LEMBRANÇAS DE LUZ
Epílogo - Solidão
Chegou a revolver tanto o passado com a atualidade, que nos dois ou três lampejos de lucidez que teve antes de morrer ninguém soube ao certo se falava do que sentia ou do que lembrava. "Cem anos de solidão"; Gabriel García Márquez, p. 376.
O erro de todos foi, primeiro, a terem subestimado. Quando ela os provou errados eles, então, a superestimaram, e isso também foi um erro.
Acabara virando um ritual e Ino não podia culpa-lo. Se tivesse sido com ela, a Yamanaka tinha certeza que também faria daquilo um ritual. Fora o primeiro dia do mês e, a partir daí, todos os primeiros dias do mês eram os dias em que Uchiha Sasuke, o estoico, arrogante, imperial ninja da Folha iria entrar na floricultura e comprar meia dúzia de lírios brancos, dos tipos de são colocados em túmulos. E ela sabia para quem ele iria entrega-los, onde ele iria entrega-los.
Todos na Vila sabiam àquela altura.
Sete meses desde a Árvore de Sangue.
Sasuke normalmente não falava com ninguém sobre aquilo e as pessoas não o forçavam. Não eram muitos que sabiam o que havia acontecido, afinal, e ainda menos aqueles que sabiam sobre a relação que frutificara entre Sasuke e a herdeira Hyuuga durante a missão ao feudo nortenho.
Os olhos negros nunca pareciam tão distantes quanto no primeiro dia de cada mês.
- A gente se vê, Sasuke-kun – tentava Ino todas as vezes que ele virava as costas e saia da loja, o sino da porta tilintando.
Ele nunca respondia.
Ele também nunca apertava o passo quando saia da floricultura; nem o diminuía, por sinal. Andava normalmente, como um Uchiha, com o orgulho de seu Clã ainda estampado nas costas, um Clã ainda por renascer.
Ninguém ousava incomodar Sasuke no seu ritual do primeiro dia. Naruto tentara uma vez, quando vira o que aquilo significava, mas os dois acabaram em uma luta que obrigou a Hokage a coloca-los sob regime fechado por uma semana. Por mais que o ninja loiro não acreditasse que aquilo fosse saudável, não interferiu mais nos primeiros dias dos meses seguintes.
Os portões de madeira clara do Clã Hyuuga assomaram à frente do jovem moreno.
Os dois homens de olhos brancos da entrada apenas fizeram um aceno de cabeça quando o Uchiha passou. Aqueles dois tinham marcas verdes na testa sob as bandanas, Sasuke sabia. Deu a volta na grande mansão principal, mansão bem maior do que aquela que um dia fora de seu Clã. Depois da destruição de Pain e do retorno do último Uchiha, apenas parte das suas terras foram devolvidas.
Não importava, especialmente agora que seu Clã fora reduzido a um único indivíduo.
Seus passos sabiam para onde seguir.
Uma curiosidade sobre os Hyuuga de Konoha: seus mortos, mesmo que sejam heróis ou renegados da Vila, são sempre enterrados em solo Hyuuga.
As pessoas reunidas na sala da Hokage estavam solenemente quietas, todos perdidos em pensamentos, ponderando. Perder Hinata sem tentar ou perder Hinata tentando?
Apenas uma pessoa parecia ter seu coração tranquilo e direcionado para uma decisão.
Naruto.
- O que vocês estão esperando? – grunhiu, a passividade daquelas pessoas o irritava profundamente – Nós não podemos ficar aqui sem fazer nada, dattebayo!
Ninguém respondeu. Tsunade mordeu os lábios e desviou seus olhos das safiras flamejantes que ele exibia e se posicionaram no Uchiha parado ao lado da janela, tão imóvel quando conseguia ficar. Se não houvesse luar ele seria uma perfeita sombra, um perfeito shinobi.
Mas naquela noite ele não parecia um shinobi... Parecia apenas um homem extremamente machucado.
Os Hyuuga estavam num canto conferenciando em sussurros. A loira Hokage podia ver Hanabi praticamente explodindo como seu nome diante da calma e passiva ponderação de Neji. Em outra ocasião eles teriam imediatamente ido até Hiashi, mas o patriarca do Clã Hyuuga não queria mais ser perturbado. Cabia a eles, os parentes mais próximos da moça, decidirem.
E então Hanabi começou a chorar. Com sua baixa estatura, a testa da menina batia apenas no peito do primo. Ele colocou uma mão sobre a cabeleira negra e sussurrou, Tsunade leu seus lábios:
- Se Hinata-sama tivesse que morrer, morreria tentando.
