicerrados, enquanto sua figura permanecia como uma estátua de ébano e marfim: impassível, o rosto sério, mas os olhos transfigurados em pura dor. A voz de Sasuke era baixa, rouca, como se estivesse cansado de lutar uma batalha infindável e que, sem importar o que fizesse, não conseguia vencer.
Naruto podia muito bem entender que batalha era essa.
Neji se aproximou em silêncio, tendo presenciado um pouco do que se passara. No fim, chegara à mesma conclusão que o Uchiha e o Nara antes dele. A solução podia ser retirar o punhal da árvore, assim como podia não ser. A falta de conhecimento sobre o punhal e sobre toda a situação em si se mostrava o principal perigo novamente.
"Hinata-sama", pensou Neji ao ver as costas de Naruto e Sasuke lado a lado. Os punhos fechados do Uchiha tremiam levemente, "Ele quer proteger você. Não porque te considera fraca, mas...", Naruto se voltou para ir embora, Sasuke o seguiu. Neji podia sentir o chakra da equipe de ANBUs e da perícia que Tsunade enviara se reunindo em volta deles. Iria ficar caso eles precisassem da ajuda de sua linhagem, "...mas porque ele não suportaria te perder.".
O desejo de proteger. Todos o temos perante alguma coisa ou outra. Um desejo que só nos torna mais fortes.
Naruto e Sasuke desapareceram na distância, as equipes ali reunidas se aproximaram da árvore. Tenten e Shikamaru entre eles; foram os primeiros a se juntarem a Neji.
- Hei, Neji – chamou sua companheira de time. Tenten tinha um sorriso no rosto cansado – Agora que temos isso aqui, vamos tirar a Hinata-chan dessa, você vai ver!
Shikamaru abriu a boca num bocejo e pendurou um cigarro nos lábios.
- Metade da Vila está deprimida e a outra metade está com raiva pela situação da sua prima – disse o ninja das sombras – Se não conseguirmos salvá-la será extremamente problemático.
Aqueles dois... Um sorriso minúsculo e que Tenten não via há um mês percorreu os lábios finos do gênio dos Hyuuga, depois desapareceu silenciosamente como veio.
Hinata ainda não estava fora de perigo, por isso eles ainda tinham trabalho a fazer.
- Tsunade-sama?
- Entre, Shizune.
O quarto particular da Hokage no topo da Torre do Fogo estava escuro e cheirando a saquê. Não tanto quanto ela costumava beber quando Jiraiya estava por perto, mas o suficiente para afastar um pouco os problemas para o fundo da mente.
A secretária e primeira discípula de Tsunade entrou com cuidado no quarto tentando não tropeçar em nada. Não acendeu a luz. Havia um único papel nas mãos dela e a Godaime já sabia exatamente do que se tratava a visita, daquela vez mais séria do que todas as outras vezes.
- Relate.
- Depois daquela parada cardíaca, Hinata estabilizou, mas o corpo dela, em uma vistoria geral, está gravemente danificado, Tsunade-sama. Eu não creio mais que possamos continuar dando-lhe sangue e parece que a nutrição do soro parou de fazer efeito – Shizune fez uma pausa, ambas digerindo as informações. A morena não tirara os olhos das linhas daquele relatório durante o caminho, poderia recitá-lo de cor – Se ela tiver outra parada, nós talvez não... – um soluço cortou a fala de Shizune. Era uma médica e era uma ninja, sabia, tinha que saber lidar com a perda, mas depois de ver a moça Hyuuga lutar tanto por sua vida enquanto incapaz por um coma, era difícil, era frustrante - ...E é só uma questão de tempo, e não muito tempo, até que as transfusões sejam completamente inúteis, já que o jutsu está sugando-o todo.
E era exatamente ali que a loira sentada numa poltrona perto da janela queria que Shizune chegasse: quanto tempo ainda tinha Hyuuga Hinata? Enquanto estava utilizando chakra para curar os tecidos mais prejudicados pelo uso do desfibrilador, Tsunade conseguira chegar numa conclusão mais ou menos parecida com a contida naquele relatório.
Ela estava fraca demais para agüentar mais choques tão violentos em seu corpo e já quase não havia mais sangue nas veias da morena para manter todas as funções necessárias a vida. Seria uma parada cardíaca por sobrecarga do coração já danificado de Hinata ou uma morte por falta de oxigenação neural.