Eles tinham decidido.
- Tsunade-sama? – a voz de Neji calou Naruto e despertou todos de seus pensamentos – Como levaremos Hinata até a árvore?
No fim tudo foi acertado de forma mais simples que o esperado: um círculo de invocação foi desenhado por Shizune e Tenten ao redor do leito hospitalar da morena Hyuuga. Uma pequena Katsuyu foi invocada para manter o chakra de Hinata estável durante a transição. Tsunade a invocaria na floresta. Com isso, para que a Hyuuga pudesse retirar a adaga por si mesma, Shikamaru se ligaria a ela pelas sombras e a guiaria até a árvore.
E fim.
Simples.
Como morrer.
Os outros que estavam na sala da Hokage, fora Shizune e Tenten, se transferiram para a clareira onde a árvore de sangue se erguia. As folhas não se mexiam, não havia vento, como se a natureza estivesse prendendo a respiração. Os presentes certamente estavam.
Hanabi tinha parado de chorar, mas uma lágrima ou outra ainda caiam por suas bochechas vermelhas e inchadas.
- Tsunade-sama, está tudo pronto aqui – a voz de Shizune quebrou o silêncio da clareira, saindo alta e metálica pelo comunicador – Você já pode realizar a invocação.
- Certo, Shizune, prepare-se – ela mandou olhares para Sakura e Shikamaru – Sakura, fique perto de mim, e Shikamaru, tenha o jutsu pronto.
- Sim, Tsunade-sama – disse a rosada e Shikamaru colocou-se de joelhos e com os selos prontos.
Sasuke se colocou do outro lado enquanto a loira ficava em frente a árvore, numa distância segura. Mordeu o dedo e realizou os selos rapidamente e com precisão. Sua mão encostou no solo e uma enorme nuvem branca ergueu-se entre os presentes.
- Tsunade-sama, estamos aqui, Hinata-san está bem e estável – a vozinha baixa e calma de Katsuyu veio de dentro da fumaça. Mais alguns segundos e a fumaça desapareceu, deixando apenas o leito de uma pequena e fraca Hinata para trás.
Tsunade podia sentir os chakras se agitando a sua volta, Sakura verificou os sinais e confirmou as palavras do animal.
- Shikamaru.
- Kagemane no Jutsu!
Todos assistiram com expectativa e apreensão a sombra de Shikamaru se alongar até alcançar a parca sombra do leito da morena. Com experiência, o rapaz Nara se levantou sem que Hinata se movesse. Aperfeiçoara seu jutsu com os anos e podia controlar o que o possuído fazia sem ter que imitar completamente seus movimentos.
Com cuidado, moveu os dedos para verificar se o jutsu tinha surtido efeito, mas confiava em suas habilidades. Os dedos de Hinata se moveram igualmente aos seus próprios e, com cuidado, Shikamaru começou a levantar seu tronco, colocando-a em uma posição sentada, as pernas caídas para o lado da maca. Ao olhar para aqueles músculos atrofiados aparecendo sob a camisola do hospital Shikamaru tinha certeza que Hyuuga Hinata não poderia se manter em pé se não estivesse sendo controlada por seu jutsu.
- Muito bem, Hinata-san – ele sussurrou para si mesmo.
Enquanto fazia-a delicadamente descer da maca, como uma boneca de cordas, como uma marionete, Shikamaru tentou se lembrar dela antes, tentou lembrar ainda uma moça sorridente, apesar de tímida, que podia se mover com suas próprias pernas. Eles tinham Kurenai e o bebê em comum e se encontravam nessa situação uma porção de vezes, ambos revesando para bancarem os tios e as babás e educando o melhor que podiam o filho de seus mestres, um dos muitos que cresceria e levaria consigo a vontade do fogo.
Através de seu jutsu das sombras Shikamaru inconscientemente tentou passar essa imagem para ela, essa lembrança e essa promessa muda que, individualmente, ambos tinham feito um dia no passado: eles eram filhos da vontade do fogo e não podiam desistir.
Com cuidado e calma deu o primeiro passo em direção a arvore. Hinata, dois metros a sua esquerda, o seguiu.
Olhos fechados, cabeça baixa e membros fracos. Aquela era a pior imagem que Sasuke podia ver de Hinata, porque aquela era a imagem que ela mais detestava em si mesma: pura fraqueza.