- Quanto tempo ela tem?
- T-... – outro soluço fez a moça que dava as informações engasgar – Três... Dias, Tsunade-sama, talvez menos. Só depende...
- De quanto o corpo e a mente dela vão agüentar.
Reinou silêncio no quarto escuro.
Shizune, então, sem querer pensar no pior, lembrou-se das equipes ANBU e de inteligência destacadas para inspecionarem o local em que houvera a luta, onde estava a árvore de sangue.
- Se Shikamaru-kun conseguir descobrir algo e Hinata acordar – começou Shizune – Ela terá alguma seqüela?
- Responda-me você essa pergunta, Shizune – rebateu Tsunade – Qual sua opinião como médica?
A moça não respondeu. Especular sobre seqüelas durante um coma era um assunto delicado. Poderia ou não acontecer; para ambos os casos havia inúmeros antecedentes. Comas de doze horas em que a pessoa acordava sem memória ou sem a habilidade de falar, assim como comas de 27 anos em que a pessoa não podia estar mais saudável e ativa, como uma criança num corpo adulto.
Fez uma mesura e pediu licença para se retirar.
Se a Hyuuga acordaria ou não, não tinha como saber, muito menos se ela teria seqüelas quando acordasse. Só podia esperar, de todo o coração, que ela ficasse bem.
Conforme a noite foi se adentrando, os ninjas designados para recolher informações no capo de batalha onde estava a árvore vermelha foram se dispersando.
Neji foi embora primeiro, daí mais alguns ninjas da inteligência que voltaram para a Vila de mãos abanando. Tenten partiu no meio da madrugada. Shikamaru mandou dois guardas ANBU com ela, com medo de que ela acabasse dormindo no caminho e se machucasse ao pular pelos galhos até a Folha. Antes do amanhecer o Nara dispensou os guardas restantes.
Quando o sol finalmente começou a surgir, Shikamaru estava recostado a uma árvore do outro lado da clareira, com a árvore de Hinata diretamente a sua frente. Descansava a cabeça nos braços cruzados. Logo acima havia uma marca de ataque na árvore. Seiva havia escorrido e agora a marca, que devia ter um tom claro de madeira quando fora feita, com as bordas mais escuras, estava num tom mediano de marrom. De acordo com Neji aquele era o efeito provocado pelo ataque de Hinata, os Punhos Gentis dos Leões Gêmeos. Os olhos sonolentos do rapaz se colocaram pensativos na marca da árvore. Se aquele era o efeito dos punhos gentis, teria que se lembrar de nunca comprar uma briga de socos com nenhum Hyuuga.
Aquele lugar pela manhã era bem diferente dos outros horários do dia. Tinham chegado lá à tarde no dia anterior e a árvore de sangue estava na sombra. Mas a árvore ficava a oeste e o som se erguendo pelo leste trazia um brilho às folhas vermelhas, aos galhos pesados e ao tronco enegrecido.
Shikamaru levantou-se com o sol. Não demorou muito para que admitisse que era um espetáculo único e mortalmente maravilhoso. Uma brisa forte fez várias gotas de sangue caírem e conforme o shinobi as observava atingir o solo, o reluzir da lâmina da adaga contra o sol chamou a atenção do gênio. Com passos largos, Shikamaru se aproximou da árvore e espalmou suas mãos no tronco, logo abaixo do nome de Hinata na posição das seis horas. Havia alguma coisa errada com o nome na posição das onze horas que somente com a luz do sol Shikamaru pode notar.
Numa contagem a partir do nome na posição das doze horas, aquele devia ser o décimo segundo, mas não estava tão bem escrito quanto os outros. Não estava tão nítido. Com cuidado ele traçou os contornos desse nome com o dedo indicador. Nada aconteceu. Esfregou com um pouco mais de força, mas nada continuou acontecendo.
Afastou-se da árvore e devolveu as mãos aos bolsos. Soltou um bocejo. Era melhor voltar para casa e conseguir algumas poucas horas de sono. Antes, porém, avisaria Tenten sobre aquilo e ela faria o favor de relatar à Hokage por ele.
Inconscientemente – ou não – seus passos o guiaram pelo caminho menos cercado de árvores, para que pudesse observar as nuvens enquanto caminhava com passos lentos, porém precisos, de volta à Vila. Havia muito poucas pessoas circulando àquela hora. A maioria, como sempre, era de comerciantes e ninjas. Shikamaru distribuiu alguns cumprimentos até atingir sua casa onde sua mãe já devia estar acordada. Iria colocar algum café da manhã no estômago, escreveria algumas linhas explicando aquele evento na árvore para Tenten e iria dormir.