Quando Shikamaru começou a andar seus pés também deram os passos que ela estava dando. Ninguém prestou atenção no Uchiha, apreensivos demais com a Hyuuga.
Uchiha Sasuke jamais sentiu seu peito tão apertado e suas costas tão pesadas quanto no momento em que ela – e Shikamaru ao seu lado – finalmente se colocaram em frente à árvore de sangue e a mão pálida, fantasmagórica, e permeada de manchas roxo-esverdeadas se moveu em direção à empunhadura da adaga fincada no meio de doze inscrições brancas.
Shikamaru olhou pra ela, mas a cabeça de Hinata não se moveu da posição abaixada. Quando ergueu seu braço, a manga da camisola hospitalar desceu. O Nara se perguntou se aquele braço e dedos finos seriam capazes de agarrar a adaga. Do outro lado da moça, Sasuke se moveu para perto, como a sombra da Hyuuga.
Naruto se precipitou para frente quando os dedos pálidos se fecharam sobre a empunhadura e Hanabi agarrou Neji com força suficiente para machucar.
Antes que Shikamaru pudesse guiar a boneca de pano que agora era Hinata a retirar a adaga da árvore, as inscrições do nome dela se iluminaram em uma luz branca que ascendeu sobre toda a árvore e uma brilhante cor vermelha iluminou a clareira.
- Nii-san...? – Hanabi chamou tão baixinho que por um momento Neji tendeu a olhar para Hinata, mas o som tinha vindo de perto demais de si para ser da prima mais velha. Hyuuga Hanabi naquele momento não parecia em nada com a kunoichi destemida que Neji sabia que ela era. Nenhum dos ninjas ali parecia. Ambos ativaram suas linhagens contra a árvore iluminada em sua magnitude vermelha. Eles agora podiam ver os veios de seiva repletos de sangue e chakra, um organismo mutante tão complexo quanto um corpo humano.
- Shikamaru, não se distraia!
O grito da Quinta Hokage colocou o Nara de volta sobre seus pés para cumprir sua missão
De todos ali, Uchiha Sasuke fora o único que não tirara os olhos da Hyuuga. Ele não se importava que a árvore brilhasse, que fosse mutante ou que criasse pés e dançasse... Desde que Hinata acordasse.
A mão pálida tremeu ao puxar, mas Shikamaru sentiu através da ligação da sombra que fora como tirar uma faca de um punhado de manteiga derretida. A intensidade do brilho da árvore aumentou e pássaros fugiram, assustados.
A mente do rapaz trabalhava tentando entender o que aquele jutsu estava fazendo.
Foi quando ele percebeu o seu Kagemane no Jutsu sendo – ou tentando ser – rompido. Seus olhos se voltaram para a boneca de pano, para uma Hinata de olhos abertos e com o Byakugan ativado.
Suas unhas tinham ficado pelo caminho, cravadas nas paredes daquele corredor infinito.
E tudo doía, como sempre.
Mas sentir dor é bom, sentir dor é ótimo. Sentir dor é estar vivo e estar vivo significa continuar lutando.
Caiu, um joelho alcançando o chão coberto com aquela camada perpétua de sangue. Seu sangue, sabia, só não lembrava há quanto tempo obtivera aquela realização. Ontem, há uma hora, há doze anos, numa outra existência.
Tempo, porque mesmo ele era tão importante?
O tempo só é importante porque mede o fim.
E aquilo em que estava não tinha fim.
Havia sangue por todo lado, havia sangue em todas as partes de si. Seus pés machucados, mãos machucadas, rosto machucado. Seu joelho tremeu ao tentar levantá-lo do chão mais uma vez, sem sucesso. Cedeu, caindo de rosto no sangue sempre fresco, sempre escorrendo.
Sua mão direita continuava apoiada na parede e seus olhos perolados – a única parte do seu corpo que não estava coberta de sangue – encararam as pontas rotas de seus dedos onde outrora havia unhas. Sua respiração saia em baforadas pela boca e faziam espirras o sangue que era pego pela lufada dolorida de sua respiração.
Será que podia descansar agora?
- Sim, Hinata-chan. Você lutou bem e dançou melhor ainda. Pode dormir agora.
- Obrigada... Okaa... -san...
- HINATA-CHAN!
Shikamaru não tinha sido o único a perceber que Hinata abrira os olhos, mas ninguém além de Sasuke ousou se mexer. Ele deu passos para perto dela, mas parou quando percebeu o chakra envolvendo-a como uma armadura, o mesmo chakra destrutivo usado nas palmas das mãos nos ataques do Clã Hyuuga.