Deixou as sandálias no genkan e usou o corredor externo para chegar à cozinha, o mesmo corredor em que costumava sentar com seu pai ou Asuma para jogar shogi. O tabuleiro, inclusive, podia ser visto na sala pequena, o antigo "escritório" de Shikaku. Shikamaru se deteve na porta do local por alguns segundos. Havia dois tabuleiros. Ele e o pai haviam deixado um jogo sem terminar antes da guerra e, depois da morte de Shikaku, o jovem Nara não ousara terminar o jogo ou mover o tabuleiro. Usava-o para meditar, encarando-o por horas infindáveis, observando todas as jogadas possíveis suas e de seu pai. Não era difícil perceber que, não importava o que o rapaz fizesse no jogo, aquele velho iria ganhar de novo.
Foi olhando para aquela cena e pensando nas possíveis atitudes que seus tutores, Asuma e seu pai, tomariam naquela situação, que alguma coisa clicou no fundo da mente do shinobi.
Tudo, simplesmente, fez sentido.
- Sasuke-kun?
A voz de Sakura era baixa e preocupada. Ela falava como se um tom mais alto o fosse assustar.
Ou pior.
O Uchiha estava sentado na janela do quarto de hospital de Hinata desde a noite anterior, depois de Hiashi ir embora, quando ficou sabendo o que houvera com a Hyuuga. A cabeça encostada na lateral da janela com os olhos voltados para cima.
Ele parecia não ter ouvido o chamado de sua ex-companheira de time.
A rosada entrou no quarto com passos calculados. Notou os olhos negros se desviarem do céu e pousaram na mão da médica que foi chegar o prontuário e todos os funcionamentos dos equipamentos que mantinham Hinata viva. Deu as costas a Hinata e voltou a olhar Sasuke no rosto quando terminou. Não demorou a que ele desviasse o olhar de novo para o céu.
Ele estava sofrendo de tantas formas que Sakura mal conseguia agüentar. Não estava com ele quando os Uchiha se foram, mas estar com ele agora e, mesmo assim, não poder fazer nada era terrível. Provavelmente a única pessoa que poderia ajudá-lo a enfrentar aquela situação era a moça que estava desacordada no leito do hospital naquele momento.
E ele não podia ficar mais lindo envolvido em sofrimento, disse uma vozinha irritante no fundo da mente de Sakura fazendo a barriga da kunoichi se agitar lembrando-se de sentimentos antigos. Por mais que amasse Naruto de todo o coração, não podia fingir que Sasuke estava completamente esquecido.
- Sasuke-kun – ela tentou de novo, mas não esperou resposta. Ele estava ouvindo, Sasuke sempre ouvia – Shikamaru mandou chamar algumas pessoas até a Torre do Fogo, eu e você incluídos.
Sem resposta de novo, ele a estava esperando terminar.
- Parece que ele entendeu como podemos salvar a Hinata-chan.
Sasuke não moveu um músculo, nenhum pelo da sobrancelha perfeitamente desenhada. Nada. Haruno não esperava mais dele. Deu às costas ao moreno e à enferma, deixando o quarto.
Tsunade, Shizune, Neji, Hanabi, Tenten, Naruto, Kiba e Shino. Todos os oito olhando de forma suspeita e ansiosa para Shikamaru. Era nessa posição que eles se encontravam quando Sakura abriu a porta e entrou na sala.
- Sakura-chan! – exclamou Naruto um pouco surpreso por vê-la entrando ali sozinha – Cadê o Sas...?
- Estou aqui – a voz veio da janela atrás de Naruto, do lado esquerdo da sala. O moreno sentou-se no beiral como estivera sentado por todo aquele tempo na janela do quarto de Hinata – Andem logo com isso.
Tsunade, Shizune e Sakura eram as únicas que podiam entender os motivos de Sasuke estar com pressa. Ele havia sido o único informado – até o momento – da situação de contagem regressiva de Hinata; se é que entrar na mente de Sakura para fazê-la falar era ser informado de qualquer coisa.
- Shikamaru, por favor – instigou Tsunade.
O rapaz Nara sussurrou alguma coisa que pareceu ser uma frase onde vários sinônimos da palavra "problemático" estavam contidos, mas se posicionou melhor em seus pés para começar a falar:
- Nós precisamos da pessoa que lançou o jutsu para pará-lo.
Silêncio. Demorou quase um minuto inteiro de reflexão antes dos presentes começarem a olhar uns para os outros com milhares de pensamentos percorrendo suas mentes, o principal deles sendo o de que Shikamaru enlouquecera.
- A gente sabe disso, Shikamaru, essa é a essência dos jutsus, que o seu criador o pare ou desfaça, mas nós temos um pequeno probleminha... – ralhou Hanabi com o humor nenhum pouco afeito a brincadeiras naquele dia – O dono do jutsu está morto!
"Sarcasmo, eles sempre tem que usá-lo antes do cérebro", pensou o Nara acendendo um cigarro. "Eles não querem esperar eu explicar, ótimo".
- Não fume aqui – ralhou Shizune.
- Se vocês já tinham chegado nessa conclusão, eu creio que chamei vocês aqui à toa – falar era tão complicado. Por que todos eles não podiam chegar às mesmas conclusões que ele na mesma velocidade? Assim não precisaria mais haver nenhum tipo de conversação entre a humanidade e ele poderia ir lá pra fora, olhar as nuvens e tirar um cochilo.
- Shikamaru, pare de brincadeiras, a vida de Hinata está em jogo! – ralhou Kiba, o primeiro a ter o temperamento alterado com a falta de entendimento das coisas. Naruto o seguiria logo depois.
- Eu não estou brincando.
Não demorou a que, com a falta de cooperação em fazer os outros presentes entenderem por parte do Nara, a conversa se tornasse alta e confusa. A cabeça de Tsunade parecia que iria explodir.
- Shikamaru – a voz de Sasuke calou a todos, porque, de repente, o ninja estava no meio da sala, o mais próximo que a conduta permitia que ele ficasse do Nara sem romper com o espaço pessoal alheio. Os olhos dele estavam variando rápido entre negros e vermelhos – Quem é o dono do jutsu?
Ele já sabia que seria ou o Uchiha ou Neji que iriam desvendar o enigma.
- Já deveria ser bem óbvio pra você agora a resposta pra essa pergunta – sugou a fumaça do cigarro que não tinha apagado, apesar dos protestos de Shizune, e fez com que círculos de fumaça saíssem de sua boca, sem pressa.
- Quer dizer que não é Masaru Ren o dono do jutsu? – perguntou Hanabi sem saber direito para quem olhar.
- Faz sentido, uma vez que, com Ren morto, o jutsu deveria ser desfeito – rebateu Kiba.
- Por mais incrível que parece, Naruto já desvendou o truque para que o jutsu continue a funcionar: é o sangue e chakra de Hinata – verbalizou Shino.
E foi aí que o Sharingan parou de oscilar. Um já fora; faltavam dez.
Shikamaru esperou.
- Ren poderia ter alguém que estivesse mantendo o jutsu para ele? – perguntou Shizune e o moreno Nara ficou até impressionado que ela, uma aprendiza da Hokage, não tivesse ainda seguido o fluxo de pensamentos.
Olhos âmbares, verdes e brancos – aqui dois pares – pareceram seguir os negros no entendimento.
- Hinata-sama! – exclamou Neji sem conseguir mais se conter – Hinata-sama é a dona do jutsu, ela o está mantendo, o que quer dizer que...
- Somente a nee-san pode parar o jutsu! – finalizou Hanabi, como se eles tivessem ensaiado.
- Hinata-chan pode parar o jutsu? – perguntou Naruto, o conhecimento finalmente preenchendo-o. Um sorriso largo se abriu – Se é assim que a gente salva ela, o que estamos esperando? Qual é o próximo passos, Shikamaru?
Os presentes se calaram todos olhando para o ninja das sombras, até mesmo Sasuke e a Hokage. Detestava atrair atenção, apagou o cigarro.
- Nós precisamos tirá-la daquele hospital, levá-la até a árvore e fazê-la arrancar o punhal com suas próprias mãos.
- Beleza! Essa é a melhor notícia em muito tempo, dattebayo.
- Naruto – a voz de Sakura o parou – Você só pode estar louco se o que estiver pensando em fazer é ir até o hospital, jogar Hinata em suas costas e simplesmente a levar até a floresta!