Como se a assistissem em câmera lenta, todos viram a morena de olhos abertos, de Byakugan ativado, em uma posição desafiadora como jamais a esqueceriam. Ainda segurando a adaga com mãos trêmulas, essas mesmas mãos se juntaram na frente do corpo, seus dedos indicador e médio das duas mãos formando uma cruz, o sinal de liberação.
Todos viram os lábios temerem, mas apenas Sasuke ouviu que ela sussurrara uma palavra, tão baixa que mais parecia uma respiração:
- Kai.
O brilho vermelho da árvore se tornou ofuscante demais para os olhos de todos se manterem abertos e, sem que percebessem, foram engolfados na luz vermelha.
Os olhos verdes de Sakura foram um dos primeiros a se acostumarem com a clareira depois da passagem da luz vermelha. Acima das árvores o céu estava sendo pintado por um tom celeste e rosa-amarelado do amanhecer.
- SAKURA!
A voz de Sasuke retumbou em seu coração, despertando-a completamente. Por um momento a natureza, tão calma e gentil depois de tudo, a tinha feito esquecer em que situação estava.
Jamais ouvira e jamais ouviria a voz de alguém tão cheia de dor e miséria quanto a de Uchiha Sasuke naquela manhã.
Era o primeiro dia do mês.
Ele estava na clareira, exatamente no lugar onde Hinata se encontrava antes. Aparentemente o jutsu de Shikamaru tinha sido desfeito e o moreno Uchiha se encontrava sentado no chão, a morena Hyuuga imóvel e desacordada entre seus braços e pernas, da mesma forma que estivera no hospital no último mês.
Mas algo estava diferente, algo estava errado.
- Tsunade-sama! – gritou a rosada avançando para os dois morenos no centro da clareira.
- Sakura, dê um pouco do seu chakra para ela imediatamente! – gritou a loira alcançando o corpo da Hyuuga ao mesmo tempo que sua pupila – Sasuke, nos dê espaço.
Mas o Uchiha não parecia ter ouvido. Ele segurava a Hyuuga com tanto cuidado contra seu corpo que ela parecia ser feita de fino papel de seda. E, àquela altura, talvez fosse.
Grunhindo pelo Uchiha, Tsunade alcançou o pescoço da morena com seus dedos tentando não atrapalhar as mãos de Sakura cheias de chakra verde sobre o peito da moça.
O sangue da Hokage congelou-se nas veias quando alcançou a artéria.
E foi quando ela notou, quando realmente viu Sasuke ali.
O cabelo preto estava caído no rosto, os ombros não muito largos, mas musculosos tremiam em espasmos. A mão esquerda segurava o pulso da mão direita de Hinata, os dedos indicador e médio diretamente sobre o local em que se deve medir a pulsação.
Os olhos âmbar derramaram lágrimas sem perceber.
- Nee-san... – a voz de Hanabi estava abafada, provavelmente porque estava sendo contida de se aproximar por Neji.
Akamaru ganiu baixinho.
- Sakura-chan...
As mãos do loiro nos ombros da rosada fizeram que Sakura parasse de tentar administrar o chakra verde e recolhesse as mãos, entrelaçando-as com as morenas de Naruto.
Ali, no meio da clareira, com o corpo desacordado de Hyuuga Hinata nos braços, Uchiha Sasuke chorou sobre ela.
Havia túmulos enfileirados por um largo espaço que, na primavera, devia brilhar com um verde vivo. No momento, porém, se encontrava coberto com os tons laranja-vermelho-amarronzados das folhas da estação trazidas pelo vento.
A sede do Clã Hyuuga também havia se perdido na destruição de Pain e aquele espaço era o que fora cedido pela Hokage, exatamente do mesmo tamanho que fora o anterior.
Vários dos túmulos eram de depois da Quarta Grande Guerra Ninja, uns poucos eram ainda de depois disso. Outros eram anteriores. Mas nem todos os antigos mortos tiveram seus nomes resgatados e gravados em pequenos totens de pedra negra para simbolizar sua memória, apenas os mais importantes tiveram essa honra.
Entre os túmulos as árvores de cerejeira e os pessegueiros, ainda não muito mais altas ou fortes que meras mudas, davam seus sinais de que resistiriam a outro outono.