O loiro pareceu confuso. Aparentemente aquilo era exatamente o que estava pensando em fazer.
- Você sabe o estado em que ela está, os sete quilômetros até o local podem ser demais para ela.
- Você só pode estar brincando, Sakura-chan? Hinata-chan está lutando, ela está viva! Ela não vai morrer, não agora que nós sabemos como salvá-la!
- Sakura está certa, Naruto – a voz de Tsunade se levantou, assim como a loira também o fez da cadeira – Há uma coisa sobre a situação de Hinata que eu preciso esclarecer a vocês.
Todos os olhos se voltaram para ela, menos os que já sabiam quais seriam as próximas falas da ninja mais forte da Vila. Sasuke estava encarando o chão, as mãos nos bolsos. Shikamaru acendeu outro cigarro.
- Por mais factual e otimista que a hipótese de Shikamaru seja, continua sendo uma hipótese – recomeçou Tsunade assim que ela viu que eles já estavam suficientemente recuperados da notícia que Hinata provavelmente só tinha mais um ou dois dias de vida, dependendo de quanto ela agüentasse. Foi o suficiente para calar as necessidades urgentes de Naruto de querer arrancar a moça do hospital sem precauções – Se tirarmos Hinata do hospital e o jutsu não for desfeito, é o fim. Para que uma escolha possa ser feita, todos aqueles que participarem da decisão precisam estar cientes disso.
A voz de Tsunade visava atingir os Hyuuga, mas era para Sasuke que seus olhos apontavam.
O sonho, daquela vez, parecia diferente. Não havia casa, nem pergaminho, nem quimono, nem Sasuke e nem Masaru Ren.
Não havia Ren. Essa era a parte que mais lhe trazia alívio.
Sozinha, no centro de uma clareira, havia luz demais para que Hinata vislumbrasse as árvores ao seu redor, mas podia sentir a grama. Queria poder rolar no verde carregado de orvalho sob si, mas seus pés não lhe obedeciam. Nenhuma parte do seu corpo lhe obedecia.
E essa era a pior parte daquele sonho.
Seus músculos, não havia um que não reclamasse de dor.
Seu pé deu um passo involuntário para frente e Hinata se assustou acreditando que ia cair com a surpresa, mas não demorou a que o outro pé a estabilizasse.
E então sentiu algo estranho, líquido, encharcar sua sola. Seu pescoço – aparentemente a única parte de seu corpo que conseguia mover – levou seus olhos para baixo, para ver que começava a pisar em uma poça de sangue.
Arfou. Suas pernas continuavam guiando-a para frente e, quando levantou a cabeça de novo, a clareira desaparecera. Sangue por todos os lados. Nada mais. Estava em um corredor banhado de sangue. Nas paredes brancas havia marcas de luta, mostrando que quem estivera ali antes dela não seguira sem resistir e lutar.
Mas Hinata não conseguia lutar mais, não depois de tanto tempo fazendo-o, indo contra Ren.
Seu nariz ardeu para chorar, mas nem isso conseguiu fazer. Seu corpo não lhe obedecia e Hinata já não queria mais lutar. Estava tão cansada, tudo doía e não havia mais lágrimas. Arfou. Era difícil fazer o ar entrar até seus pulmões e mais difícil ainda fazê-lo sair. Arfou. E sua mão levantou e agarrou a parede lisa o melhor que conseguiu. Estava cansada, dolorida e desesperada. Então podia muito bem ficar louca e seguir lutando.
Cravou as unhas na parede e seu pé deu mais um passo.
Olá!
Um capítulo para vocês e um Feliz Nata!
Espero que todos tenham passado um bom feriado do jeito que melhor lhes aprouver, eu passei o meu escrevendo isso aqui. Espero que gostem e me desculpem qualquer erro.
E, enfim, o próximo capítulo é o último. Não fiquem muito tristes.
Obrigada mesmo por lerem e por não desistirem dessa fanfic e nem de mim, amo muito vocês!
Talvez tenhamos atualizações até o Ano Novo. Caso isso não aconteça, FELIZ 2013!
AGRADECIMENTOS:
Lalykuran, Luciana Fernandes, Haru x3, Pri H. U. Ryuu, Luci Moon s2, Maira, Luna-chan, Carol Dias, isabellasamira, Tahy P, , Rayanninha e HyuugaHime15.
OBRIGADA POR LEREM!
Beijos, Tilim. :)