Leu a inscrição da pedra que se erguia a sua frente. Como sempre, mesmo com o seu perfeito autocontrole de ninja, o seu coração pulou uma batida e depois acelerou uma produzindo aquela terrível pontada no peito quando, olhando para o totem negro, a memória vermelha daquela noite o atingiu mais uma vez.
Ativou seu Sharingan exatamente antes da luz cegar a todos, o que permitiu que visse quando jutsu de Shikamaru foi desfeito e os olhos de Hinata voltaram a fechar, os braços soltaram-se exaustos de ambos os lados do corpo e a adaga caiu surdamente no chão de terra.
Sem dificuldade, Sasuke apanhou-a nos braços no meio da queda, mas não conseguiu ficar em pé. Caiu com o corpo dela sobre as pernas e, desesperado, juntou seus lábios muito próximos aos dela para sentir qualquer respiração.
O que sentiu foi melhor.
- Sasu...
- Hinata, abra os olhos, Sakura já virá curar você – a voz dele estava frenética sob as camadas de rouquidão devido ao desuso e a preocupação.
Os olhos perolados obedeceram e os cílios tremeram quando os perolados se colocaram sobre Sasuke. Hinata o viu: cansado, com olheiras, os cabelos sem corte, os lábios secos. Ele parecia ter sofrido séculos e, mesmo assim, ainda estava lindo. Como deve ser bom ser um Uchiha.
Mas os perolados se fecharam de novo.
- Hinata, não, não durma.
- Mas eu... Tão c-cansada...
- Não! – a luz vermelha começava a se dissipar tomando seu rumo para além da clareira – Prometa que vai acordar. Prometa que dessa vez você vai acordar!
- Sasuke...
- Não vá para um lugar onde eu não possa proteger você.
E ela sorriu, já com os olhos fechados, já com a respiração falhando, já com a pulsação enfraquecendo.
- Amo...
Havia folhas de outono bordadas no quimono branco e o obi, amarrado em um laço simples e quadrado, era de um maravilhoso tom de amarelo. O cabelo fora cortado curto e o sorriso no rosto era fácil enquanto as mãos pequenas recolhiam algumas folhas vermelhas do chão, somente para se esfarelarem ao toque, por mais suave que fosse.
- Chegou cedo - a voz dela o chamou, o tranquilizou, de volta de outra missão ANBU. Arriscada, mas de volta.
- Hn.
Ela abandonou as folhas e se ergueu, aproximando-se dele com o farfalhar do quimono. O rosto estava maravilhosamente corado, as formas cheias e nenhuma parte dela tremia com o esforço de andar, como deve ser para uma pessoa saudável.
- Obrigada.
Os lírios foram de uma mão para a outra e então para perto do totem que ele olhava. Depois a mão dele, sempre possessivo, segurou a mão pequena na sua, fazendo-a corar ainda mais.
Andaram lado a lado, sem palavras, para fora do Clã Hyuuga, para o centro da Vila da Folha. Só andaram juntos, de mãos dadas, lado a lado e no mesmo passo. Uma única coisa que Sasuke não conseguia fazer quando estava com ela era desviar os olhos da forma esguia, dos gestos delicados, quase etéreos, como se fosse um fantasma.
Ao menos quando olhavam para ela, os olhos ônix perdiam um pouco da frieza e brutalidade que o tinham tornado tão respeitado do mundo ninja e ganhavam um pouquinho da sensibilidade que ela havia lhe ajuda a readquirir.
A mão dela lhe puxou para continuarem andando depois de passarem por algumas macieiras. A entrada de seu Clã à frente, não tão grande quanto o Hyuuga, e com portas de madeira escura, mas seu.
- Hinata.
Fazia exatamente um mês desde a Árvore de Sangue.
A moça a sua frente era uma versão mirrada de Hinata, ainda cambaleante e fraca, com uma alimentação a base de líquidos.
Mesmo assim ela já podia andar e já podia sorrir.
Os olhos perolados se voltaram da terra a sua frente para os negros ao seu lado.
- O que enterrou aí?
A casa não era nem de perto tão grande quanto um dia fora a sede do Clã Uchiha. Não importava. Quanto maior a casa, apenas mais fantasmas para habitá-la. Aquela era do tamanho que precisava.
O cheiro de chá de jasmim o atingiu e interrompeu o treino. Guardou a espada na bainha enquanto o suor escorria por seu corpo e o cabelo preto grudava-se a testa. Virou-se para a varanda. As mãos brancas ajeitavam o quimono sob os joelhos para se sentar, a memória que lampejou em seus olhos como se viesse de uma outra vida e as notas de um shamisen soaram vagas.
E ela sorriu, mesmo com os olhos repreensivos e o rosto corado:
- E-está frio, não deveria treinar assim.
Ignorando o suor em seu torso nu, Sasuke soltou um grunhido de sempre e sentou-se na beirada da varanda depois de tacar o haori branco sobre os ombros e pegar o chá que ela oferecia.
- São minhas lembranças... – tinha terra nas mãos – Minhas lembranças de luz.
- Por que quer se casar no meio do inverno, Sasuke?
Era a primeira vez que ela lhe perguntava o motivo da escolha daquela estação específica e inóspita para um casamento desde que a pedira – ou melhor, desde que a intimara –, sete meses atrás. A moça mal abrira os olhos, três dias depois de fechá-los, e Sasuke a tomou para si, dizendo apenas:
- Você é minha e eu não te deixei ir para a morte – ele grunhiu numa voz baixa, fria e carregada de dor, a cabeça baixa e a mão trêmula dela entre as suas – Não me deixe, Hinata.
- Por que enterrá-las?
- O inverno preserva, o gelo impede que as coisas se deteriorem – ela simplesmente não entendia como ele conseguia dizer aquelas coisas embaraçosas sem corar e ainda olhando tão profundamente para dentro de seus olhos claros. Só sabia que ele sentia alguma coisa e que sabia das reações que provocava nela quando via aquele sorriso de canto, charmoso e maligno – É o que eu quero que a gente signifique.
- Estão guardadas em mim, não preciso mais de papel e tinta. Mas mais que isso, são passado – ela não conseguiu encará-lo, mas a mão de terra que ele segurava apertou a sua e ele entendeu – Va-vamos viver agora, ne, Sa-sauke?
- Hinata...
Ela levantou os olhos do seu chá e surpreendeu-se com ele tão perto. Quando...?
Não conseguiu completar o pensamento, porque sentiu aqueles lábios finos sobre os seus, a chama que ele atiçava percorreu seu corpo e arrepiou seus braços e nuca. Estava correspondendo com voracidade antes que percebesse, encaixada entre as pernas musculosas, tinha sido retirada da sua posição de joelhos. Arfou num momento rápido em que ele soltou sua boca para morder-lhe o lábio inferior, e tomar sua boca de novo.
Havia marcas vermelhas nos lábios rosados quando o moreno Uchiha recostou seu nariz na curva do pescoço, inalando o cheiro dela, aquele cheiro de vida.
A solidão que sentia desde a morte de seu Clã, desde a morte de Itachi, desde a noite da Árvore de Sangue.
Chega.
Que venha o gelo, e depois as flores e o calor e as folhas secas e depois tudo de novo, sem cessar.
Sem solidão.
- Você é minha, Hinata... – sussurrou pela primeira vez – Porque eu te amo.
FIM
Beta-reader: Tifa Lockhart Valentine, créditos a ela por expurgar meus erros todos.
E aí, galera, ficaram na dúvida sobre a vivacidade da Hinata ou conseguiram desvendar se a Capitu traiu ou não o Bentinho?
Mas, infelizmente, é assim que "Lembranças de Luz" chega ao fim. Foi melodramático? Foi tragicômico? Bom? Ruim? Péssimo? Realmente, agora no fim, gostaria de ouvir a opinião de vocês, tudo bem?
Desculpem os eternos atrasos e demoras, mas realmente muito obrigada a quem ficou comigo até aqui, mandando reviews ou não, não importa, estou agradecida por lerem de qualquer maneira.
Eu me diverti e senti muitas coisas diferentes ao longo dos anos dessa fanfic. Sim, anos, desde a data de publicação foram quase 4 anos e 4 meses. Ufa! Será que dá pra perceber a mudança de tom e alguns crescimentos entre os capítulos? Espero.
Ficarei por aqui, pessoal, de novo, muito obrigada até a quem ainda não leu e lerá esta fic no futuro.
Até uma próxima.
AGRADECIMENTOS:
Guest, LaLaHychan, Kiwii6, Pisck, Luciana Fernandes, Mirtilo S, Haru x3, Pri H. U. Ryuu, GiTeodoro, Anny S.C.M, brenda, Maira Potter, PuppyKatGirl, AnaNinaSnape, Kyuubi-Chan, Marcy Bolger, Lalinha Namizake, Miaka Urameshi, Choi MinJee, YuukiYuuna, Mari, e Jaque.
OBRIGADA POR LEREM!
Beijos, Tilim :)